A queda de um avião monomotor no leito do rio Tarauacá, interior do Acre, ocorrida na última segunda-feira (20), não deixa de se desdobrar em novos e inesperados capítulos. Na noite dessa quarta-feira, 22, o piloto do Cessna PT-DFX, Pedro Rodrigues Parente Neto, disse com exclusividade ao ac24horas que o avião pode ter sido sabotado e que uma certa companhia que atua no Acre pode querer sua morte. Além disso, negou irregularidades, a versão do suposto terceiro ocupante, e contradisse até mesmo o do dono do avião.
O primeiro contato com o contratante
De acordo com Pedro Rodrigues, seu contratante foi Wesley Evangelista Lopes (copiloto) e não a Smart World (proprietária da aeronave). Wesley teria entrado em um grupo de WhatsApp no dia 2 de maio e perguntado aos membros se havia alguém ali com experiência em voos pela Amazônia. “Eu já voei aqui no passado fazendo táxi aéreo. Ele me contratou para fazer um planejamento de voo e, como ficou bem feito, me convidou para fazer o translado dessa aeronave. Como o registro da aeronave estava em conformidade com a ANAC, aceitei o serviço”, disse Pedro.
Ele afirma ter em seu aparelho telefônico todo o histórico de conversas, mas seu telefone acabou sendo danificado no acidente.
A viagem
Pelo combinado, o PT-DFX deveria ir do Espírito Santo ao Amazonas pelo estado do Pará, mas por questão logística e por conhecer o território acreano, Pedro sugeriu ao contratante uma mudança de rota para a passagem pelo Acre, já que os pontos de abastecimento eram conhecidos.
Já em território acreano, Pedro e Wesley fizeram paradas em Feijó, de onde Wesley teria seguido sozinho pilotando o avião até o Jordão. No Jordão, a aeronave teria apresentado um problema no sistema de ignição, que passou a demorar mais para fazer girar o motor da aeronave. Neste ponto, Pedro conta que Wesley solicitou que ele fosse até Jordão para auxiliar no trajeto até Tarauacá, e para isso ele foi até o Jordão em voo fretado.
Em Jordão, Pedro fez contato com um mecânico conhecido que estava à disposição para fazer o conserto em Tarauacá, e por isso o avião seguiu para lá.
O acidente
Segundo o piloto, ao sair de Jordão com destino a Tarauacá, o avião tinha combustível suficiente para chegar ao aeroporto e mais uma hora de voo. “O motor parou de funcionar e eu comecei a planar até o pouso seguro. Deus abençoou que eu estava em cima daquela praia”, disse Pedro.
A suposta sabotagem
Pedro Rodrigues Parente Neto já voou no Acre em uma empresa de táxi aéreo, mas segundo ele, teria flagrado a venda de passagens aéreas em aviões não homologados para táxi aéreo, o que teria gerado um mal estar, o seu afastamento da empresa, um processo de causa trabalhista e uma denúncia formal do piloto sobre a empresa na Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC.
“Quando saí de lá fiz essas denúncias. Quando estava em Feijó agora filmei eles colocando passageiros em um avião que não poderia vender passagens. Eu tenho suspeita que mexeram nesse avião em Feijó justamente porque tenho essas denúncias e também tenho processo trabalhista com eles com audiência agora em julho. É muito interessante eu não estar vivo em julho”, explica o piloto.
Versões diferentes
Desde que foi noticiada a queda da aeronave, há 3 dias, muito se descobriu. Apesar disso, pontos importantes da história têm múltiplas versões.
De acordo com o proprietário da Smart World LTDA, Fábio Bezerra, cuja empresa tem sede em São Paulo – SP, o piloto foi contratado para levar o avião até Manaus, no Amazonas, mas Wesley Lopes – que seria copiloto – é uma pessoa desconhecida. “A polícia tem que investigar. Se o piloto colocou outro copiloto lá, tem que esclarecer”, disse ao ac24horas. Já Pedro Rodrigues diz que nunca teve contato com a empresa proprietária do avião, e que seu único contratante é Wesley Lopes.
Ou seja, os relatos distintos apontam que a empresa dona do avião (Smart World) não conhece Wesley Lopes, que seria contratante do piloto, e o piloto não conhece a empresa, que por sinal, afirma conhecê-lo.
Segundo Fábio Bezerra, o avião não tinha sua autorização ou da empresa para decolar. Além disso, o piloto teria dito a ele que fazia testes de “toque e arremetida” no aeroporto momentos antes da queda. “Toque e arremetida” é uma manobra treinada por pilotos em que o avião toca a pista de pouso, mas volta a decolar sem uma parada completa da aeronave. A versão de Bezerra é completamente alheia à cronologia narrada pelo piloto.
A reportagem do ac24horas perguntou como, mecanicamente, teria funcionado a suposta sabotagem ao monomotor. De acordo com Pedro o avião saiu com combustível sobressalente de Jordão, mas mecânicos que visitaram o avião após o acidente identificaram um possível vazamento de combustível no dreno do motor. Ao mesmo tempo, o piloto disse que para tirar o avião da água teve que esvaziar o reservatório, que estava com combustível.
Ainda sobre a suposta sabotagem, ela teria ocorrido enquanto o avião estava em Feijó, em data diferente do incidente, que aconteceu em voo entre Jordão e Tarauacá.
Terceiro ocupante
Como se fosse para aumentar o mistério em torno do caso, o Corpo de Bombeiros, que só pôde chegar ao local do acidente horas depois do ocorrido, registrou que três pessoas estavam no PT-DFX naquele voo. O piloto, Pedro Rodrigues; Wesley Evangelista Lopes; e Genésio Rodrigues de Olinda.
Segundo a corporação, Pedro e Wesley não se machucaram no acidente, mas Genésio foi levado ao hospital por populares antes mesmo da chegada da equipe ao local.
Genésio contou à imprensa que é morador do Jordão e pagou R$ 300 ao piloto da aeronave pela viagem até Tarauacá, onde o homem passaria por uma perícia médica. “[Depois do acidente] eles não queriam que ninguém filmasse nem tirasse foto. Como eu estava sangrando, tive que ser levado pelos moradores mesmo antes da chegada dos bombeiros”, disse. Ele contou ainda que viajou sentado em uma dos assentos do avião, enquanto o copiloto, que seria Wesley, viajava sentado no assoalho.
Já ao ac24horas, o piloto Pedro Rodrigues disse que viajava sozinho com Wesley, e que Genésio passava na hora do acidente no rio e deve ter se machucado ao mergulhar na água para auxiliar no resgate: “Nunca vi ele, ele se machucou lá, tanto é que botaram ele num barco e ele foi pro hospital”.
O passado do contratante
Desde que foi identificado após cair com uma aeronave no rio Tarauacá na última segunda-feira (20), Wesley Evangelista Lopes passou de sobrevivente de um acidente aéreo a personagem central da história, que ganha tons de mistério embasado por centenas de páginas de documentos produzidos pelo Ministério Público Federal e pela Superintendência Regional da Polícia Federal no Amazonas, capaz de inspirar os melhores roteiros de Hollywood.
De acordo com o Ministério Público Federal em Tefé, no Amazonas, Wesley Evangelista foi o responsável por, em 2018, coordenar uma operação milionária de tráfico internacional de drogas que buscou entorpecentes das mãos de – segundo uma testemunha ocular – guerrilheiros das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) na Venezuela. A ação teria sido um sucesso se não fosse a perspicácia de policiais militares no pequeno município de Carauari, no Amazonas, que descobriram o esquema ao notar a presença e forasteiros na cidade e capturaram o avião com 458kg de cocaína durante uma parada técnica no município amazonense.
O ac24horas obteve acesso a um documento produzido e juntado aos autos do processo pelo Ministério Público Federal, que menciona um trecho do testemunho de um dos criminosos presos na operação de Wesley: “Ao chegarem na Venezuela, EDWIN (um dos presos na operação) relatou que foram recepcionados por diversos indivíduos de nacionalidade colombiana, fortemente armados, fazendo uso de uniformes, que aparentavam ser guerrilheiros das FARC, os quais os conduziram para um acampamento na selva. Já com o carregamento de drogas no avião, partiram para a Bolívia, porém tiveram que parar em Carauari para reabastecer, quando foram surpreendidos por policiais militares que logo localizaram a droga e efetuaram a prisão”, diz o documento do MPF.
Wesley Evangelista, no entanto, acompanhava toda a operação por ligações de um telefone via satélite e só pôde ser encontrado em agosto de 2019, sob acusação de liderar um esquema criminoso que funcionava assim: Wesley comprava aviões para o transporte de drogas, colocava esses aviões em nome de terceiros (laranjas) para ter o seu próprio nome afastado das consequências do crime. Durante a operação que o prendeu no sul da Bahia, que contou com a Companhia de Independente de Policiamento Especializado (Cipe) Mata Atlântica, 88ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM) e a Polícia Federal, 7 aviões e 1 helicóptero foram apreendidos.
Neste processo, Wesley foi condenado a prisão por 10 anos, 9 meses e 9 dias, em 24/11/2020. Na decisão, o magistrado do caso ainda ressaltou que o condenado não possui direito à substituição da pena por restritiva de direitos, por ausência de requisitos. Menos de 4 anos depois da condenação, o condenado está em liberdade.
A reportagem não conseguiu apurar se Wesley está em liberdade por responder ao crime em liberdade em instâncias superiores, mas seu nome não é procurado pela justiça segundo consulta ao portal do Conselho Nacional de Justiça.
O delegado titular da Delegacia de Polícia Civil de Tarauacá, Ronério Silva, agora quer saber se Evangelista tentava replicar o método criminoso pelo qual foi preso há cinco anos.
Pedro Rodrigues, contratado de Wesley para o voo, disse ao ac24horas que não conhecia o passado criminoso do colega de profissão. “O que eu sei é que ele me contratou para fazer um planejamento e depois para fazer o voo. Esse negócio desse passado dele só fui descobrir hoje [quarta-feira, 22], não aceitaria fazer coisa errada e muito menos voar fora de padrão. Sou especialista em segurança de voo, foram anos de investimento e não iria jogar tudo fora assim”, concluiu.
Pedro disse que não sabe do paradeiro de Wesley.
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