Inspirado na entrevista do excelente jornalista Leônidas Badaró, no último dia 3 de novembro, no programa Boa Conversa (aqui), com a colega Engenheira Agrônoma Michelma Lima, da SEAGRI, a respeito da cafeicultura no Acre, pensei em escapar momentaneamente da minha pauta semanal preferida, focada quase sempre nas questões nacionais, e reforçar o tema a partir de meu próprio ponto de vista.
Não se trata de uma nova entrevista com a agrônoma, embora tenha esclarecido com ela alguns pontos, nem tampouco é uma transcrição do programa brilhantemente apresentado pelo jornalista, mas de algumas impressões de um velho colega agrônomo, que presencia diariamente o ânimo e o esforço da equipe da Secretaria de Agricultura – SEAGRI, que tenta levar a cabo um projeto de grande importância para o Estado. Adianto que é, como possível neste espaço, uma análise incompleta da questão. Há muitos aspectos não referidos.
Em primeiro lugar, é preciso dimensionar a cultura do café. Vejamos o que temos atualmente com dados oficiais (IBGE e SEAGRI):
Em seguida, é preciso estimar os limites físicos da cafeicultura em áreas já disponíveis, ou seja, quantos hectares podem ser convertidos em cafezais, para daí estimar todo o resto. É, resumidamente, saber onde estamos e onde podemos chegar em termos de plantação. Abaixo, uma estimativa da área total desflorestada no Acre, segundo dados do INPE/UCGO.
Com estes dados, sabe-se aonde estamos e aonde podemos chegar. Sejamos modestos e imaginemos que em um plano de longo prazo de desenvolvimento da cultura cafeeira, 5% (cinco por cento) dessas áreas desflorestadas sejam convertidas em cafezais (só na Reserva Chico Mendes já são 9% e no Antimary são 12% desflorestados), teríamos, ceteris paribus, (todo o resto mantendo-se constante), mais de 90.000 hectares disponíveis. Grosso modo, se poderia multiplicar por 100 os dados do primeiro quadro e alcançar em Valor Bruto da Produção – VBP, a ordem de 3 bilhões de reais sem derrubar uma paxiúba. Isto sem computar o ganho em produtividade inerente aos processos tecnológicos dos quais somos carentes. É muita coisa, ainda mais sabendo-se que a cultura é grande geradora de postos de trabalho tanto na propriedade quanto fora da porteira.
Essa perspectiva apresenta algumas vantagens: Uma delas é que a cafeicultura não exige grandes áreas para ser viável. Dois ou três hectares plantados e bem conservados, tecnicamente acompanhados, tendo em vista uma boa produtividade por área, são suficientes para assegurar uma renda satisfatória à unidade produtiva, o que sugere adequação à nossa realidade. Daí vem outra constatação que é a diminuição da pressão sobre a floresta, dado que se viabilizam em pequenas áreas, cumprindo assim um item importante na sustentabilidade ambiental.
O terceiro ponto a considerar é a alta capacidade de aproveitamento de mão de obra nas etapas do processo produtivo, ou seja, de jovens, idosos, mulheres, homens, agricultores modernos e tradicionais, (indígenas, por exemplo), todos encontrarão na cafeicultura um espaço adequado para exercer o melhor de suas capacidades. É, portanto, inclusivo.
Quarto e último ponto que assinalo (existem outros), é a sua capacidade de geração de renda a partir de diferenciais de qualidade perante o mercado que se comporta de modo muito parecido com o de vinhos, vale dizer, é possível entrar fortemente em um circuito de cafés especiais cujos preços são alavancados de forma exponencial. Neste último caso, contabilize-se, além dos atributos do grão especificamente, o status “amazônico” ou “indígena” ou “de unidade de conservação”. No dizer da especialista, Eng.ª Agrônoma Michelma Lima:
“A interação entre ambiente amazônico, manejo consciente e produção sustentável, com a genética de cafés adaptados para a região, gerou neste primeiro ano de trabalho com qualidade, cafés de bebidas especiais e diferenciadas que podem despertar o interesse dos mais diversos nichos de mercados, nacionais e internacionais. São cafés que levam em consideração o ambiente e modo de produção do grão além da riqueza da história de quem produz. Os grãos produzidos na Amazônia mereceriam ser conhecidos e reconhecidos como “green forest trade” comércio verde da Amazônia sustentável.
