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“A reversão poderia ter sido melhor tanto para a prefeitura quanto para o Estado”

A fala do diretor-presidente do Saerb, Enoque Pereira, sugere como anda a qualidade da política de Saneamento Básico no Acre de uma maneira geral e na Capital em particular. A cena não é boa. De acordo com a ONG Trata Brasil, referência nacional no assunto, 88,1% da população do Acre não têm coleta de esgoto. Dos 906.876 acreanos, contados pelo IBGE, 49,8% não têm acesso à água tratada. É uma exclusão grave que o site ac24horas vai procurar entender em uma série de duas reportagens, a partir da edição Premium deste domingo (18).
Itaan Arruda (Texto) e Jardy Lopes (Fotos)
O cenário do Saneamento Básico no Acre (e em Rio Branco em particular) é o reflexo da exclusão social e econômica. Uma relação direta feita pelo IBGE dá essa dimensão: a renda média das pessoas que têm acesso ao saneamento básico no Acre é de R$ 3.807,81. A renda média das pessoas que não têm acesso ao saneamento é de R$ 886,04. Esse é o panorama calculado pelo instituto oficial para o Acre inteiro.
São números que desautorizam (ou ao menos fragilizam muito) a retórica em defesa da privatização do sistema de saneamento básico por aqui. O IBGE registra uma melhora residual em Rio Branco. Mas nada que deveria entusiasmar os liberais acreanos. A renda média das pessoas com acesso ao saneamento básico na Capital é de R$ 3.125,02. A renda média das pessoas sem acesso ao saneamento básico na Capital é de R$ 1.058,66.
Essa discussão sobre privatização do sistema deve retomar com força em 2025 por aqui, ancorado pelo ambiente político talvez menos tenso em função das definições de outubro. E independente do resultado das urnas. O assunto será retomado.
O prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom, além de declarações públicas, já fez o maior dos gestos contra a ideia de privatizar o sistema: tomou para si a condução da política de saneamento, que estava sob o controle do Estado do Acre, com o Depasa. E isso aconteceu há pouco mais de dois anos (1º de janeiro de 2022).
O processo de “reversão do Saerb” tem como principal “pano de fundo” o ambiente pró-privatização. Por quê? Com limitada capacidade de investimento, com alta inadimplência dos usuários, a possibilidade de que a reversão demonstre ineficácia é grande. Caso isso se consolide, sem que a prefeitura tenha acesso a recursos por meio de empréstimo (ainda não autorizado pela Câmara de Vereadores), a retórica pela privatização se fortalece, mesmo com uma população empobrecida como a que se tem por aqui.
Por isso, é importante ouvir o que diz o diretor-presidente do Saerb, Enoque Pereira, em relação aos problemas técnico-jurídicos sobre o que foi assinado entre o Município de Rio Branco e o Estado do Acre no processo de reversão. A fala dele tem como alvo melhorar a eficácia da autarquia municipal. E separar “quem faz o quê”. Não está tão evidente, segundo o diretor-presidente.
“A reversão poderia ter sido melhor tanto para a prefeitura quanto para o Estado”, avalia Enoque Pereira. “O que foi falado, o que foi dito, mas não escrito, é que o Estado ainda iria cuidar do esgoto”. Se isso foi acordado, não tem sido cumprido, definitivamente: 77,3% da população riobranquense não têm coleta de esgoto. Pior número que este só mesmo o do Estado do Acre, com 88,1% da população sem acesso a esse serviço. São 798.731 acreanos excluídos do direito à coleta. A situação se agrava quando se relaciona o esgoto tratado com o esgoto gerado. Em Rio Branco, o índice alcança 19,9%. No Acre, são vergonhosos 11,8%.

Entendendo a Estrutura

Para facilitar o entendimento e a explicação, é preciso dividir a ideia de Saneamento Básico em duas grandes tropas (para lembrar brincadeiras de meninos daqui que jogavam bola em meio a esgoto, brincavam em igarapés, açudes e no rio Acre com sentido de grupo, realmente). Pois bem: existe a “Tropa Água”. Existe a “Tropa Esgoto”. Há outras duas “tropas” importantes: Resíduos Sólidos e destinação de Águas Pluviais. Mas o texto irá se restringir às duas primeiras.

