Tratado de Petrópolis é o nome do documento que remete ao acordo firmado entre a Bolívia e o Brasil, em 17 de novembro de 1903, na cidade serrana fluminense, que tornou oficial a anexação do atual estado do Acre ao território brasileiro. O entendimento diplomático veio meses depois do fim da chamada Revolução Acreana, que teve seu último episódio em 24 de janeiro daquele mesmo ano em Puerto Alonso, hoje Porto Acre.
A ocupação do território por brasileiros se deu a partir da segunda metade do século XIX, quando, sobretudo nordestinos castigados por sucessivas secas em suas terras de origem começaram a se instalar na bacia do Rio Acre, para se dedicar à atividade extrativista, de maneira especial à produção da borracha. Estes migrantes começaram a ocupar as terras, cuja maior parte pertencia à Bolívia, apesar de as fronteiras, mesmo sendo estabelecidas por tratados internacionais, permaneciam inexatas.
De acordo com Flávia Lima e Alves, no artigo O Tratado de Petrópolis – Interiorização do conflito de fronteiras, a Bolívia jamais exercera naquela região a sua soberania. Acostumados aos altiplanos, eles não se mostravam aptos ou mesmo interessados em tomar posse daquela região de planície. Todavia, o advento da Revolução Industrial provocou a alteração do status da borracha amazônica na pauta de importações da Europa e dos Estados Unidos.
A produção industrial da borracha — viabilizada pelo processo de vulcanização inventado por Charles Goodyear em 1839 — deu origem ao advento dos pneumáticos, item fundamental da vigorosa e ascendente indústria automobilística. Iniciou-se, desse modo, a corrida ao “ouro negro” da Amazônia, já valorizado graças ao incremento da produção de calçados e das exigências do maquinário empregado no processo de industrialização em si.
Os reflexos de tal mudança na economia mundial não tardaram a ditar os rumos do processo socioeconômico de migração no Brasil, acentuado após a grande seca nordestina de 1877, que acelerou a ocupação territorial do futuro Estado do Acre e a contenda para sua anexação ao Brasil.
Assim, em 1898, as autoridades bolivianas deixaram de lado a indiferença em relação à ocupação brasileira da fronteira e começaram a agir. No ano seguinte, os bolivianos fundaram Puerto Alonso, nome dado em homenagem ao então presidente Severo Fernandes Alonso. O governo brasileiro não se manifestou à medida, buscando uma posição inerte em relação à questão.
Naquele momento, predominava o entendimento vindo do Tratado de Ayacucho, de 1867, onde Brasil e Bolívia entendiam que o Acre era território boliviano. A falta de reação brasileira era interpretada por seringalistas e seringueiros como a oficialização da soberania estrangeira na região, alimentando a primeira insurreição acreana. Em 1º de maio de 1899, cerca de quinze mil brasileiros, a maioria residentes na região, sob o comando do advogado José Carvalho e com o apoio do governo do Estado do Amazonas, levantaram-se contra os bolivianos.
A revolta seringueira
A segunda insurreição deu-se em 14 de julho de 1899, chefiada pelo jornalista espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Arias. Em Puerto Alonso, já rebatizada Porto Acre, Galvez hasteia a bandeira acreana, proclamando a criação do Estado Independente do Acre. As autoridades federais brasileiras, ainda buscando preservar o conteúdo do Tratado de Ayacucho, interpretam o gesto como uma invasão territorial à Bolívia e enviam forças para desbaratar o Estado Independente. Assim, a 15 de março de 1900, o Brasil promove a transição política, passando o controle da região à Bolívia.
O Bolivian Syndicate
Aparentemente resolvida a questão, eis que vem à tona a existência de um acordo militar entre norte-americanos e bolivianos envolvendo a região, o que levantou preocupações do governo brasileiro. Em 1901, a Bolívia, presidida pelo General José Manuel Pando, estava ansiosa por se livrar dos problemas de administração das terras consideradas acreanas pelos brasileiros. Com isso, elas foram arrendadas a um sindicato de capitalistas majoritariamente norte-americanos e ingleses, o Bolivian Syndicate, que por trinta anos assumiria o controle total sobre a região, incluindo a movimentação alfandegária e militar.
