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Black Friday: metade do dobro?

Por
Itaan Arruda

Black Friday: metade do dobro?

ITAAN ARRUDA (TEXTO) E SÉRGIO VALE (FOTOS)

“Eu me senti lesada”. A frase é de uma jovem consumidora de Brasileia, cidade do interior do Acre que faz fronteira com a Bolívia e integra uma Área de Livre Comércio. “A experiência que tive com ‘a Black’ na loja de departamentos, como cliente que sou deles há anos, não foi boa”, relata.


Ela procurava adquirir um móvel. Fazia o monitoramento do preço do produto há alguns meses. E foi surpreendida. “Vinha acompanhando as promoções durante o ano e vi o preço do móvel que queria comprar só aumentando”, desapontou-se a jovem.


Direito do Consumidor é realmente respeitado na Black Friday no Acre?


Ela não quis se identificar para falar com o ac24horas. Avaliou que, por se tratar de uma cidade pequena e, sendo ela uma servidora pública, poderia ter algum tipo de problema. A loja de departamentos é uma das poucas de abrangência nacional que atua na cidade.


“Na ‘Black’, quando pensei que o produto iria, de fato, estar na promoção, o preço disparou ainda mais”, revoltou-se. O monitoramento foi acompanhado de um cuidado: ela foi acumulando evidências de que a gerência estava agindo de má fé. Foi a hora de acionar o Procon. “Só após a fiscalização do Procon, eles reduziram o preço”.


A ausência da Procuradoria do Consumidor nos municípios deixa um terreno fértil para abusos. Em períodos como o da Black Friday, comprar em ambientes com fiscalização frágil se transforma em um ato de muita vulnerabilidade. “Essa foi a minha primeira experiência com o Procon, na verdade”, confessa. “Aqui na região não tínhamos acesso ao Procon, há até pouco tempo. Então, essa relação entre o direito do consumidor e as ‘promoções’ de uma maneira geral que as lojas fazem… o único direito mesmo que prevalecia era o delas mesmo”.


Difícil encontrar um relato tão significativo de como promoções como a Black Friday precisam estar acompanhadas de um forte aparato de fiscalização para diminuir a vulnerabilidade do consumidor. Em cidades menores, magazines de atuação nacional ofertam a pronta entrega produtos que o consumidor pode até encontrar na internet, mas só terá como usufruir muitas sextas-feiras depois.


Procon iniciou missões no início de outubro nas regionais

Camila Lima, do Procon/AC: orientação para comerciantes e queda no número de autos de infração


O Procon/AC iniciou missões com equipes em quatro das cinco regionais do Acre (Juruá; Tarauacá/Envira; Purus e Alto Acre) no início de outubro. A ordem era pelejar para orientação dos lojistas. Questões como transparência ao consumidor do que estava e do que não estava na promoção Black Friday; devolução; direito de arrependimento.


“A ideia era fazer um trabalho preventivo”, afirma a diretora Administrativa e Financeira do Procon/AC, Camila Lima. E o resultado foi positivo. Em 2022, houve seis denúncias durante a Black Friday em todo Acre. Dessas seis denúncias, foram lavrados dois autos de infração. Na Black Friday deste ano, os casos foram reduzidos à metade: houve três denúncias e apenas um auto lavrado (o de Brasileia). Até o encerramento desta edição, os dados de 2023 ainda não estavam consolidados.


Em comércios descapitalizados e de baixo estoque como os do Acre, a fiscalização para flagrar falsas promoções (que são ironicamente chamadas de “Black Fraudes”) é mais difícil de acontecer.


Nesses casos, o próprio consumidor já encontrou uma forma: aplicativos de comparação de preços. Eles são alimentados durante um período com informações do produto, preço e a loja. Desta forma, há um monitoramento mínimo para que a comparação possa ser feita antes da compra.