A Tropa Água

Falar de acesso à água tratada em Rio Branco é preciso perceber o processo dividido em quatro etapas: captação, tratamento, reservamento e distribuição. Nessas quatro fases, tudo no Saerb precisa mudar radicalmente. Os instrumentos, a infraestrutura está completamente sucateada. São mecanismos com quase 30 anos de uso e os aparelhos construídos mais recentemente não “dialogam” com a estrutura antiga de forma eficaz.
Captação_ “Imagine o leitor que tem uma bomba d’água em casa, que ele usa duas vezes por dia, mais ou menos. Uma bomba dessa com quatro, cinco anos começa a apresentar problemas, não é? Agora imagine bombas com mais de 23 anos, ligadas 24 horas por dia! É mais ou menos esse o cenário na captação”, relata o diretor-presidente do Saerb, Enoque Pereira. “Nós estamos adquirindo dois motores-bomba das melhores marcas do mundo em operação no mercado”.
Tratamento_ Rio Branco, uma cidade com 364.756 habitantes, que concentra 40,22% da população de todo Estado, tem duas estações de tratamento de água. A ETA 1 possui uma capacidade de produção de 600 litros por segundo. A ETA 2 de aproximadamente 1000 litros por segundo. Para se conseguir chegar à alcançar a meta de universalização dos serviços de acesso à água tratada a 99% da população ou aos serviços de coleta e tratamento de esgoto a 90% dos moradores da Capital até 2033, será preciso radicalizar a capacidade de investimento do Saerb.
Foto : Jardy Lopes | ETA 2
“Por isso, será estratégico, será fundamental a aprovação do empréstimo de cento e vinte milhões de reais que pleiteamos ano passado, mas a Câmara de Vereadores reprovou”, lamenta o diretor Pereira. “Com a retomada dos trabalhos no Legislativo, precisamos retomar esse ponto da agenda. É fundamental para termos condições de investir na política de saneamento”.
As articulações políticas estão sendo realizadas pela assessoria do prefeito. O empréstimo deve ser recolocado na agenda do parlamento. Ao menos, essa é a vontade da direção do Saerb.
Mas não foi confirmada pelo presidente da Câmara de Vereadores, Raimundo Neném (PSB). O Jonathan Santiago [secretário de Gestão Administrativa e principal interlocutor do Gabinete do Prefeito na Câmara de Vereadores] falou que eles não pretendem mais mandar esse projeto de cento e vinte milhões de saneamento básico, afirmou o presidente Neném. “Foi o que ele me passou na semana passada. Estamos aguardando”.
Procurado, o secretário Jonathan Santiago, da Secretaria de Gestão Administrativa de Rio Branco, não confirmou a negativa de reenvio. Lacônico, disse apenas que o projeto “está em análise”
Fontes ligadas à própria Prefeitura de Rio Branco garantem que o prefeito Bocalom não desistiu do empréstimo. “Jamais”, assegurou um assessor. “É estratégico”. Sem esse recurso, a Prefeitura de Rio Branco não terá condições de aumentar a capacidade de investimento.
Nesse aspecto, o prefeito não tem apoio político como gostaria já que parte significativa de parlamentares federais e apoiadores da rotina da gestão são simpáticos à tese da privatização.
“Se a privatização do sistema fosse uma alternativa eficaz, teria dado certo em Manaus, por exemplo, onde o sistema foi privatizado há vinte e três anos”, compara Enoque Pereira, do Saerb. “Não resolveu o problema e ficou ainda mais caro”.
Reservação_ A palavra é feia. Mas é usada rotineiramente na gramática dos técnicos em saneamento. Popularmente, é possível chamar de “armazenamento de água”. Essa é a etapa “menina dos olhos” de qualquer gestão. Atualmente, o Saerb consegue emplacar um tempo de reservação de 6h20min. É um desempenho ruim: justifica muitas críticas que o prefeito recebe nos bairros. É um dos gargalos que explica a falta d’água na casa do morador.
A Prefeitura de Rio Branco tem que, praticamente, multiplicar por três esse tempo de armazenamento. São necessários construir mais sete reservatórios para se chegar a 18 horas. No mínimo. Caso queira aumentar o tempo de reservação para 24 horas, é preciso ampliar ainda mais o número de reservatórios.
Esse seria o melhor cenário: comuns em cidades até menores que Rio Branco, mas que o cidadão ao ligar a torneira tem água à disposição, sem precisar de ter sequer caixa d’água em casa para armazenamento.

