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A “rua dos defuntos”; as flores murcham e as pedras são eternas!

Por
Astério Moreira

Em dezembro de 1972, Antônio, então com apenas 11 anos, mudou-se de uma cidadezinha do interior na fronteira para a rua Manoel Rodrigues de Souza, localizada em Rio Branco, capital do Acre. A rua, ainda hoje, é uma travessa entre as avenidas Nações Unidas e Ceará.


Naquele tempo, a cidade tinha uma população de 70 mil habitantes, que atualmente supera os 400 mil. A residência de Antônio, uma construção robusta de madeira de cedro sem pintura, estava situada onde funcionou, por muitos anos, a escola Dom Pedro II. A casa pertencia ao pai de Vânia Lilia, uma conhecida delegada de polícia, cuja família residia na esquina próxima.


No seu primeiro dia na cidade nova, enquanto explorava a área perto de sua casa, Antônio descobriu que o cemitério São João Batista estava localizado em uma parte alta nas proximidades de onde podia ver o muro, as lápides e as cruzes. Ele também percebeu que o acesso ao cemitério era pela rua onde agora vivia.


Assim, todos os cortejos fúnebres da cidade passavam inevitavelmente em frente à sua nova residência. Esta exposição constante a despedidas finais deixava o pequeno Antônio reflexivo, ponderando o ciclo da vida e a efemeridade da existência. A vida urbana, que ele imaginava agitada, agora tinha um toque de melancolia. O pequeno Antônio começou a enxergar a vida em preto e branco.


Raramente passava um cortejo fúnebre pela manhã. Era sempre nos finais da tarde tornando o dia ainda mais melancólico. O defunto, em um caixão singelo de madeira, era transportado na carroceria de uma picape Ford F75, ou uma C10 da Chevrolet. As pessoas vestidas de preto com guarda-sóis seguiam o cortejo. Em especial, mulheres com a cabeça coberta com véu negro e terço na mão soluçavam entre lágrimas a saudade eterna que existe além das fronteiras da morte. Se fosse de um protestante caminhavam cantando hinos


Da pequena varanda de sua casa, Antônio observava atentamente cada detalhe do cortejo fúnebre. Seu olhar percorria desde o céu, que às vezes exibia um azul infinito e outras vezes se mostrava nublado e cinzento, até o clima que variava entre o calor, a brisa e o ar quente, abafado e úmido. Por uma razão ainda desconhecida, Antônio se sentia bem quando um cortejo ocorria logo após uma forte chuva, que liberava o cheiro de húmus da terra.


Ele refletia: “Quando eu morrer, quero ser sepultado depois de uma chuva.” O sol surgia entre as nuvens, renovando a vida. “Essa luz, após a tempestade, sempre traz um sopro de conforto”, pensava Antônio, sentindo a brisa fresca pós-chuva. O cortejo fúnebre, então, parecia mais uma celebração da vida do que um adeus.


Em seguida, ele refletia sobre o falecido no caixão. Quem poderia ser? Um homem ou uma mulher? Qual seria a sua idade? Qual teria sido a causa da morte? Era jovem ou idoso? Como teria sido sua vida? As pessoas que choravam, seriam elas esposa, marido, irmãos, irmãs, filhos, netos, sobrinhos? Quem seriam essas pessoas em luto? Cada rosto expressava uma história, um vínculo indizível com o falecido. Talvez fosse família, amigos ou simplesmente conhecidos. Cada lágrima derramada era um testemunho da perda e do amor.


Após o sepultamento, o falecido permaneceria em descanso eterno, enquanto os vivos retornariam aos seus compromissos diários, portando a memória do ente querido em seus corações. À medida que amadurecia, Antônio compreendeu o motivo pelo qual não se veem cruzes ou flores nos cemitérios judaicos, mas sim pedras sobre as lápides. A razão é que eles não seguem a fé cristã, além disso, as flores tendem a murchar em poucas horas, enquanto as pedras simbolizam o amor eterno.


Desde aqueles dias distantes da infância, marcados por imagens em preto e branco e pelos lutos presentes em cada cortejo fúnebre que passava em frente à sua casa, o pequeno Antônio aprendeu que inevitavelmente teria que enfrentar a mesma dor, as mesmas perdas e tristezas. Essa realidade o angustiava, mas encontrava consolo ao pensar na luz que surgiria após a tempestade, na brisa suave e nas nuvens brancas que apareciam após a chuva.


Um dia, Antônio mudou-se para outra rua e bairro, mas levou consigo, gravadas no coração, as lembranças dos cortejos, das lágrimas e dos soluços da rua que ficou conhecida para ele como a rua dos defuntos. Em sua nova morada, Antônio carregava o peso do passado, mas também a esperança de um futuro mais brilhante. As memórias da “rua dos defuntos” o moldaram, ensinando-lhe a valorizar cada momento e a sempre buscar a luz após a tempestade sabendo que a vida é apenas um sopro de Deus.


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Astério Moreira

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