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SEGURANÇA PÚBLICA

Acre retoma debate sobre uso de “câmeras corporais”

por Itaan Arruda
O uso de Câmeras Operacionais Portáteis (COP) por parte de agentes públicos de segurança (com destaque para os policiais militares) voltou a ser debatido após a morte da enfermeira Géssica Melo de Oliveira, morta em uma abordagem policial na BR-317 no último dia 2 de dezembro. O assunto entrou formalmente na agenda do comando da Polícia Militar do Acre em 2022, já sob influência do projeto “Olho Vivo”, implantado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo e que apresentou excelentes resultados. Outro estado em que as câmeras operacionais portáteis já fazem parte da rotina do trabalho do policial militar é Santa Catarina. O uso das “bodycam” (mais comumente chamadas de “câmeras corporais”) pelos policiais militares catarinenses ocorre desde agosto de 2019. Inicialmente, foram adquiridas 2,4 mil câmeras para o começo do trabalho por lá, a um custo de cerca de R$ 3 milhões. Hoje, os estados de Minas Gerais, Pará, São Paulo, Rondônia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte estão com uso consolidado, senão em toda tropa, ao menos em projetos pilotos. Estão em processo de instalação, estudo ou já em fase de implantação (com processo de licitação iniciado) os estados do Paraná, Amapá, Bahia, Alagoas, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Roraima, Espírito Santo, Piauí. O atual comando da Polícia Militar do Acre diz ser favorável à implementação das “câmeras corporais” na tropa. “Isso é algo que já estamos fazendo planejamento há algum tempo. Tivemos vários encontros em São Paulo, Rio de Janeiro para ver como funciona. Porque, realmente, é um desejo do comando. Está no nosso plano estratégico”, afirmou o comandante da Polícia Militar do Acre, coronel Luciano Fonseca, sem pontuar quando, efetivamente, a implementação do programa seria feita. O comandante usa até o termo “valorização do policial militar” para se referir às “câmeras corporais”. Para ele, “é uma questão de valorização do policial militar e da produção da prova”. Fonseca observa o movimento de registro em imagem e som da ação policial como “um avanço necessário para as corporações, principalmente a Polícia Militar, que está na linha de frente, a que se depara com quase todas as ocorrências na rua, confrontos”, avalia. “Nós avançaríamos muito na produção da prova, ajudando o Estado a também proteger os policiais de muitas acusações”. Mas se o comando da PM do Acre é favorável às “câmeras corporais” na tropa, qual a razão de o programa ainda não ter sido implementado? O motivo, explica o comandante, é financeiro. “O nosso orçamento não suporta ainda. Estamos buscando parcerias para poder viabilizar”.
Comandante da Polícia Militar do Acre, coronel Luciano FonsecaFoto: José Caminha/Secom

Avançaríamos muito na produção da prova, ajudando o Estado a também proteger os policiais de muitas acusações


A Polícia Militar do Acre calcula em R$ 100 milhões o custo de implementação das “câmeras corporais” para o efetivo de aproximadamente 2,5 mil agentes de segurança. É quase 200% a mais do que o atual orçamento da PM, de R$ 34 milhões. Quanto às parcerias que o comandante diz buscar, na prática, estão restritas à sensibilizar parlamentares federais com alocação de emendas específicas. Os recursos das emendas parlamentares federais têm sido estratégicos para o investimento na corporação. O dinheiro do orçamento do Estado serve, basicamente, para manutenção do custeio da atual estrutura de funcionamento da PM acreana. .

Acre já fez programa pilotos em dois grupos da PM e busca tecnologia de Elon Musk para implantar “câmeras corporais”

A Polícia Militar do Acre já fez duas experiências piloto com uso das “câmeras corporais”. Equipes do grupamento Giro e do 1º Batalhão da Polícia Militar testaram o equipamento e o método de trabalho. As dificuldades relacionadas ao suporte foram muitas. A maior parte relacionada à “comunicação” entre o militar em operação na rua com o suporte tecnológico necessário para receber essas imagens com qualidade de áudio e vídeo.
Falando de forma mais comum: a qualidade da internet no Acre não ajuda a implementação do programa das “câmeras corporais”. Por isso, o comando da PM do Acre estuda buscar alternativas. “Estamos testando também a internet starlink, investindo na capacidade de armazenamento”, antecipa o comandante da Polícia Militar do Acre, coronel Luciano Fonseca.
Dito assim, não comunica muito. Mas traduzindo o que disse o comandante: “internet starlink” é uma internet via satélite de baixa órbita da empresa Tesla, do empresário Elon Musk. É preciso saber exatamente qual será o suporte que esta empresa irá oferecer porque o compromisso que ela estabeleceu com o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro na área da Educação foi um fiasco.


