O presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), Jorge Viana, vê espaço para o Brasil atingir a marca de US$ 1 trilhão por ano em intercâmbio comercial. Em 2022, a corrente de comércio do país com o resto do mundo ficou em aproximadamente US$ 600 bilhões.
Viana prefere não fixar um prazo para alcançar esse novo patamar, mas afirma que o Brasil perdeu tempo ao misturar negócios com política. “Comércio é comércio, negócios são negócios, relações políticas à parte”, disse o ex-senador e ex-governador do Acre, em entrevista.
Viana usa o exemplo de China e Taiwan para argumentar que, seja na Venezuela de Nicolás Maduro ou em uma Argentina eventualmente governada por Javier Milei, o relacionamento comercial precisa ser cuidado como um ativo para além de discordâncias políticas.
Apesar do fantasma permanente de uma invasão militar determinada por Pequim, Taiwan teve um superávit acima de US$ 100 bilhões com a China — que depende dos chips desenhados na ilha asiática.
Viana conta, nesta entrevista, quais são as iniciativas da Apex para aumentar exportações brasileiras nas Américas e na África, entre outros mercados.
Nos dias 7 e 8, a Apex promoverá em Brasília – junto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – um fórum empresarial de atração de investimentos no Brasil. Uma das prioridades será apresentar oportunidades do Novo PAC para investidores internacionais.
Leia os principais trechos da entrevista de Viana à CNN:
CNN: O Brasil tem enfrentado perda de participação em mercados tradicionais para seus produtos industrializados, como a América do Sul e a África, para outros fornecedores, principalmente chineses. O que a Apex está fazendo para recuperar esses mercados?
Jorge Viana: Estamos tentando descontaminar a Apex. Houve uma rotação alta de dirigentesm Passaram por aqui, nos últimos quatro anos, 25 militares. Nada contra os militares, mas na função que eles precisam ter. A Apex trabalha, tem convênios de promoção, com 54 setores da economia. E o que eu consigo identificar nessa chegada nossa aqui é que o conflito político que o Brasil viveu nos últimos sete, oito anos, afetou fortemente o nosso fluxo de comércio exterior.
CNN: Em que sentido?
Viana: O Brasil podia estar lá na frente, do ponto de vista das exportações e do fluxo comercial com o mundo inteiro, mas ficou pra trás. O presidente Lula está abrindo portas para que possamos retomar o nosso protagonismo comercial que o Brasil. Neste ano, tudo está caminhando para termos um saldo comercial de US$ 93 bilhões — 50% a mais do que tivemos em 2022. Mas é preciso ser uma via de mão dupla, com mais importações também. Em 2003, no primeiro ano de mandato do Lula, tínhamos um fluxo comercial da ordem de US$ 100 bilhões. Oito anos depois, quando ele saiu, o intercâmbio era de US$ 400 bilhões. Passaram-se mais 12 anos e só chegamos a US$ 600 bilhões. Isso mostra como o Brasil perdeu tempo. Houve uma ausência da diplomacia presidencial nos últimos anos. Quem melhor vende um país é a liderança do país. E o Brasil tem um potencial nas suas empresas, nos seus setores econômicos, que é extraordinário. Vai de commodities agrícolas até a produção de alimentos processados e os aviões da Embraer.
CNN: Existe alguma meta?
Viana: Não é uma meta, mas poderíamos estar hoje na casa de US$ 1 trilhão em fluxo de comércio exterior. E estamos pouco acima da metade disso. Aproveitando a volta da diplomacia presidencial, o Brasil tem que mirar US$ 1 trilhão. Estamos fazendo um trabalho junto com o Itamaraty, com o Ministério da Agricultura, com o MDIC para recuperar o tempo perdido e ter uma boa leitura do cenário mundial.
CNN: Com que tipo de ação?
