Denunciado à polícia de Xapuri por manter em cárcere privado, espancar e tentar dopar um aluno menor de idade em sua propriedade rural, o professor do Campus do Instituto Federal do Acre (IFAC) no município, Uilson Fernando Matter, assume que agrediu fisicamente o adolescente em um áudio enviado à família da vítima logo após a consumação do fato, ocorrido no último dia 27 de novembro.
No áudio ao qual o ac24horas teve acesso, encaminhado a um dos familiares, o professor se refere ao menor como “filho”, diz que ele estava sendo cotado para ser o melhor aluno do IFAC, mas que passou a não ir bem na escola, tendo sido repreendido por conta disso, segundo Uilson diz na mensagem. “Eu sempre defendi ele, sempre conversei muito com ele, tanto que um tempo desses eu dei uma dura nele. “Ou tu sobe tu desce. Eu acho que ele resolveu descer”, afirma.
Mais adiante, no mesmo áudio, o professor se refere às agressões impostas ao estudante: “Eu dei uma conversada séria aqui com ele”, diz inicialmente, para depois completar: “Dei uma pisa nele aqui que foi grande.”
Um irmão do menor contou à reportagem que o rapaz e a família, de maneira especial a mãe, estão muito abalados e com medo da postura ameaçadora do professor, que continuava a enviar áudios a uma irmã da vítima, tendo chegado a propor acordo e a oferecer dinheiro no sentido de amenizar a situação que se encontra sob investigação da Polícia Civil por meio de inquérito sigiloso.
De acordo com o Conselho Tutelar de Xapuri, o procedimento do órgão com referência à denúncia já foi feito, tendo sido ouvidos a vítima e a mãe, com envio à unidade do Ministério Público no município. Procurada, a assessoria do promotor de justiça da cidade, Thiago Salomão, informou que o caso é de pleno conhecimento do MP, mas que haverá manifestação apenas nos autos do processo.
Pelo que foi apurado pelo ac24horas, Uilson Matter agrediu o estudante com quem mantinha relação próxima por ser seu professor no Curso Integrado de Agropecuária. Segundo denúncia anônima, Matter tem se aproveitado de sua posição na instituição federal de ensino para influenciar alunos menores de idade, induzindo-os a participar de projetos externos ao Ifac e a realizar favores pessoais.
Por essa razão, o estudante frequentava assiduamente a pequena propriedade rural do professor, onde além de executar serviços em troca de ajuda financeira por ser a família carente, como foi afirmado pela própria mãe à direção do IFAC, costumava ficar responsável pelo lugar quando Uilson viajava. É em um desses episódios de ausência do professor que surge a suposta motivação para o crime.
Ao retornar, Uilson Matter sentiu falta de uma bicicleta, e sob a acusação de ser o autor do suposto furto, o jovem foi coagido, amarrado e submetido a violência física e psicológica, além de quase ser sedado, pois foi obrigado a ingerir uma certa quantidade de comprimidos de natureza desconhecida. Contudo, o menor não perdeu os sentidos, sendo liberado após receber golpes de pirainho (chicote) de couro.
O caso chama a atenção não apenas pela gravidade de um ato de violência de um professor contra um aluno, mas também por uma série de fatores que faltam ser melhor explicados. Primeiro, pela falta de clareza se a direção do IFAC conhecia ou não a conduta do professor de levar alunos à sua propriedade. Segundo, pela falta de manifestações públicas logo em seguida às denúncias feitas à polícia e à instituição, uma vez que o IFAC foi notificado pela Delegacia de Xapuri na quinta-feira (30/11) e se pronunciou oficialmente apenas na segunda-feira (4/12) após ser procurado pela reportagem.
Também não pode ser desconsiderada a estranheza da ordem com que as medidas relativas ao caso foram tomadas no âmbito administrativo, pelo IFAC. Primeiro, o aluno foi afastado das atividades presenciais na escola, sob a justificativa de sua preservação do contato com o professor, recebendo “suporte educacional” em casa, para apenas uma semana depois o acusado das agressões ser afastado de suas atividades, quando o bom senso indica que deveria ter ocorrido o contrário.
Também é perceptível o silêncio sobre o caso entre servidores e alunos do IFAC em Xapuri. Anonimamente, alguns funcionários relatam que o caso não foi uma surpresa, pois havia sinais dados pelo comportamento do professor. Em um print de conversa no WhatsApp, em que a reportagem teve o cuidado de se certificar de que não é possível identificar os interlocutores, o assunto é comentado segundo foi denunciado à polícia. Na conversa, uma das partes diz não ser novidade o que aconteceu.
Alguns áudios que foram trocados em grupos fechados, mas que a reportagem teve acesso a eles, revelam um episódio estarrecedor ocorrido após as agressões. Uma testemunha conta que após pedir aos funcionários da portaria não permitirem o acesso do aluno, que supostamente estaria indo ao IFAC armado para lhe atacar, o professor Uilson mostra as mãos machucadas e diz: “Minha mão tá inchada de tanto bater nesse moleque.”
Os áudios fazem parte do material levantado pela reportagem, mas não serão divulgados para proteger o sigilo da fonte.
A direção do Campus, por meio do professor Joy Cavalcante, que substitui o diretor Joel Bezerra, que está de férias, afirmou que ao tomar conhecimento do fato pela própria família adotou de imediato as providências cabíveis que consistiram em comunicar o caso ao procurador jurídico da instituição. A respeito da informação de que o professor teria agido junto à portaria do Campus para impedir o acesso do aluno às aulas, Joy disse não ter sido informado disso.
“Nenhum professor tem a prerrogativa de impedir a entrada de qualquer pessoa ao Campus. Quanto ao aluno não estar frequentando as aulas, tomamos a medida de mantê-lo afastado como maneira de protegê-lo do possível contato com o professor envolvido. Ele está recebendo todo o suporte educacional, inclusive, fazendo todas as atividades em casa”, explicou.
Outra informação prestada pelo diretor substituto do Campus de Xapuri foi quanto aos fatos denunciados terem ocorrido na chácara de Uilson Matter. Segundo ele, não havia qualquer atividade de natureza curricular que justificasse a presença do aluno na propriedade particular do professor e que essa ocorrência não era de conhecimento da instituição. Segundo Cavalcante, para realizar atividades fora do IFAC, há todo um protocolo a ser cumprido, que inclui ajuda de custo e até seguro.
Por meio de nota, a Diretoria de Comunicação do IFAC informou que instaurou procedimento administrativo para investigar detalhadamente o incidente, e que como parte do processo o servidor envolvido na ocorrência foi afastado preventivamente, a fim de assegurar a imparcialidade e eficiência na apuração.
O caso segue sendo investigado pela Delegacia Geral de Polícia Civil de Xapuri, cuja titular é a delegada Michelle Boscaro. Até a última atualização das informações que foram possíveis de se obter, pois o inquérito transcorre sob sigilo, o professor acusado das agressões contra o menor ainda não havia sido ouvido. Ao ac24horas, em contato feito nesta segunda-feira, 4, ele disse que não comentaria o assunto antes de constituir advogado, se limitando a negar as acusações.
Ouça o áudio: