O Acre viveu uma intensa luta pela terra, em função da expansão da fronteira agrícola ocorrida na década de setenta, que transformou a Amazônia brasileira. Cinquenta anos depois, voltamos ao assunto, agora para destacar um novo movimento, também sob a égide do capital, agora sob a vestimenta da questão ambiental que atinge fortemente o nosso planeta. Trata-se de várias políticas que visam a necessária construção de uma economia de baixo carbono. Dividiremos o antigo em duas partes. A primeira vai resumir a luta pela terra da década de setenta. A segunda da luta pela terra atual, sob a égide da questão ambiental.
O governo militar que se instalou no Brasil em 1964, tinha como seu objetivo a modernização da economia, sem qualquer pretensão de reformas que reduzissem os desníveis sociais ou regionais. Portanto, a economia acreana, cuja maioria da população sobrevivia do extrativismo florestal, não fazia parte das políticas que moviam os interesses das autoridades da época.
Embora importante no processo, o Estado não pode ser visto como a única causa das várias transformações ocorridas na região. Movimentos de capitais que ocorrem no período, no âmbito do capitalismo nacional e internacional, também vão marcar a penetração capitalista na Amazônia e no Acre. O que se verificou no período foi uma corrida veloz ao território amazônico, destruindo antigas e recriando novas relações sociais de produção, agredindo de maneira jamais vista o meio ambiente e expropriando as antigas posses e propriedades as populações locais.
No Acre, observou-se uma imensa transação com terras, ao contrário dos outros estados, onde prevaleceram investimentos produtivos via incentivos fiscais. Além da liquidez da economia brasileira, tínhamos um cenário de baixo preço relativo da terra, ocasionado pela decadência do seringal nativo, a especulação fundiária e o crédito fácil, barato e abundante e as facilidades criadas pelo governo estadual, francamente favorável à expansão da pecuária e, por conseguinte, incentivando abertamente a vinda de compradores de terras do Centro-Sul. Tudo isso causou danos para a economia, para a sociedade e para o meio ambiente.
A população urbana do Acre, que em 1970 representava somente 26% do total geral do estado, passou para 44% em 1980 e 62% em 1991. Na capital Rio Branco, a situação foi ainda mais grave: em 1970, sua população urbana representava 16% da população total, passou a ter 29% em l980 e em 1991, já alcança 40%. Em 1991, Rio Branco já concentrava 65% de toda a população urbana do Acre.
A marginalização urbana, até então pouco expressiva, passa daí em diante a ser um problema sério no Estado. As cidades não estavam estruturadas para receber um número tão elevado de migrantes.
Tido como uma ameaça à propriedade da terra, o seringueiro não fazia parte dos planos dos novos compradores. Agora a terra passa a ter outra função. Os pecuaristas preferem a terra “limpa” de posseiros. A pecuária é uma atividade que utiliza pouca mão-de-obra.
Como diz o meu colega, o Economista Adalberto Ferreira da Silva, a propriedade da terra, historicamente concentrada pela própria natureza da atividade econômica extrativa, tornou-se ainda mais concentrada. Se observada do ponto de vista do uso, da ocupação efetiva da terra, a concentração fez-se ainda mais aguda, pois que a venda dos seringais resultou na expulsão de centenas de famílias de seringueiros.
Leio com atenção o artigo do jornalista Fábio Pontes intitulado: “Interesse por mercado de carbono ressuscita conflitos agrários na Amazônia”, escrito em março de 2023, no portal ((o)) eco e reproduzido pelo Jornal Nexo através do endereço: (https://www.nexojornal.com.br/externo/2023/03/17/interesse-por-mercado-de-carbono-ressuscita-conflitos-agrarios). A partir dele, reflito que estamos vivendo um outro momento da luta pela terra na Amazônia e no Acre. O articulista interpreta que as áreas de floresta que foram palco de conflitos por terra na Amazônia, entre as décadas de 1970 e 1980, voltam a protagonizar disputas entre os grandes donos de fazendas com extrativistas e pequenos agricultores, agora voltados para a obtenção de renda extra, através do crédito de carbono.
Conforme o Diagnóstico Socioeconômico do Acre 60 anos: Passado, Presente e Futuro, elaborado pelo CEDEPLAR, o mercado de emissões de carbono tem se colocado como um dos principais instrumentos para o combate aos efeitos da mudança climática e para a transição para uma economia de baixo carbono. Ele é baseado no princípio de que determinadas atividades econômicas geram poluição através da emissão de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Uma forma de lidar com isto seria precificar estas emissões de GEE fazendo o poluidor pagar pelo dano causado. O Objetivo é buscar incentivar a adoção de insumos e processos produtivos menos poluentes, a adoção de tecnologias menos poluentes, como também buscar direcionar os consumidores para comprarem produtos com menor pegada de carbono. Ou seja, procura-se com este procedimento dar uma resposta de mercado para a questão das mudanças climáticas.
Alguns empresários do Acre já desenvolvem projetos que reduzem emissões ou removam GEE da atmosfera, gerando créditos de carbono que podem ser transferidos para que outros empresários, até de outros países, utilizem para pagar poluir. É nesse contexto que surge um novo momento da luta pela terra no Acre. Como diz Fábio Pontes: “de olho em ampliar e diversificar seus lucros, fazendeiros do Acre investem em projetos de mercado de carbono. Para isso, destinam as áreas remanescentes de florestas dentro das propriedades, a reserva legal, para o chamado sequestro de carbono”.
Ouvindo o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Acre (Fetacre), o articulista destaca suas palavras: “Com essa expectativa de mercado de carbono está se gerando muitos conflitos agrários. Só esse ano já participamos de dois movimentos que tiram o sono dos trabalhadores. Um no município de Feijó e agora em Xapuri. Isso aponta para que seja motivo para muitos conflitos agrários daqui pra frente”.
Os empresários estão entrando com mandados de reintegração de posse contra as famílias de seringueiros que vivem na região ao menos desde a década de 1970. Pontes informava que na época, pelo menos 30 famílias de extrativistas e seus descendentes corriam o risco de serem expulsas. Na região de Xapuri e em outros municípios, algumas áreas não passaram por regularização fundiária. Com isso, as famílias de extrativistas e seus descendentes são chamados de “posseiros”, deixando-os em situação de insegurança jurídica. São essas famílias que estão hoje sendo expulsas de suas terras, pois são ameaças para os ganhos de crédito de carbono por parte dos empresários.
Fábio pontes destaca: “Acusados pelo fazendeiro de praticarem danos ambientais que prejudicam seu projeto de mercado de carbono, os seringueiros de Xapuri e descendentes voltam a conviver com o medo de serem expulsos de terras onde construíram suas histórias.
É preciso estar atento e acompanhar o desdobramento desse movimento econômico. Mais uma vez a população pobre do meio rural é tido como uma ameaça à propriedade da terra e aos lucros dela advindos. Em 70 o seringueiro não fazia parte dos planos dos novos compradores. Agora o posseiro é novamente uma ameaça aos lucros advindos dos projetos de crédito de carbono. É o capital se beneficiando da questão ambiental que ele mesmo ajudou a destruir na década de 70. Vai criando uma escalada de conflitos sociais. É o capital com as suas contradições.
Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas
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