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Cadeira de balanço, o Natal e a escuta raramente feita

Não falha nunca. Os dias 24 e 31 de dezembro sempre sugerem alguma calmaria àqueles que não se deixam levar pela agonia do consumo barato. Verdade é que há também o risco de se fazer “reflexões baratas”. Quem elevou o nível do debate para sempre foi o mineiro Carlos Drummond de Andrade.


No livro “Cadeira de Balanço”, ele sugere uma mudança de referenciais. Uma nova forma de organizar as coisas e os afetos. “Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito (…)”. Não seria má ideia. “(…) Será bom. Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua à outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon – sem cortinas”.


Lembrar do texto “Organiza o Natal” nessa época do ano também virou um lugar-comum, um clichê, diria-se em outros tempos. Repare o leitor no seguinte trecho: “(…) Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor (…) e o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo (…)”


Talvez algum apressado possa entender que é a versão drummoniana para a música “Imagine”, do astro John Lennon. Mas é intrigante perceber o refino do olhar, antecipando situações desgraçadamente atuais. É bom lembrar que “Cadeira de Balanço” foi lançado em 1966, um tempo em que nem oposição havia por terras brasileiras.


O texto todo é uma grande e refinada ironia do mineiro. É um convite ao tormento. É um delírio de quem chacoalha de supetão um cão de guarda esperando dele um mimoso abanar de rabo. Drummond sabe que os objetos não se “impregnarão de espírito natalino”. Ele sabe que não se amará e nem se desejará “felicidades ininterruptamente, de manhã à noite”. Isso seria, humana e drummonianamente, impossível.


Mas o poeta terá atingido o alvo não apenas na ideia de sensibilizar o leitor por essa busca. A provocação quer um novo olhar diante das contradições do mundo. “(…) O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida (…)”


Em oposição a Platão, Drummond sugere uma revolução. “(…) o mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive. E será Natal para sempre (…)”


O ac24horas faz um convite ao leitor: “organizar o Natal” sugerido por Drummond é uma utopia sempre necessária; é um não-lugar de necessária busca. Mas o jornal nem se atreve a tanto. Tivesse o leitor a disposição de atentar ao menos o que o outro está dizendo com respeito, já haveria um avanço significativo pelos barrancos daqui.


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