Oba! Viva o café! Peraí, calma, não é bem assim. Também temos problemas. Não pretendo, nem me cabe oferecer soluções prontas ou dar todas as respostas, mas posso afirmar cabalmente que grandes produções agrícolas JAMAIS foram alcançadas sem um componente essencial – TECNOLOGIA. Agronomia na veia, em doses altas e concentradas.
Sinto dizer, mas tecnologia agrícola, além de essencial, é cara, tanto na geração quanto não oferta e adoção. A boa notícia é que já temos essa tecnologia, a EMBRAPA cuidou da sua parte e a disponibiliza. A má notícia é que a sua perfeita adoção no processo produtivo exige assistência técnica intensiva e eficiente, insumos para a própria terra (adubos e fertilizantes) e para o cultivo, cuidados intensivos com a proteção e combate às pragas, irrigação em muitos casos, cuidados seríssimos no processo de secagem e processamento etc., etc., etc. Em poucas palavras, o aporte de tecnologia depende de assistência técnica e esta é, hoje, em todos os aspectos, insuficiente.
Encontra-se então um nó górdio. Como o Estado do Acre poderia criar um amplo e robusto programa de promoção da cafeicultura, com perspectiva de crescimento exponencial da produção a partir da conversão de áreas já desflorestadas e, de fato, se transformar em player do café, o que já acontece em Rondônia?
Penso que no caso do Acre, assim como em outras partes da Amazônia, a viabilização de milhares de pequenos produtores dispersos em inúmeras comunidades, muitos contando apenas com a própria família e escassos recursos além da terra, incumbe ao Estado o papel indispensável de prover toda a assistência técnica necessária. Isto se, de fato, pretendemos dar prosseguimento à cafeicultura como espaço econômico eficiente de formação de capital, com oportunidade para transbordamento de efeitos sociais de alta relevância para o Acre, que se apresenta seguidamente como um dos mais pobres da federação, encalacrado há décadas em 0,16-0,17% do PIB brasileiro. É fácil entender que todo o enorme potencial da cultura cafeeira no Acre, centrada grandemente em pequenas unidades produtivas, depende do aporte de tecnologia que o Estado possa oferecer, além, é claro, de capital e de uma organização da produção capaz de superar gargalos crônicos de infraestrutura, acesso, informações etc.
Outro ponto a considerar é a disposição dos órgãos federais a permitir, nessa grande usina de sequestro de carbono, que o café seja, no mínimo, considerado neutro ou de muito baixo impacto na emissão de gases do efeito estufa, o que poderia, com boa vontade, ser suficiente para liberar as Unidades de Conservação e Terras Indígenas para o plantio de café, gerando a partir daí, uma ocupação rentável nas áreas já desflorestadas e em comunidades empobrecidas. Aliás, a extrema pobreza na UC’s foi recentemente revelada pela CPI da ONG’s. É fundamental que os órgãos federais abram para as UC’s e TI’s, a possibilidade da produção de café e, sendo assim, que o financiamento dos volumosos e variados fundos de proteção da Amazônia, muitos a título de doação, normalmente dissipados em atividades que quase nunca chegam na ponta, ou seja, no produtor rural, sejam direcionados para a atividade tanto quanto possível.
Dado que, observando os documentos e discursos federais, a oferta de capital não é exatamente um problema para exploração em áreas já desflorestadas, parece bastante razoável apontar a viabilidade do café como produto acreano de alta relevância em sua pauta, inclusive de exportação, se dois fatos concretos acontecerem: Alta e eficiente inversão em assistência técnica, e abertura do cadeado imposto pelos órgãos federais nas unidades de conservação e terras indígenas. Removidos esses dois gargalos, é possível, creio, apostar no café como um dos grandes impulsionadores da economia acreana.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no site ac24horas e, eventualmente, no seu BLOG, no site Liberais e Conservadores do intelectual, jornalista e escritor Percival Puggina e outros sites. Quem desejar adquirir seu livro “Desaforos e Desaforismos (politicamente incorretos)” pode fazê-lo por este LINK.
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