Relatório da Polícia Federal divulgado neste domingo (24) aponta como o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa, suspeito de planejar o crime, atrapalhou as investigações das mortes da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018.
O que aconteceu
Um dia após a morte de Marielle, Rivaldo nomeia o seu sucessor para a Delegacia de Homicídios da Capital. Giniton Lages –“pessoa de sua extrema confiança”– passa a ser o responsável pela investigação do crime.
“Com a assunção do cargo por Giniton, se operacionalizou a garantia da impunidade dos autores do delito.”
-Relatório da PF sobre o Caso Marielle
Segundo a PF, a partir disso, começaram ações para tentar obstruir ou atrapalhar as investigações logo nos “meses iniciais de investigação”, período no qual o “ambiente probatório se apresentava altamente favorável para a colheita de elementos de convicção”.
“A Delegacia de Homicídios se enveredou pela construção de uma linha calcada em premissas absolutamente movediças […] Moveu todo o aparato estatal para supostamente atribuir falsamente crimes a pessoas que não os cometera, promover o desaparecimento de evidências, negligenciar colheitas de provas objetivas, entre outras impropriedades.”
-Documento da PF sobre Caso Marielle
-Documentos da PF e da PGR (Procuradoria-Geral da República) citam ocultação de provas, cortina de fumaça para atribuir o crime para outras pessoas, falhas de investigação e testemunha falsa. Polícia fala em “sabotagem do trabalho apuratório”.
-Tirar a PF da jogada. Estratégia inicial era tentar tirar órgãos federais da investigação, pois o assunto poderia sair da Delegacia de Homicídios e ir para órgãos federais, saindo do controle dos envolvidos.
–Relatório cita que Rivaldo “fixou a exigência” de que o crime não poderia partir da Câmara Municipal. Marielle foi morta a tiros após deixar de carro um evento na Lapa, região central do Rio.
-A PF cita que, na época, foi vazada a informação de que “munições empregadas no delito vinham de lote vendido para a Polícia Federal”, como uma forma de afastar a investigação da esfera federal.
–Negligência na colheita de imagens. Sob a chefia de Giniton, a polícia alegou ter tido problemas na obtenção de imagens para observar o caminho do veículo, o que ajudaria a refazer todo o trajeto e, eventualmente, levar aos executores.
Parecer da PGR diz que polícia inventou “justificativa esfarrapada” para não obter imagens do Centro de Convenções Sulamérica (na região central do Rio) e locais próximos ao Quebra-Mar (Barra da Tijuca), alegando “defeito de codec” (quando um arquivo de vídeo não pode ser executado).
Relatório da PF cita que um policial chegou a ir até ao Centro de Convenções Sulamérica, mas sem pedido formal para obtenção de imagens. Ele fez algumas fotos e gravou monitores, mas isso nunca entrou no processo. “Isso foi determinante para que a investigação do crime se estendesse desnecessariamente ou, até mesmo fosse, inviabilizada.”
Falsas ligações anônimas com falsos autores do crime. Havia uma rotina de receber informações anônimas por chamada telefônica na delegacia para “desviar o foco” das investigações. Aparecem então os dois supostos primeiros mandantes do assassinato: o vereador Marcelo Siciliano e o miliciano Orlando Curicica.
“Imputar o delito ao vereador Marcelo Siciliano não só lhes garantiria impunidade, mas também fulminaria politicamente um dos concorrentes eleitorais da família Brazão nos bairros da zona oeste carioca”, diz o relatório da PF.
Curicica e o vereador negaram à época e, posteriormente, a PF concluiu que eles não estavam envolvidos no crime.
Sumiço de evidência coletada. Eduardo Siqueira, conhecido como Dudu do Clone, foi apontado como a pessoa que criou a placa clonada do veículo Cobalt, usado pelos assassinos. O Ministério Público pediu para periciar um celular, apreendido com ele, mas o aparelho não foi encontrado. Giniton Lages foi a última pessoa a ter contato com o celular. Em depoimento, Dudu disse que foi “coagido a ter de reconhecer pessoas que ele não conhecia”.
A repórter do jornal O Globo Vera Araújo localizou uma testemunha direta do crime. Ela relatou à repórter que, após o crime, PMs pediram para todos se afastarem e não se interessaram por procurar testemunhas. O delegado Rivaldo Barbosa telefonou irritado para a repórter, dizendo que ela havia “exposto pessoas”.
Testemunha falsa. O policial Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, foi apresentado como testemunha-chave. Ele teria supostamente tido reuniões com Orlando Curicica e ouvido que ele e o vereador Marcelo Siciliano tinham planos de assassinar Marielle. Ferreirinha foi orientado por Marquinhos DH, homem de confiança de Giniton, segundo a PF. Antes de depoimentos, havia até treinamentos do que ele deveria dizer. Posteriormente, ele foi acusado pelo MP do Rio por atrapalhar as investigações.
Recompensa por serviços prestados. Mesmo sem resolver o caso, Giniton foi promovido por Rivaldo a delegado de primeira classe. “Devido à sua atuação no Caso Marielle, mais especificamente, no seu auxílio no redirecionamento das investigações para a dupla Marcelo Siciliano e Orlando Curicica”, informa o relatório.
O relatório da PF menciona que não há indícios de que Giniton sabia que Rivaldo ajudou a planejar o crime contra Marielle.
O que dizem os suspeitos
Seis anos após o crime, a PF afirma que os mandantes foram o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ) e Domingos Brazão, conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado). O planejamento do crime, porém, foi feito pelo delegado Rivaldo Barbosa, segundo a PF.
Ao Fantástico, da TV Globo, Giniton Lages afirmou que na época que presidiu o inquérito policial fez toda a investigação necessária para elucidar o caso. Segundo ele, só não foi possível resolvê-lo em sua integridade porque foi tirado da investigação no dia seguinte às prisões de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz.
Domingos Brazão nega envolvimento com a morte de Marielle. O advogado Ubiratan Guedes, que representa Domingos, disse que tem “certeza que ele é inocente”. “Ele não tem ligação com a Marielle, não conhecia.”
A assessoria de imprensa do conselheiro disse que foi “surpreendido” com a determinação do STF. “Desde o primeiro momento sempre se colocou formalmente à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos que entendessem necessários”. O deputado federal disse que não há “qualquer motivação que possa lhe [sic] vincular ao caso e nega qualquer envolvimento com os personagens citados”.
A defesa do delegado Rivaldo disse que ainda não teve acesso aos autos nem à decisão que decretou a prisão. Portanto, não vai se manifestar.
Fonte: UOL
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