Dockstation” _ Os soldados e oficiais envolvidos com o programa piloto aqui no Acre rapidamente adequaram a palavra inglesa “Dockstation” para simplesmente “doca”: o lugar de armazenamento das imagens quando os policiais voltam das ruas.


Na prática, foram relatadas formalmente as “anomalias” do processo durante o projeto piloto. “A bodycam apresentou falhas de conexão (sem conexão com o 4G)”, diz o relatório a que o ac24horas teve acesso. Esse material fica armazenado na “nuvem digital”. “Nessa conjuntura, a guarnição teve que retornar à base do 1º Batalhão da Polícia Militar para cautelar outro dispositivo”, lembra o documento.
Pelo relatório da experiência piloto, as câmeras usadas não têm autonomia de 12 horas de uso (que é o tempo de um período de serviço de um policial na rua). Foram vários relatos de soldados cujas câmeras “apagaram” quando a escala de trabalho ainda não havia terminado. E com um detalhe: as câmeras não ficaram ligadas ininterruptamente e, mesmo assim, as baterias não foram capazes de suportar até o fim da escala de trabalho dos policiais. Na média, as baterias duravam sete horas de serviço.


Foi operada uma mudança no sistema. A partir desta mudança, as baterias das câmeras suportaram a carga de trabalho. A reação foi excelente: os equipamentos passaram a não gastar nem sequer 15% da energia.


Modelo acreano não deve adotar gravação integral

Pelo relatório formulado no programa-piloto, a Polícia Militar do Acre não deve adotar a “câmera corporal” dos policiais com gravação em tempo integral. O sistema aplicado no Acre deve obedecer a dois comandos: a câmera é acionada ou pelo Gerente de Operações (o profissional que fica na Central) ou pelo próprio policial. 
Outra ressalva destacada no relatório: a custódia das imagens pertence à Polícia Militar do Acre e a liberação fica condicionada ao comando geral da corporação. A empresa ganhadora da licitação deve oferecer à PM os meios de armazenagem das imagens.
Neste ponto, um aspecto precisa ser ressaltado: quanto vai custar a manutenção desse sistema para os quase 2,5 mil policiais militares? Uma coisa é uma empresa vencer a licitação, vender as câmeras e disponibilizar o local para armazenar as imagens. Outra bem diferente é a manutenção do sistema. Quanto vai custar? Quem vai arcar com os custos? Em várias instituições, inclusive na própria PM, Ministério Público, Polícia Civil, sindicato e associações, há defensores dos dois extremos: uns dizem que esse serviço precisa ser terceirizado e outros que o Estado precisa assumir todo o processo.
Ainda não há estudos precisos sobre isto. De uma coisa não se pode ter dúvida: se o sistema for institucionalizado, ele precisa funcionar em todo lugar, obedecendo aos mesmos critérios e aos mesmos métodos.
Caso contrário, o Acre terá duas polícias militares: uma na Capital e outra no interior. Um soldado que opera de uma forma e sob uma condição em Rio Branco e outro em Porto Walter, por exemplo. E isso não poderia ser admitido. A empresa que futuramente ganhar a licitação precisa ter ciência de que as dificuldades no manejo da tecnologia de internet no Acre exigem investimento alto e dificuldades de logística de toda ordem. Com um destaque: no caso das “câmeras corporais”, tendo a Segurança Pública referenciando tudo.

Caso de menino agredido por policial no Jorge Lavocat: cena foi gravada por morador da comunidade. Uso das “câmeras corporais” diminuiu “uso da força”


Associação de Militares se diz favorável, mas faz ressalvas

O presidente da Associação dos Militares do Acre, Kalyl Moraes, se esforça para não demonstrar antipatia pelo projeto. A aceitação da ideia sai meio na marra, protocolar em suas declarações. “Dentro da tropa, nós vemos ‘uma ressalva’ (sic) de como vai ser efetivado isso. Ainda não ficou totalmente esclarecido. É uma tendência nacional que não tem como nós fugirmos disso”, afirmou Moraes.
Ele lembrou que o Ministério da Justiça tem estimulado os governos estaduais a adotar as “câmeras corporais”. “O próprio Ministério da Justiça tem orientado, tem buscado junto às forças policiais, federais e estaduais para que seja adotado o uso das câmeras, a fim de ser resguardada a atividade policial. Nesse sentido, claro que somos favoráveis. A gente só precisa ter atenção ao modo como isso vai ser aplicado”.
O temor no andar de baixo das tropas é que o sistema de monitoramento acabe servindo de instrumento para prejudicar o próprio policial. “Hoje, a gente é vítima de muitas situações em que a população faz os seus vídeos a cerca das ocorrências, mas, realmente, só se faz o vídeo a partir do momento em que é interessante para o agente que está em descumprimento da lei”, ressalta. “Com a câmera, não. Ela vai, em princípio, filmar toda a ocorrência, vai ser gravado esse material para alguma necessidade futura, seja para a Corregedoria, seja da Justiça Militar ou da Justiça Comum. A situação que for necessária, as câmeras serão utilizadas para este fim”.

