Foto é a principal causa de erros no reconhecimento de suspeitos

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Das 377 decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 2023, que revogaram a prisão provisória ou absolveram os réus por falhas no seu reconhecimento como autores de crimes, 281, ou 74,6% do total, tiveram como fundamento a existência de erros na identificação por meio de fotografias.


Os dados foram levantados pelo gabinete do ministro Rogerio Schietti Cruz. As informações tiveram como base as decisões monocráticas e colegiadas proferidas pelas 5ª e 6ª Turmas do STJ de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2023, nas classes processuais REsp (recurso especial), AREsp (agravo em recurso especial), HC (habeas corpus) e RHC (recurso em habeas corpus).


Segundo o estudo, ao longo de 2023, foram analisados 4.942 casos em que a defesa questionava o procedimento adotado no reconhecimento pessoal de suspeitos, resultando em 268 acórdãos e 4.674 decisões monocráticas. Em 377 desses julgamentos, houve a revogação da prisão provisória ou a absolvição do réu.


As decisões –19 acórdãos e 358 monocráticas– representaram cerca de 7,5% do total de julgamentos que trataram do tema do reconhecimento pessoal, percentual consideravelmente superior à média de decisões favoráveis à defesa que costumam ser proferidas pelos colegiados de direito penal do STJ. Em 2019, por exemplo, o número de absolvições por meio de habeas corpus não ultrapassava 0,28% (PDF – 1 MB) do total de pedidos examinados pelo Tribunal.


FOTOS E RECONHECIMENTO FALHO


De acordo com o ministro Schietti, os dados revelam a inobservância de uma série de “cautelas” no reconhecimento com base em foto.


“Foi possível observar que o uso de imagens despadronizadas, extraídas de redes sociais e desatualizadas, foi acompanhado de práticas nada confiáveis”, disse Schietti.


Algumas das práticas, de acordo com o ministro, são:


ausência de tomada de descrição prévia do autor;
• show up (exibição de uma única foto);
• envio prévio de foto por WhatsApp ao reconhecedor; e
• repetição do procedimento em juízo.


O ministro ainda alertou para o fato de que nem toda foto pode ser usada em um reconhecimento. É necessário um esforço conjunto de policiais, promotores e magistrados na realização de uma certa “filtragem epistêmica”. Ressaltou ainda que as exigências para a realização do tipo de prova por foto não devem ser menores do que as estabelecidas para o reconhecimento com o suspeito presente.


Tanto em um caso como em outro, segundo Schietti, a Resolução 484 de 2022 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) deve ser considerada “seja na produção da prova, seja no oferecimento da denúncia, seja no recebimento dela, além da decisão de sentença, a qualidade do reconhecimento concretamente praticado precisará ser analisada”.


O ministro também afirmou que o respeito às regras do artigo 226 do CPP (Código de Processo Penal) não representa uma garantia só para o suspeito, mas também para o trabalho da polícia e da Justiça e para a própria vítima, “a quem mais interessa a identificação e a responsabilização penal do real autor do crime”. Segundo Schietti, o processo fica menos sujeito a nulidades, com os erros sendo evitados.


PRECEDENTE AINDA NÃO É INTEIRAMENTE SEGUIDO


O levantamento do STJ identificou que, na maioria dos casos, a discussão dos autos girou em torno da correta aplicação do artigo 226 do CPP. O artigo traz diretrizes para o reconhecimento de pessoas na esfera criminal.


De acordo com o dispositivo, o procedimento deve ser o seguinte:


• a vítima ou testemunha descreve previamente a pessoa a ser reconhecida;
• o suspeito, se possível, deve ser colocado ao lado de outras pessoas que tenham semelhança com ele;
• a vítima ou testemunha aponta o indivíduo que reconhece;
• se necessário, devem ser adotadas medidas para que a pessoa a ser reconhecida não veja a pessoa que faz o reconhecimento;


deve ser lavrado o auto de reconhecimento, assinado pela pessoa que fez o reconhecimento e por duas testemunhas.


Nos casos que foram revistos pelo STJ em 2023, as instâncias de origem haviam entendido, em geral, que o artigo 226 do CPP traria apenas uma “recomendação”. Foi avaliado que o descumprimento do dispositivo legal não seria motivo para declarar a nulidade da prova colhida.


A jurisprudência do STJ, contudo, é outra. Para a Corte –na esteira de precedentes do STF (Supremo Tribunal Federal)–, o artigo é de observância obrigatória e serve como uma garantia mínima para quem está na posição de suspeito do cometimento de um crime.


Ainda segundo o STJ, mesmo que o reconhecimento seja realizado em conformidade com o artigo, o procedimento “tem valor probatório relativo, não podendo, por si só, levar à certeza sobre a autoria do delito”.


MOTIVOS INVALIDAM RECONHECIMENTO POR FOTO


Dentre as decisões absolutórias ou de revogação de prisão proferidas ao longo de 2023, alguns exemplos ajudam a entender as falhas no reconhecimento pessoal, especialmente o fotográfico.


No julgamento da REsp 1.996.268, pela 5ª Turma, sob relatoria de Laurita Vaz, o entendimento foi de que não houve reconhecimento fotográfico ou pessoal durante o inquérito, mas na fase judicial, quase 8 meses depois dos fatos narrados na denúncia. O reconhecimento fotográfico ainda foi feito pela simples apresentação, às vítimas, de fotos dos acusados extraídas da internet. Em relação a um dos acusados, foi apresentada só a foto constante de seu certificado de reservista.


No caso do HC 790.250, julgado pela 6ª Turma, sob relatoria de Rogerio Schietti Cruz, foi constatado que a polícia apresentou só fotos do suspeito às vítimas, sem a colocação delas ao lado de outras e sem a observância dos demais requisitos do artigo 226 do CPP.


No julgamento da REsp 2.028.533, realizado pela 5ª Turma, com o relator Joel Ilan Paciornik, a vítima fez o reconhecimento enquanto estava no hospital, por meio de uma foto, e o termo de reconhecimento foi assinado por uma única testemunha –a mãe da vítima. O reconhecimento não foi realizado novamente na fase judicial.


Foi constatado ainda, no caso da AREsp 2.320.506, julgado pela 5ª Turma sob relatoria de Ribeiro Dantas, que, momentos depois do crime, o policial que atuou na diligência mostrou à vítima, diretamente de seu celular, a foto de um suspeito usando o boné para trás. Na ocasião, não foram mostradas fotografias de pessoas com características semelhantes. Na fase judicial, apesar de ter confirmado o suspeito, a vítima disse que a pessoa “lembrava o roubador”, sem ter demonstrado certeza sobre a identificação.


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