Imagens captadas pelo repórter fotográfico Sérgio Vale ainda em agosto deste ano, mostravam o sufoco de acreanos para enfrentar os efeitos do calor em pleno centro da capital, Rio Branco. Passados quase três meses, o estado segue sob forte onda de calor mesmo com as chuvas que começaram a cair, ainda de maneira bastante irregular, a partir do começo de novembro.
Alimentada principalmente pelo fenômeno climático conhecido pela alcunha de “El Niño”, a seca severa e prolongada muito além dos padrões conhecidos causa males à população acreana não apenas pelo calor, velho conhecido de quem vive nesta região do país, mas também pela escassez de água tratada, com crises registradas em alguns municípios, e pelos danos ao setor produtivo.
A partir de meados de outubro, municípios como Epitaciolândia e Xapuri, no Alto Acre, e Tarauacá, na parte central do estado, passaram a enfrentar dificuldades maiores quanto ao fornecimento de água potável. No primeiro, a prefeitura chegou a decretar estado de calamidade pública em decorrência da situação.
No que diz respeito à agricultura e pecuária, os produtores também sofrem as consequências da situação excepcional do clima em 2023, seja por conta do calor, que afeta a criação de peixes, uma atividade complementar de renda, assim como causa a morte de rebanhos de galinhas, como aconteceu na semana passada com um fornecedor do frigorífico Acre Aves.
No entanto, a situação vivenciada pelos acreanos, um povo não acostumado a secas severas, mas habituado ao calor, representa apenas uma ponta de iceberg com relação ao que pode ainda vir quando se trata das mudanças climáticas alertadas pela ciência e desacreditada por alguns setores da economia.
Uma pesquisa resultante de uma colaboração internacional de 114 cientistas de 52 centros de pesquisa e agências da ONU de todo o mundo, que monitora os impactos das mudanças climáticas na saúde, e que é publicada anualmente pela revista científica The Lancet, a mais importante sobre medicina, apresenta um cenário futuro desolador.
O estudo diz que quase cinco vezes mais pessoas morrerão provavelmente devido ao calor extremo nas próximas décadas, acrescentando que, sem ação sobre as alterações climáticas, a “saúde da humanidade corre grave risco”. O calor letal é apenas uma das muitas formas pelas quais o uso ainda crescente de combustíveis fósseis no mundo ameaça a saúde humana, de acordo com o relatório Lancet Countdown.
Secas mais comuns colocarão milhões de pessoas em risco de morrer de fome, os mosquitos que se espalham mais longe do que nunca levarão doenças infecciosas e os sistemas de saúde terão dificuldades para lidar com o aumento sem precedentes de pacientes, alertaram os investigadores.
A terrível avaliação surge durante aquele que se espera que seja o ano mais quente da história da humanidade — na semana passada, o monitor climático europeu declarou que outubro foi o mais quente de que se tem registro até agora.
O alerta também aparece antes das conversações climáticas COP28 em Dubai, no fim deste mês, que pela primeira vez acolherão um “dia da saúde”, em 3 de dezembro, enquanto os especialistas tentam esclarecer o impacto do aquecimento global na saúde.
Apesar dos crescentes apelos à ação global, as emissões de carbono relacionadas com a energia atingiram novas máximas no ano passado, afirma o relatório Lancet Countdown, destacando ainda enormes subsídios governamentais e investimentos de bancos privados em combustíveis fósseis que aquecem o planeta.
No ano passado, pessoas em todo o mundo foram expostas a uma média de 86 dias de temperaturas potencialmente fatais, de acordo com o estudo. Cerca de 60% desses dias foram duas vezes mais quentes devido às mudanças climáticas. O número de pessoas com mais de 65 anos que morreram devido ao calor aumentou 85% entre 1991-2000 e 2013-2022.
Voltando para o Acre, outro estudo, este feito pela CarbonPlan, uma organização sem fins lucrativos que desenvolve dados climáticos publicamente disponíveis, em parceria com o The Washington Post, calculou quantos dias de calor cada cidade poderá enfrentar nesse futuro próximo. Rio Branco, a capital do estado, está entre as cidades que mais vão ‘ferver’ até 2050, com 212 dias de temperaturas consideradas extremas.
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