Reservado, Roberto Carlos não costuma comentar detalhes de sua vida pessoal. No entanto, ao longo dos anos, foi possível juntar as peças do quebra-cabeças sobre um dos maiores tabus da vida do artista: o acidente em que perdeu parte da perna direita, aos seis anos.
O episódio foi tão traumático que é citado em duas músicas do cantor: “O Divã” (“Relembro bem a festa, o apito/E na multidão um grito/O sangue no linho branco”) e “Traumas” (“Falou dos anjos que eu conheci/No delírio da febre que ardia/Do meu pequeno corpo que sofria/Sem nada entender”).
O acidente
Segundo o biógrafo Paulo Cesar de Araújo, tudo aconteceu no dia 29 de junho de 1947, na cidade natal do rei: Cachoeiro de Itapemirim, interior do Espírito Santo. Era dia de São Pedro, e Roberto Carlos — na época conhecido como Zunga — chamou a amiga Eunice Solino, a Fifinha, para ver as celebrações.
Por volta das 9h30 da manhã, uma professora viu que os dois estavam perto demais de uma linha de trem, e uma locomotiva a vapor carregada de minério de ferro se aproximava. Ela tentou chamar a atenção das crianças, mas acabou assustando Roberto Carlos, que tropeçou.
Em entrevista ao biógrafo para o livro “Roberto Carlos Outra Vez”, Eunice Solino relembra que a professora tentou gritar para o maquinista parar o trem, mas era tarde demais: o veículo passou sobre a canela direita do menino.
Me lembro da professora na frente do trem, gritando para o maquinista parar. Mais um pouco e ela também podia ter sido atropelada, porque se desesperou, coitada. Guardo até hoje essa imagem comigo.
_Eunice Solino
Uma multidão se aproximou para ajudar: alguns buscaram um macaco para levantar a locomotiva, outros retiraram Roberto Carlos dos trilhos, alguém chamou uma ambulância.
No entanto, um jovem chamado Renato Spíndola e Castro exclamou que não havia tempo: fez um torniquete com seu paletó de linho e levou o menino ao hospital em seu carro. O “sangue no linho branco”, na letra de “O Divã”, é uma referência ao rapaz.
Ele foi atendido pelo médico Romildo Gonçalves. Segundo o biógrafo, o médico relembra em entrevista ao jornalista Ivan Finotti que o menino não parecia ter percebido a gravidade do acidente e afirmou:
“Doutor, cuidado para não sujar muito o meu sapato porque é novo”. Ele não sentia dor, porque o trem havia destruído os nervos que davam sensibilidade à região.
O médico ousou com uma técnica nova para a época: ao invés de amputar a perna na altura do joelho, como era o procedimento padrão, fez a amputação um pouco abaixo. Isso permitiu que Roberto Carlos mantivesse os movimentos na articulação.
Ao descobrir que o filho havia perdido parte da perna, o pai de Roberto Carlos ameaçou matar o maquinista que conduzia o trem, acreditando se tratar de uma imprudência. No entanto, o caso não foi isolado: o acidente sequer constou na reportagem sobre a festa de São Pedro no jornal do dia seguinte, apesar de ter interrompido o desfile da escola.
A vida depois
Segundo o jornalista Nelson Motta, que produziu uma série sobre a vida de Roberto Carlos com o diretor Breno Silveira, o cantor só conseguiu uma prótese aos 14 anos de idade — até lá, andava de muletas e prendia a barra da calça com um alfinete.
Essa versão é confirmada por Rogério Franzotti, colega de escola de Roberto Carlos, em entrevista à Folha de São Paulo. Ele diz que o menino não ficava de fora das partidas de futebol — mas costumava jogar como goleiro, onde não precisaria se locomover muito:
“Ele não estava nem aí para o problema físico. Levava uma vida normal e estava sempre fazendo piadas e inventando apelidos pra todo mundo”.
Roberto Carlos conseguiu a prótese depois de muitas tentativas, com um médico alemão. E qual foi a primeira coisa que o rei fez quando voltou a ter duas pernas? “Ele saiu correndo, caindo, tropeçando, entrou pela areia, foi correndo pela praia. No dia seguinte, foi a um baile, dançou a noite inteira”, conta Nelson Motta.
Fonte: UOL – SPLASH
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