Distribuição_ Em relação à distribuição de água, o diretor do Saerb é direto. “Eu avalio que, resolvidas as etapas anteriores, a distribuição é o processo mais simples de se fazer” , assegura. Há problemas a serem superados, claro.


O desperdício é um deles. O Saerb divide esse fator (desperdício) em dois grupos: “desperdício aparente” e “desperdício faturado”. O aparente é aquele que também gera muitas críticas à gestão: é o que rende vídeos nos programas de televisão e indignações de toda ordem nas redes sociais.
“Esse desperdício nós precisamos também da ajuda da população. Precisamos ser informados. Onde há vazamento e nós somos informados fazemos todo o esforço possível para estar no local, no máximo no dia seguinte”, explica Enoque Pereira. “Agora se o morador fala que um determinado vazamento existe há dois meses, três meses e não nos avisa é ruim para todos. É preciso avisar”.
O “desperdício faturado” inclui falhas históricas da Prefeitura de Rio Branco. “Esse desperdício é quando não está contabilizando o que o usuário utiliza efetivamente”, lamenta o diretor.
Esse tipo de desperdício acabou criando uma cultura na população de Rio Branco tão consolidada que criar um novo padrão de consumo de água vai gerar uma consequência na seara política. No dia que se estabelecer uma política de distribuição de hidrômetros instalados; de se cobrar do usuário o tanto de água que ele efetivamente usou, o susto na fatura será grande. E o gestor precisa estar preparado para o impacto. É preciso criar uma nova cultura; é preciso educar o usuário.
A gestão de Bocalom recebeu o Saerb tendo 29 mil hidrômetros instalados. O próprio Saerb subestima em 80 mil “economias” (usuários) atualmente na cidade.
O diagnóstico do Saneamento Básico na Capital está mapeado. O que falta é recurso para investimento.

As Estações de Tratamento de Água estão sucateadas. Prefeitura de Rio Branco relacionada capacidade de investimento à aprovação de empréstimo de R$ 120 milhões, negado pela Câmara de Vereadores


A Tropa Esgoto

As Estações de Tratamento de Esgoto da Capital estão ou desativadas ou operando com ociosidade desautorizada pela demanda. Na Capital, 88,1% da população não têm acesso à coleta de esgoto. Frisa-se: coleta. Não se falou ainda em tratamento. “Coletar” significa canalizar e destinar a algum lugar (afastado). O tratamento do esgoto é outra etapa do processo.
Dos 906.876 acreanos, não têm acesso à coleta de esgoto 798.731 pessoas. Isso representa 88,1% dos moradores do Acre. Mas, de acordo com o IBGE, 77,3% residem na Capital. Isso, claro, tem impacto na qualidade de vida; em indicadores como IDH; tem impacto na produtividade do trabalhador.
A Estação de Tratamento de Esgoto do Cidade do Povo foi depenada; A ETE Conquista; ETE São Francisco (opera com apenas 15% da capacidade, era apontada como uma das mais modernas do Norte do país); ETE Redenção ainda não foi concluída.
A conclusão da ETE Redenção está orçada em algo em torno de R$ 5 milhões e a ETE Conquista para ser reativada precisaria de aproximadamente R$ 12 milhões.
Resumindo em um número: de todo esgoto coletado e afastado na cidade de Rio Branco apenas 2,6% são tratados.

De todo esgoto coletado e afastado da Capital, apenas 2,6% são tratados.


Picture of Itaan Arruda

Itaan Arruda

Jornalista, apresentador do programa de rádio na web Jirau, do programa Gazeta em Manchete, na TV Gazeta, e redator do site ac24horas.


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