“O Código de Defesa do Consumidor é o mesmo, não faz concessões”, afirma promotor de Justiça

O promotor de Justiça da 1ª Promotoria Especializada de Defesa do Consumidor, Dayan Moreira Albuquerque, minimiza o impacto da promoção Black Friday na relação com o Código de Defesa do Consumidor. “O código é o mesmo”, pontua. “Ele não faz concessões para esta ou aquela promoção. O código é aplicado normalmente. Todos os artigos permanecem inalterados durante todo ano”.


Albuquerque só esclarece que a atuação do Ministério Público, nesses casos de problemas relacionados às grandes promoções, precisa ser visto ponto a ponto. “O MP atua quando se trata de um direito coletivo”, diferencia. “Só atuamos se atingir a coletividade. Os direitos e garantias já estão previstos”.


Na fala do promotor, a Black Friday em nada se diferencia do Dia dos Pais; Dia das Mães: é mais uma estratégia comercial para zerar ou diminuir estoques. E nenhuma dessas agendas comerciais têm tratamento diferenciado. O Código de Defesa do Consumidor é único.


Promotor de Justiça Dayan Moreira Albuquerque: “O MP atua quando se trata de um direito coletivo”


Comércio do Acre está preparado para Black Friday?

O comércio varejista acreano agoniza. Não é de hoje, é bem verdade. Os ciclos econômicos calejam a paciência do pequeno comerciante desde sempre. A diferença do atual período de baixa no consumo é que a impressão que se tem é que o “dinheiro sumiu”.


E não é porque o instrumento da moda é o pix. Não há dinheiro circulando, nem em bits e nem em cédula. E não precisa de muita teoria econômica para se perceber o óbvio. Basta olhar, andar pelas lojas do Centro de Rio Branco ou nas galerias comerciais, a nova tendência do mercado imobiliário, para se perceber: as lojas vazias, vendedores escondidos atrás dos balcões comendo ou cutucando celulares.


Os comerciantes mantêm estoques mínimos, não por uma estratégia típica dos empresários de grandes centros. Por aqui, em situações normais de um mercado aquecido, os estoques precisam estar melhor abastecidos em função da distância dos centros produtores. No entanto, os armazéns quase vazios de hoje expõem um comerciante descapitalizado, quase sem condições de oferecer opções ao consumidor, além daquelas que estão expostas na vitrina.


Nas conversas com os comerciantes, os olhares desconfiados aos poucos cedem à conversa franca. “Mas eu não quero me identificar”, pedem. “Você me pediu para ser sincera, não pediu? Pois então, a coisa não vai bem”.


O roteiro da tentativa de entrevista é quase sempre esse. Altera pouco entre uma porta e outra do pequeno comércio varejista de Rio Branco. Como é que um comerciante nessas condições pode participar com qualidade em uma agenda tão exigente como a Black Friday?


Na ponta do lápis, ele não tem condições. A calculadora desses microempresários tem soma diferente das máquinas normais. “O que você quer que eu faça? Que deixe minha loja sendo a única sem a indicação de ‘Black Friday’? Isso não seria bom pra mim, nem agora e nem depois da promoção”, calcula a comerciante com quase 40 anos de atuação no mercado de confecções.


Há muito mais em jogo do que relação de compra e venda em uma microempresa em estados com pouca circulação de dinheiro como o Acre. São comerciantes que talvez tenham baixa capacidade de mudança de segmento: aprenderam a vender um determinado produto e têm pouca disposição em migrar. Mas demonstram uma extrema capacidade de resiliência. Já estão acostumados com os ciclos “de baixa”.


O comércio acreano tenta aderir à agenda comercial dos grandes centros, mas com um comerciante desestruturado e sem capital de giro. Esse contexto apresenta um cenário de um varejo praticamente anestesiado e com baixa capacidade de investimento.


Comércio acreano passa por grave crise, tenta aderir à agenda dos grandes centros sem capital de giro (Foto: Sérgio Vale)


Na ponta do lápis, ele não tem condições. A calculadora desses microempresários tem soma diferente das máquinas normais. “O que você quer que eu faça? Que deixe minha loja sendo a única sem a indicação de ‘Black Friday’? Isso não seria bom pra mim, nem agora e nem depois da promoção”, calcula a comerciante com quase 40 anos de atuação no mercado de confecções.


