O professor de capoeira em situação de rua, Gilson Kennedy do Rosário Pereira de 56 anos, sem condições de pagar obrigação financeira imposta em sentença, teve extinta a punibilidade e poderá continuar os estudos e começar a trabalhar. A decisão foi divulgada nas redes sociais do Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC) nesta segunda-feira, 11.
O pedido foi analisado pela juíza titular da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas de Rio Branco (Vepma), Andréa Brito, que reconheceu a complexidade da situação. Em 2017, em Rodrigues Alves, Gilson foi condenado por estar com uma trouxinha de maconha e duas munições. Apesar dele assumir a responsabilidade apenas pela maconha, foi sentenciado pela prática de posse de drogas para consumo próprio e posse de munição sem registro (art. 28, caput, da Lei nº 11.343/06 e art. 16 da Lei n. º 10.826/03). A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviço à comunidade e pagamento de 10 dias multa como pecúnia – ome dado a obrigação financeira imposta nas sentenças criminais aos réus.
Gilson prestou serviço em Rodrigues Alves, mas veio tentar a vida em Rio Branco, aqui a situação não melhorou e ele foi parar na rua e não teve condições de pagar a imposição financeira, estava com essa pendência.
Com o caso transferido para a Vepma. A equipe multidisciplinar da unidade fez o encaminhamento dele para as instituições de assistência social, a Central Integrada de Alternativas Penais (Ciap) e o Centro de Referência Especializado para População em situação de rua (Centro Pop).
No Centro Pop, Gilson encontrou oportunidade de mudança. Um dia apareceu alguém da Educação perguntando quem queria estudar, ele quis e com muito esforço, enfrentando várias dificuldades, especialmente, a fome, se formou no Ensino Fundamental. Na cerimônia, onde vestiu a beca de formatura que, segundo ele parecia muito mais um vestido, celebrou e recebeu do prefeito, Tião Bocalom, uma proposta de emprego, um cargo comissionado na Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SASDH). Mas, como ainda estava cumprindo a sentença, não tinha documentos para abrir uma conta no banco e começar a trabalhar.
Em melo ao diálogo entre as instituições, fruto do trabalho estimulado pela política pública e judiciária para atender pessoas em cumprimento de pena, ocorreu e um relatório da Ciap foi encaminhado à unidade da Justiça acreana, para verificar a possibilidade de extinguir a pena.
Para Gilson Kennedy do Rosário Pereira, de 56 anos, este fim representa um mundo novo ou como ele mesmo disse várias vezes “esta é minha carta de alforria”. Afinal, quite com a Justiça, Gilson vai conseguir tirar o CPF, o título de eleitor, para abrir uma conta no banco e começar a trabalhar em um emprego fixo e tentar sair da rua, onde vive há mais de cinco anos.
Com a decisão, Gilson pode atualizar seus documentos, para continuar seu processo de ressocialização e reinserção social, tendo acesso a dignidade, que para ele, significa poder comer todos os dias e terminar os estudos.
“Você sabe qual é a alegria do morador de rua? Não é a cachaça, não é a droga não. É o alimento quando chega. Essa é a maior alegria nossa. A droga, o álcool é um consolo, o alimento é a alegria é o êxtase, sabe? É muita fome, muita fome mesmo”, disse Gilson, que além dessa situação é professor de capoeira, tendo orgulho de ter desenvolvido durante 21 anos trabalhos com o esporte em Rodrigues Alves.
Na sentença, Andréa Brito, ressalta a importância de tratar esses desafios com a articulação dos setores públicos, “as lições apontam que o Poder Judiciário precisa cada vez mais conceber-se como um sistema. É preciso compreender a interdependência na atuação dos diversos órgãos e os riscos da falta de sinergia nessa relação (…). Ao pensar de forma ampla a administração da justiça e confrontar de fato seus desafios, não basta que cada um faça a sua parte. É preciso que haja articulação, que cada ator se insira num processo encadeado de construção e implementação das soluções possíveis”.
“Percebe-se que o inadimplemento da sanção pecuniária agrava ainda mais a desigualdade e a exclusão social, prejudicando a capacidade do indivíduo de se reinserir de maneira digna na comunidade. A falta de recursos financeiros aliada às dificuldades de inserção na sociedade aprofunda o ciclo de pobreza, tornando mais complexo o processo de ressocialização, aumentando as chances de reincidência criminal”, diz a magistrada.
A assistente social Pâmera Silva, da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas, explicou que é uma rede de atendimento e cada pessoa envolve um tipo de solução. “Esse é um trabalho que vem sendo desenvolvido nos últimos anos e não funciona apenas como mero encaminhamento. Na verdade, as ações são diversas incluindo diversos estudos de casos e reuniões institucionais envolvendo atores da Rede Socioassistencial e RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), como Ministério Público, Unidade de Monitoramento eletrônico, Ciap, Escritório Social, Centro Pop, CAPs (Centro de Atenção Psicossocial), Defensoria Pública, Associação de Redução de Danos do Estado do Acre, enfim, dependendo do caso os dispositivos da rede são acionados”.
Com informações do site do TJAC.