Viana: Juntamos todos os setores comerciais de cada embaixada e cada consulado na América do Sul, na África, na América Central, México e Caribe. Passei três dias ouvindo essas equipes. Até janeiro vamos fazer a mesma coisa nos Estados Unidos e no Canadá. É uma leitura dos espaços e oportunidades, que as estatísticas não mostram muito, para mapearmos o que pode ser feito. A América Central, o México e o Caribe têm um PIB de US$ 2 trilhões. Os Estados Unidos vendem US$ 900 bilhões anuais para lá. É uma vez e meia todo o fluxo de comércio exterior do Brasil. Enquanto outros exploram oportunidades, nós fechamos embaixadas no Caribe. Vamos dar uma atenção diferenciada também para os Estados Unidos e para o Canadá. E obviamente, na nossa estratégia, tem a Asean (bloco de dez países do Sudeste Asiático) e a Ásia toda.
CNN: Há alguma iniciativa prevista para o Oriente Médio?
Viana: O presidente Lula aproveitará a viagem para a COP28, nos Emirados Árabes, para fazer outras duas visitas. A intenção é ter uma missão na Arábia Saudita, provavelmente nos dias 28 e 29 de novembro, em que a gente organizará também um encontro empresarial. Depois, uma passagem pela Alemanha, nos dias 3 e 4 de dezembro.
CNN: Essa viagem de Lula para a Arábia Saudita terá um foco mais econômico-comercial?
Viana: Olha, em todas as leituras do comércio exterior que se fazem no mundo, a Arábia Saudita está presente do ponto de vista de oportunidade comercial. Ela tem um dos maiores fundos de investimento do planeta. Não vamos para lá com o intuito de abrir joalheria. Vamos buscar oportunidades para as empresas, para negócios brasileiros, atrair investimentos. O mundo árabe — são 22 países — têm identidade conosco. Nós temos, da comida, a presença do mundo árabe aqui conosco. Essa ida do presidente vai virar uma página que não trouxe nada de bom para o Brasil [em referência ao caso das joias dadas como presente para Jair Bolsonaro]. Temos oportunidades imensas com o Novo PAC. E esses países, em especial os Emirados Árabes e a Arábia Saudita, possuem fundos com vontade de fazer investimentos em um país como o Brasil.
CNN: Mas esses eventos empresariais, missões com ou sem o presidente, geram resultados efetivamente para o incremento dos negócios?
Viana: Vou dar um exemplo sobre essa questão de o Brasil voltar. Nós tivemos agora a Anuga, maior feira de alimentos e bebidas do mundo, em Colônia (Alemanha). É o grande supermercado da Europa. Nós tivemos 250 empresas brasileiras, levamos até companhias que nunca haviam exportado nada, investimos R$ 14 milhões da Apex nesta edição. E essas empresas fecharam um total de US$ 6,1 bilhões em contratos. Isso é 50% a mais do que o recorde anterior de vendas. Contratos de carne, alimentos processados, bebidas.
CNN: Um dos mercados em que o Brasil perdeu participação em produtos industrializados foi a Argentina. Se Javier Milei ganhar e tirar o país do Mercosul, isso afetará ainda mais os exportadores brasileiros?
Viana: O básico da presença em comércio exterior é ter acordos. Quem propõe sair de acordo, em qualquer situação, representa o atraso do atraso. O Mercosul demorou muito tempo para sair. O desafio é fazer rapidamente, ou transformar, dar eficácia, depois de 20 anos de negociações, o acordo Mercosul-União Europeia. Com isso, teríamos o maior bloco econômico do mundo.
CNN: Mas a crítica de Milei é que o Mercosul não consegue celebrar acordos comerciais. O Uruguai também tem colocado isso. O sr. não acha que o Mercosul precisa ser mais rápido e mais ambicioso em suas negociações?
Viana: Eu acho que sim, mas sem nos posicionarmos como inimigos do nosso mais importante parceiro comercial, que era a Argentina. A consequência disso foi uma queda de 40% do fluxo de comércio com a Argentina nos últimos quatro anos. Temos outros acordos comerciais para fazer, como um acordo do Mercosul com todo o continente africano. Na ausência disso, a China cresceu na África, a Índia tomou posição e os Estados Unidos se viram grandes.
CNN: Mas, na prática, o sr. torce por uma vitória de Sergio Massa na Argentina?
Viana: Todo mundo sabe da simpatia que o governo [Lula] tem pelo Massa. Eu mesmo tenho até uma relação pessoal, eu diria, com ele [Massa], mas é uma decisão do povo argentino — que eu espero que seja a melhor.