Para o lado brasileiro, tal acordo significava uma ameaça às soberanias tanto da Bolívia quanto do Brasil. As tentativas diplomáticas do Brasil para conseguir a anulação do contrato provocaram a pronta reação das autoridades governamentais em Washington e Londres. Em resposta, o presidente Campos Sales decide fechar o rio Amazonas e seus afluentes à navegação, ignorando os protestos dos EUA, Grã-Bretanha, França e Alemanha.
O Barão do Rio Branco entra na história
Quando a controvérsia em torno do Bolivian Syndicate acirrou-se, surgiu na cena política a figura de José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, que havia sido convidado pelo Presidente Rodrigues Alves a assumir a pasta do Ministério das Relações Exteriores e, de imediato estudar o tema delicado. Rio Branco decidiu interpretar o Tratado de 1867 ao pé da letra, e declarou o território do Acre litigioso com relação ao Brasil e ao Peru, com quem a Bolívia acabara de firmar um tratado para submetê-lo à arbitragem da Argentina.
Com o real intento de forçar a Bolívia a negociar, o Barão apresentou a proposta de permuta de territórios ou de compra do Acre pelo Brasil, que assumiria o compromisso de acertar-se com o Bolivian Syndicate. Ambas as propostas foram rechaçadas pela Bolívia, que se fiava no apoio norte-americano.
Não é festa, é revolução
Enquanto isso, no Acre, o gaúcho Plácido de Castro inicia um movimento armado contra a Bolívia, pela posse da região. As tropas bolivianas são derrotadas, e é proclamada, pela terceira e última vez, o Estado Independente do Acre, o que soluciona militarmente o litígio. O presidente boliviano, General Pando, percebendo que não poderia manter o controle sobre o Acre, busca finalmente o entendimento diplomático. Em 21 de março de 1903, ele concordou com a ocupação e administração brasileira na região até a conclusão dos termos do acordo que culminaria com o Tratado de Petrópolis, assinado meses depois.
O Tratado de Petrópolis
Por esse instrumento, ficou acordado que a Bolívia receberia compensações territoriais em vários pontos da fronteira com o Brasil. O governo brasileiro se comprometeria a construir a Estrada de ferro Madeira-Mamoré, e preservaria a liberdade de trânsito pela ferrovia e pelos rios até o oceano Atlântico, facilitando o escoamento das exportações bolivianas. Como não havia equivalência entre as áreas permutadas, estabeleceu-se, ainda, uma indenização de dois milhões de libras esterlinas, a ser paga pelo Brasil em duas parcelas.
A Bolívia cederia a parte meridional do Acre, reconhecidamente boliviana, mas povoada por brasileiros, e desistiria da reclamação da outra parte do território mais ao norte, também ocupada só por brasileiros. O Bolivian Syndicate aceitou a rescisão contratual mediante uma compensação financeira de 114.000,00 libras esterlinas, em distrato assinado em 26 de fevereiro de 1903.
O Tratado de Petrópolis praticamente selou o destino do Acre, que até hoje permanece como integrante da federação brasileira de modo praticamente incontroverso. O Peru seguiria mais alguns anos manifestando-se diplomaticamente por direitos na região, mas acabaria chegando a um acordo com as autoridades brasileiras.
*O material acima é embasado no trabalho acadêmico de Flávia Lima e Alves, bacharel em Ciências Econômicas e Relações Internacionais pela UnB e Assistente Técnica do Quadro Permanente do Senado Federal.
A produção consistiu em trabalho final apresentado ao Curso de Especialização em Direito Legislativo realizado pela Universidade do Legislativo Brasileiro – UNILEGIS, e Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS, como requisito para obtenção do título de Especialista em Direito Legislativo. O orientador foi o professor Antônio José Barbosa. O artigo pode ser acessado em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/495.
Legenda da foto Negociadores do Tratado de Petrópolis: Da esquerda para a direita: Fernando Guachalla, Ernesto Ferreira (ministros da Bolívia em missão especial), Cândido Guillobel (contra-almirante), J. F. de Assis Brasil, Cláudio Pinuela (ministros da Bolívia), Zacarias de Góis e Vasconcelos, Barão do Rio Branco, Domício da Gama, Campos Paradeda, Pecegueiro do Amaral, Paula Fonseca e Emílio Fernandes. A fotografia foi tirada no jardim, tendo como fundo parte da casa e um morro, por ocasião da assinatura do texto do Tratado