O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, por unanimidade, um esclarecimento sobre os limites para a atuação das Forças Armadas.
Por 11 votos a 0, a Corte decidiu que a Constituição não permite uma “intervenção militar constitucional” e nem encoraja uma ruptura democrática.
O esclarecimento foi feito em uma ação do PDT, relatada pelo ministro Luiz Fux e julgada em plenário virtual. O julgamento termina às 23h59 desta segunda (8), mas todos os ministros já votaram.
Com o resultado, o STF também rejeita a tese de que as Forças Armadas seriam um “poder moderador” – ou seja, uma instância superior para mediar eventuais conflitos entre Legislativo, Executivo e Judiciário.
O ministro Flávio Dino, por exemplo, afirmou no voto que é preciso eliminar “quaisquer teses que ultrapassem ou fraudem o real sentido do artigo 142 da Constituição Federal, fixado de modo imperativo e inequívoco por este Supremo Tribunal”.
“Com efeito, lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um ‘poder militar’. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como, aliás consta do artigo 142 da Carta Magna”, afirmou Dino.
Dino chegou a propor, no voto, que a eventual decisão do STF fosse enviada “para todas as organizações militares, inclusive Escolas de formação, aperfeiçoamento e similares” para combater a desinformação. Apenas 5 dos 11 ministros votaram nesse sentido, no entanto – ou seja, não houve maioria.
Maioria dos ministros do STF vota pelo entendimento que a Constituição não prevê atuação das Forças Armadas como poder moderador
O artigo 142 da Constituição diz:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Os ministros julgaram uma ação que questiona pontos de uma lei de 1999 que trata da atuação das Forças Armadas.
O partido contestou três pontos da lei:
hierarquia “sob autoridade suprema do presidente da República”;
definição de ações para destinação das Forças Armadas conforme a Constituição;
atribuição do presidente da República para decidir a respeito do pedido dos demais Poderes sobre o emprego das Forças Armadas.
Miriam Leitão: “As Forças Armadas jamais podem ser garantia de poderes constituídos”
Toffoli: ‘poder moderador’ é aberração jurídica
Último a votar, o ministro Dias Toffoli afirmou que, entre o final do Império até a redemocratização e refundação do Estado brasileiro pela Constituição de 1988, as Forças Armadas, por vezes, usurparam e se arvoraram em um fictício “poder moderador”, ou mesmo, como no período entre 1964 a 1985, assumiram o poder – “atribuições as quais a elas jamais foram constitucionalmente concedidas”.
Para o ministro, o poder moderador das forças armadas “trata-se de ideia que infelizmente reapareceu na pena e no desejo de “alguns”, a partir de uma leitura equivocada do art. 142 da Constituição, no sentido de que as Forças Armadas seriam (falsamente – é importante reiterar) árbitras de conflitos institucionais”
“Para além de se tratar de verdadeira aberração jurídica, tal pensamento sequer encontra apoio e respaldo das próprias Forças Armadas, que sabiamente têm a compreensão de que os abusos e os erros cometidos no passado trouxeram a elas um alto custo em sua história”.
Toffoli disse que garantir um poder moderador aos militares seria violar a democracia.
“Superdimensionar o papel das Forças Armadas, permitindo que estas atuem acima dos poderes, é leitura da Constituição de 1988 que a contradiz e a subverte por inteiro, por atingir seus pilares – o regime democrático e a separação dos poderes. Residiria nisso um grande paradoxo: convocar essas forças para atuar acima da ordem, sob o argumento de manter a ordem, seria já a suspensão da ordem democrática vigente”, escreveu.
A tese unânime
No primeiro voto incluído no julgamento, Fux ressaltou que a Constituição não autoriza o presidente da República recorrer às Forças Armadas contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, e que também não concede aos militares a atribuição de moderadores de eventuais conflitos entre os três poderes.
“Qualquer instituição que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição”, diz Fux no voto.
Relator, Fux já havia concedido, em 2020, uma decisão individual sobre os critérios para o emprego das Forças Armadas.
Agora, no voto, o ministro defendeu que o Supremo estabeleça que:
a missão institucional das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;
a chefia das Forças Armadas é poder limitado e não pode ser utilizada para indevidas intromissões no funcionamento independente dos outros poderes;
a prerrogativa do presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou por intermédio dos presidentes do STF, do Senado ou da Câmara dos Deputados, não pode ser exercida contra os próprios poderes entre si;
o emprego das Forças Armadas para a “garantia da lei e da ordem” presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública.
Relembre, no vídeo abaixo, a decisão individual dada por Fux em 2020 na mesma ação – o despacho já negava o papel das Forças Armadas como “poder moderador”:
Fux diz que Forças Armadas não são ‘poder moderador’ em eventual conflito entre poderes
Para Fux, apesar da lei mencionar que o presidente da República tem “autoridade suprema” sobre as Forças Armadas, essa autoridade “não se sobrepõe à separação e à harmonia entre os poderes”.
O ministro ressaltou que nenhuma autoridade está acima das demais ou fora do alcance da Constituição, sendo que essa expressão de autoridade suprema trata da “relação a todas as demais autoridades militares, mas, naturalmente, não o é em relação à ordem constitucional”.
O relator afirmou que para situações de grave abalo institucional, a Constituição prevê regras excepcionais, condicionadas a controles exercidos pelo Legislativo ou pelo Judiciário.
“Dessa forma, considerar as Forças Armadas como um “poder moderador” significaria considerar o Poder Executivo um superpoder, acima dos demais, o que esvaziaria o artigo 85 da Constituição e imunizaria o Presidente da República de crimes de responsabilidade”, escreveu o ministro.
“A exegese do artigo 142 em comento repele o entendimento de uso das Forças Armadas como árbitro autorizado a intervir em questões de política interna sob o pretexto de garantir o equilíbrio ou de resolver conflitos entre os poderes, uma vez que sua leitura deve ser realizada de forma sistemática com o ordenamento pátrio, notadamente quanto a separação de poderes, adotada pela própria Constituição de 1988, não havendo que se falar na criação de um poder com competências constitucionais superiores aos outros, tampouco com poder de moderação”, completou.
O ministro afirmou que as Forças Armadas não são um Poder da República, mas uma instituição à disposição dos Poderes constituídos para, quando convocadas, agirem instrumentalmente em defesa da lei e da ordem.
“Qualquer instituição que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição”, disse.
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