CNN: Se ganhar Milei, a relação econômica e comercial fica prejudicada?
Viana: O comércio exterior, a ação empresarial de um país como o Brasil, não podem ser prejudicados pela querência dos governos. Isso tem que ser separado. Comércio é comércio, negócios são negócios, relações políticas à parte. O presidente Lula sempre defendeu a construção de diálogos. Ele acabou de ajustar a relação com a Venezuela e diminuir a tensão que havia. Já tivemos um fluxo comercial de US$ 6 bilhões por ano com a Venezuela e isso caiu para US$ 300 milhões. Deixar de reconhecer um governo na Venezuela, ou de ter embaixador no país, prejudica as empresas brasileiras — não partidos políticos. Veja o que acontece com a China e Taiwan. Pode haver tensão geopolítica permanente, mas o superávit comercial de Taiwan com a China é de mais de US$ 100 bilhões por ano. Eu falo sem medo de errar: quando um presidente do Brasil demora 40 dias para reconhecer a eleição dos Estados Unidos, isso prejudica os negócios. Ficar tensionando o tempo inteiro com a Argentina, que é o nosso maior parceiro comercial na América do Sul, prejudica os negócios.
CNN: O sr. mencionou ações que buscam aumentar as exportações do agronegócio. A propósito disso, consegue enxergar uma mudança de postura do agro com o governo Lula ou a resistência ainda é muito grande?
Viana: Nós estamos trabalhando para isso. Mais de 40%, todo o trabalho que a Apex faz está vinculado a algum segmento do agronegócio brasileiro. Eu já fui a 20 estados, tenho sido muitíssimo bem tratado, em todos os lugares. O governo Lula anunciou um Plano Safra recorde, com mais de R$ 400 bilhões. Estamos batalhando, junto com o ministro [Carlos] Fávaro, para aumentar o seguro rural por causa da crise climática. Nunca passamos de R$ 1 bilhão. Queremos o seguro rural com R$ 2 bilhões. Temos atenção com a infraestrutura para o escoamento da produção. Foram abertos 52 mercados para produtos agrícolas neste ano. É um esforço do nosso governo, um esforço pessoal do ministro Fávaro, eu tenho acompanhado isso. Essa atitude não é condicionada a nada. Quem quer crescer, quem quer fazer negócios, quem busca a prosperidade do país, pode enxergar no presidente Lula um aliado.
CNN: O sr. esteve recentemente na África, em reunião com embaixadores e adidos comerciais, para identificar oportunidades de aumentar as exportações brasileiras para o continente. Qual será a estratégia?
Viana: Primeiro nós precisamos constatar que houve um posicionamento até criminoso: o Brasil sair da África. Nós temos raízes com esse continente, é um continente ainda com muita desigualdade. Mas foi além do erro político. O mundo inteiro deveria estar com um olhar diferenciado para a África. O planeta vive uma crise demográfica. O mundo está envelhecendo aceleradamente, inclusive o Brasil. Dados da ONU apontam que o continente africano tem 1,4 bilhão de pessoas em um mundo com 8 bilhões. Só na metade deste século muitos países da Europa e da Ásia podem ter metade da população atual. E a África terá 4,5 bilhões de habitantes.
CNN: A perspectiva de crescimento da África está clara, mas existe algum plano do Brasil para aproveitar isso?
Viana: O Brasil está voltando com o financiamento das exportações. Na África, isso tem especial importância. Não dá para o Brasil planejar aumento das exportações para o mercado africano sem financiamento. Se for sem crédito, melhor nem ir. Porque não tem sentido fazer diferente. Infelizmente, muita gente trabalhou contra o Brasil quando distorceu o conceito de financiamento ao comércio exterior. A Embraer não tem como vender um avião se não tiver o crédito junto. O financiamento é peça-chave na exportação dos serviços de engenharia. Uma obra feita por construtora brasileira leva materiais, insumos, equipamentos fabricados no Brasil. É emprego gerado aqui. Tudo isso precisa voltar. Se tem mau uso em uma obra lá fora, corrige-se o mau uso. O que não se pode é eliminar todo um sistema essencial na disputa por espaço no comércio exterior.
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