Categories: Coluna do Astério Editorial

Marco temporal; sobre Deus, homens e diabos!

Por
Astério Moreira

Foi há muito tempo que eles chegaram trazendo em seus corpos peludos escondidos em suas roupas elegantes e nas caravelas um marco temporal. Ocultavam em suas entranhas a morte: gonorreia, sífilis, gripe, sarampo, coqueluche, tuberculose, varíola… piolhos, baratas e ratos.


Morremos aos milhares nas aldeias, na floresta e nas margens dos rios. Não compreendíamos nem sua língua, nem nada. Traziam nas mãos a bandeira e a cruz de um deus, mas em seus corações um diabo que também não conhecíamos.


Eu era muito jovem, mas ainda me lembro. Crianças, mulheres, meninos e velhos todos morrendo nas aldeias quando eles nos contaminaram. Não tínhamos nenhuma defesa natural. Após nos dizimar foram ocupando a terra abençoada em que vivíamos. Até inventaram nomes para ela: Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz. (da verdade e de santos não tinha nada).


Quiseram nos escravizar para trabalhar na extração de madeira e em suas fazendas de cana-de-açúcar. Fugimos para o coração da floresta, mas já era tarde demais; guerreamos com arco e flecha, eles com pólvora e chumbo.


Então trouxeram homens, mulheres e crianças negros como a noite do além-mar. Eu os vi trabalhando, cansados e com fome, amarrados em troncos açoitados até a morte. Suas jovens sendo escravizadas e estupradas. Meu coração dilacerado sangrou. A chegada dos homens de pele negra foi outro marco temporal. Nunca vi tanta crueldade no coração dos homens.


Eram estranhos porque sempre aos domingos, sob um céu estrelado, cultuavam o seu deus apresentando uma cruz como o marco temporal deles. O antes e o depois da história. Com o tempo aprendemos sobre Deus e descobrimos que eles viviam e faziam exatamente o contrário do que Ele tinha dito para fazer. Era algo sobre amor. Não sabiam nada sobre amor, mas na arte da ganância eram mestres. Do marco temporal que eles trouxeram surgiu: senhores, escravos e nós… como somos até aos dias de hoje, nós.


Com o tempo cresceram, se multiplicaram como uma praga de gafanhotos na terra. Construíram cidades, prédios, casas, estradas e palácios destruindo a vida e a natureza. Agora nos falam de um novo “Marco Temporal” para nos segregar, destruir e saquear nossa terra até que não haja mais nenhum de nós como fizeram no passado.


Sabemos que são os mesmos que vieram nas caravelas, que trouxeram as doenças, os homens negros como escravos e o marco temporal da morte disfarçado em uma bandeira de cristo, uma cruz e uma bíblia. Com uma diferença, não estamos mais sozinhos.


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Astério Moreira

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