Anteprojeto de lei foi enviado ao Gabinete Civil em julho

O deputado estadual Educardo Ribeiro (PSD), parlamentar da base governista, adotou o uso das “câmeras corporais” como um dos pontos de agenda do mandato. Formulou um anteprojeto de lei que sustenta a necessidade de implementação do sistema de monitoramento da ação policial por meio das câmeras. O documento foi enviado ao Gabinete Civil em 11 de julho deste ano. Protocolarmente, o Executivo não tem prazo para responder. Mas isso é um detalhe, diante do que o Governo do Estado já poderia ter feito. “O Governo pode fazer esse projeto das ‘câmeras corporais’ se concretizar sem a necessidade de lei”, explica o parlamentar. “Pode ser por meio de uma medida administrativa”. O parlamentar confirma o que ressaltou o comandante da PM. “O problema é a questão financeira para execução desse projeto das câmeras”, afirma o deputado. “Não é um projeto barato”. O deputado estadual lembra, no entanto, que é preciso um esforço conjunto e uma mudança de concepção, de formação do policial militar e dos agentes de segurança de uma maneira geral. “Não podemos nos permitir fazer um debate burro”, afirmou. “Um debate de colocarmos de um lado o cidadão algoz do policial, que quer incriminar o policial e de outro o policial vítima de tudo”.

Não podemos nos permitir fazer um debate burro


Deputado estadual Eduardo Ribeiro (PSD) enviou anteprojeto em julho Foto: Sérgio Vale

MPAC realiza audiência pública para discutir Segurança Pública

O Ministério Público do Acre é um defensor da implementação das “câmeras corporais” nos policiais militares. E articula uma audiência pública com todas instituições envolvidas com a execução e manutenção do projeto.
O titular da Promotoria Especializada de Tutela do Direito Difuso à Segurança Pública, promotor Rodrigo Curti, foi quem tomou a iniciativa e ressalta que a meta do MP é fomentar o debate não estritamente do uso das “câmeras corporais”, mas de todo tipo de tecnologia que venha a melhorar a eficácia das forças de segurança.
“Não podemos ter medo do debate para buscar a tecnologia ideal”, afirmou. “Caso não seja possível ter recursos imediatos para implementar o projeto em toda a tropa, então que se mantenha um ou dois batalhões e vá aperfeiçoando e aumentando o acesso à tecnologia gradualmente. Mas é preciso fazer. Já existem estados bem adiantados com essa medida”.
O promotor tem como referência os estados de São Paulo e Santa Catarina como “mais avançados” no uso das “câmeras corporais” dos policiais militares. “O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, entrou no governo querendo acabar com o uso das câmeras, mas se rendeu diante dos números que foram apresentados”.

Fatores Positivos

– Queda na letalidade policial
– Queda nas ocorrências de abuso de autoridade/ uso da força
– Garantia de melhoria da qualidade das provas
Aumento de registros de ocorrências (drogas, armas e violência doméstica)
– Melhora na capacidade de supervisão
Diminuição da força de trabalho


Fatores Negativos

– Tempo de adaptação
– Mudança de cultura
– Custo de implementação
– Custo de manutenção

Estados em que ja usam as "Câmeras Corporais"

– Minas Gerais
– Pará
– Rio Grande do Norte
– Rio de Janeiro
– Rondônia
– Santa Catarina
– São Paulo

Estados em que há testes ou licitação

– Acre
– Alagoas
– Amapá
– Espírito Santo
– Maranhão
– Paraná
– Pernambuco
– Rio Grande do Sul
– Roraima

Estados em que ja usam as "Câmeras Corporais"

– Minas Gerais
– Pará
– Rio Grande do Norte
– Rio de Janeiro
– Rondônia
– Santa Catarina
– São Paulo

Estados em que há testes ou licitação

– Acre
– Alagoas
– Amapá
– Espírito Santo
– Maranhão
– Paraná
– Pernambuco
– Rio Grande do Sul
– Roraima

Estados em que há estudos ou avaliação

– Amazonas
– Bahia
– Goiás
– Maranhão
– Mato Grosso
– Mato Grosso do Sul
– Paraíba
– Sergipe
– Tocantins

Estado que não estuda e nem avalia uso

– Piauí
Fonte: G1
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Itaan Arruda

Jornalista, apresentador do programa de rádio na web Jirau, do programa Gazeta em Manchete, na TV Gazeta, e redator do site ac24horas.


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