Há muito mais em jogo do que relação de compra e venda em uma microempresa em estados com pouca circulação de dinheiro como o Acre. São comerciantes que talvez tenham baixa capacidade de mudança de segmento: aprenderam a vender um determinado produto e têm pouca disposição em migrar. Mas demonstram uma extrema capacidade de resiliência. Já estão acostumados com os ciclos “de baixa”.


O comércio acreano tenta aderir à agenda comercial dos grandes centros, mas com um comerciante desestruturado e sem capital de giro. Esse contexto apresenta um cenário de um varejo praticamente anestesiado e com baixa capacidade de investimento.


“Estratégia phygital” é saída necessária, mas há resistência

Todos os pequenos comerciantes do varejo do Acre já entenderam que possuem a grande concorrência dos grandes magazines que atuam na web; as grandes lojas de confecção. E eles vão se adaptando: timidamente, usam as redes sociais para expor produtos e efetivar vendas. É o que os administradores chamam de “estratégia phygital” (integração de lojas físicas com a loja digital).


“Fazemos isso. Estamos no Instagram, no Facebook, no WhatsApp, mas eu gosto mesmo é olho no olho e umbigo no balcão”, admite uma comerciante em um dos centros comerciais que vende as marcas mais disputadas pela juventude na região central de Rio Branco. “Usamos a internet como ferramenta de venda, terceirizamos a entrega, mas eu lhe garanto que nada substitui o atendimento na loja”, defende.


É uma forma de resistir a um movimento de cifras bilionárias. Uma estimativa da consultoria que monitora 85% do comércio eletrônico brasileiro, a Neotrust, o faturamento das lojas on-line com a Black Friday 2023 deve atingir R$ 6,92 bilhões. E esse montante representa queda: em 2022, foi de R$ 7,8 bilhões. Em 2021, R$ 7,9 bilhões.


São cifras muito distantes da rotina do Acre. Exceção feita a algumas lojas de departamento ou de venda de equipamentos eletrônicos e de telecomunicação em que possa ter algum alvoroço dos consumidores, o pequeno comércio acreano passa ao largo desses bilhões.


Esse ambiente tem como ponto central a figura do consumidor. No Acre, o problema do comércio varejista não é o consumidor cauteloso; é o consumidor descapitalizado.


Origem do nome é controversa

A origem da expressão “Black Friday” não é bem definida. Há alguns relatos que apontam para o século XIX, após êxito de dois investidores no mercado financeiro: quando houve uma queda drástica no preço do ouro, o dia foi chamado de “Black Friday”.


Há outra hipótese: guardas de trânsito da Filadélfia popularizaram o termo em relação ao fluxo de veículos: toda sexta-feira após o Dia de Ação de Graças, quando o trânsito ficava muito intenso.


Fato é que entre os anos 80 e 90, a quarta sexta-feira de novembro foi estabelecida pelas entidades representativas do comércio norteamericano como o dia para buscar zerar os estoques.


No Brasil, a data passou a integrar o calendário do comércio em 2010. Em 13 anos, vem sofrendo adaptações que acabam vulgarizando a ideia e perdendo o impacto: na prática, o comércio brasileiro já está ampliando aquilo que foi pensado para um dia para o mês inteiro.


E isso pode ter efeito negativo para outra data: o Natal. Ainda de acordo com a Neotrust, a consultoria que monitora 85% do comércio eletrônico no Brasil, 54% dos consumidores brasileiros devem antecipar as compras do Natal na Black Friday. É o dobro da Black Friday do ano passado, quando 27% das compras do Natal foram antecipadas.


Itaan Arruda

Jornalista, apresentador do programa de rádio na web Jirau, do programa Gazeta em Manchete, na TV Gazeta, e redator do site ac24horas.


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