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Dona Jupira, a violenta terrorista golpista de Nárnia

Por
Valterlucio Campelo

A narrativa do Golpe de Estado está, aos poucos, se demonstrando o que chamo de “Golpe no Reino de Nárnia”, remetendo à fantasia que sustenta o roteiro da trilogia do incomparável C. S. Lewis, levada ao cinema. Por aqui, os “narnianos” criaram um roteiro no qual cerca de dois mil idosos, senhoras e senhores, munidos de bíblias e bandeiras, além de uma penca de arruaceiros, previamente revistados, desarmados, sem liderança, sem palavra de ordem, sem organização, sem financiamento, sem apoio de políticos, de partidos, força armada ou da imprensa, sem ancoragem em outro país, sem ideologia unificadora, pretenderam dar um “Golpe de Estado” com tomada violenta do poder. Coisa de fazer inveja ao Al-Qaeda, Boko Haram, Hamas e Hezbollah juntos.


Na semana passada, ninguém menos que o Ministro da Defesa do governo Lula da Silva, José Múcio, desmontou em poucas palavras a narrativa dizendo com todas as letras “O que houve foi uma baderna patrocinada por alguns irresponsáveis (…) aquilo parecia um ajuntamento de empresas de turismo que foram à Brasília”. O maior jurista brasileiro vivo, Ives Gandra da Silva Martins AQUI é pedagógico, demonstrando a impossibilidade de que o ocorrido tenha sido tentativa de golpe.


São declarações obvias para qualquer cidadão intelectualmente honesto e apartado da militância. Infelizmente, como disse o filósofo britânico G. K. Chesterton (Ortodoxia, 1908), “Se você dissesse a um homem moderno que a grama é verde, ele provavelmente começaria a questionar se a grama é realmente verde. […] Ele pode até mesmo argumentar que a grama não existe, mas é apenas uma construção da nossa mente.”. De lá pra cá, o troço exacerbou-se. Ou seja, o que você viu, o que você sabe porque viu, pode não ser o que você viu porque tudo deve ser submetido à teoria crítica, ou porque uma determinada autoridade ordena que você não viu o que viu. Então, cada vez mais é preciso repetir que a grama é verde, inclusive para jornalistas. Que tempos!


A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI dos atos de 8 de janeiro termina com relatório narniano encomendado de véspera. Nascida para não dar em nada, o que é bem provável em termos de punição, mesmo assim produziu muito em desvelar a farsa. Lá ficou demonstrada a leniência das instituições responsáveis pela segurança dos prédios da praça dos três poderes, a contenção inexplicável de batalhões de repressão, a participação de infiltrados, o perfil amistoso e inoperante da grande maioria dos “golpistas”, a impossibilidade fática do crime atribuído e mais não foi porque o comando da Comissão, assaltado pelo governo, evitou os principais depoimentos e protegeu seus membros, como, por exemplo, o Comandante da Força Nacional que ficou parada a metros do vandalismo sem fazer nada. Para completar, sumiram impunemente com a maior parte das imagens do dia 08/01, numa evidente obstrução da justiça e fuga da realidade para que prevaleça a balela narniana. O governo foge como rato das imagens e depoimentos elucidativos, e comemora a frustração da CPMI em atitude cínica e covarde.


Mais reveladores, creio, são os julgamentos um a um dos mil e tantos “terroristas golpistas”. Sem querer, caíram numa esparrela. Explico. Se foi possível, sabe-se lá por qual Lei, prender a granel e afrouxar o regime prisional em baciadas, as condenações precisam ser individuais. É aí que os réus são conhecidos um a um. Para usar a semântica “inteligentinha” da moda, eles foram reumanizados, vemos-lhe o rosto, a história, as condições, o intento, então, a penalização absurda como, aliás, é toda essa tragédia orweliana, resta descabida e inaceitável. 


Na semana passada, foi condenada a 14 anos de prisão, a senhora Jupira Silvana da Cruz Rodrigues (foto acima), de 57 anos, dona de casa, casada há trinta anos, evangélica, mãe de três filhos, avó, “pobre de jó” que, aliás, já foi candidata pelo PT(!), se atreveu a ser patriota, pegar sua bandeira e viajar de Betim à Brasília para participar de manifestações em defesa da democracia. Pelas redes sociais e sites de notícias, onde transitam os fatos como eles são, o sujeito ao ver aquela senhora pensa imediatamente que algo não está batendo. Aquela ali não pode ser uma perigosa terrorista golpista, não há hipótese de que pretendesse a tomada violenta do poder se as armas mais perigosas que manuseou durante toda a vida foram uma faca de cozinha e um cortador de unhas. Alguma coisa errada não está certa, diria uma certa Dilma que já portou metralhadora para assaltar bancos.


Assim como a dona Jupira, tem a dona Nilma Lacerda Alves, agente comunitária no município de Barreiras-BA, também mãe e, nos fins de semana, cuidadora de idosos.  Tomou também 14 anos de prisão porque estava no hall de entrada. Não foi apresentada nenhuma prova ou indício de que tivesse participado de qualquer vandalismo. Apenas estava lá, o que neste processo é suficiente para levar uma cana superior à pena que os mesmos juízes dão a assassinos e narcotraficantes. Além disso, as condenações cobram uma multa milionária a ser repartida em cotas pelos condenados. Dona Jupira e dona Nilma terão que trabalhar o resto da vida para satisfazer a sanha persecutória.


A realidade desmente o golpe narniano de forma mais rasa pela mera, flagrante, obvia, ululante IMPOSSIBILIDADE do crime. Um homem não pode matar outro com uma bolinha de papel (lembra do José Serra?) embora não deva jogá-la. Bastaria uma olhada no Código Penal, Art. 17: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”, para arquivar a coisa toda e ir atrás dos vândalos por… vandalismo, ora! Desconfio, porém, que os diretores e roteiristas do “Golpe no Reino de Narnia” não entregarão os pontos. Os direitos do filminho foram adquiridos, os artistas foram contratados, o cenário está pronto, figurinistas, locação, programadores, etc., está tudo pronto, não dá para recuar. 


E a imprensa? Como disse Ruy Barbosa na famosa conferência de 1920 – A imprensa e o dever da verdade, ela “é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alveja, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça”. A imprensa insistirá em dizer que o “Golpe de Nárnia” é real? Creio que sim. Há muito tempo a imprensa rasgou seu compromisso com a verdade e degradou-se em militância de causas e projetos. Veja-se a derrama de dinheiro que o atual governo promete para as empresas do setor e fica fácil prever.


Sobre o resultado, consultemos o próprio Ruy: “Um país de imprensa degenerada ou degenerescente é, portanto, um país cego e um país miasmado, um país de ideias falsas e sentimentos pervertidos, um país, que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições”. Então, não se espere que a grande mídia e seus telejornais recuem na sua fantasia, ela está cheia de abagualados e bocórios dispostos a manter a narrativa contumeliosa.


Ocorre que os julgamentos estão apenas no começo. Imagine quando tivermos dia a dia levando chicotadas jurídicas, centenas de donas de casa, outras centenas de idosos, sabe-se lá quantos portadores de deficiências e doenças crônicas absurdamente sentenciados como terroristas golpistas. Quem sustentará por meses uma falsífica dessas? Suas excelências passarão à história bancando um pastelão jurídico de tal monta e duração?


Uma medida importante foi tomada nesta segunda-feira pelo Ministro André Mendonça, do STF, que pediu destaque levando o julgamento dos processos ao plenário físico, onde o mínimo e sacrossanto direito de defesa poderá ser efetivamente exercido presencialmente através dos advogados. Que volte a ser direito inalienável, como de fato é. Lembremos que até isso havia sido negado, ocorrendo em plenário virtual, talvez para amenizar a vergonha de apresentar vereditos escritos, aprontados de véspera, o que significa a demência da Justiça, afinal, se não há chance de surtir efeitos em favor do réu, nenhuma arguição de defesa tem serventia.



Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no site ac24horas e, eventualmente, no seu BLOG, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor Percival Puggina e outros sites. Quem desejar adquirir seu livro “Desaforos e Desaforismos (politicamente incorretos)” pode fazê-lo por este LINK.


 


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