O Estado do Acre pode sofrer com uma nova crise imigratória devido os países como Peru e Chile aumentarem seus controles em suas fronteiras. A informação consta em uma reportagem publicada na BBCNews nesta quarta-feira, 27.
De acordo com a reportagem, 3.375 venezuelanos ingressaram no Brasil em 2022 pela fronteira do Acre com o Peru, um aumento expressivo em comparação com 2021, quando 1.862 entraram, e com 2020, quando 572 entraram, segundo dados coletados pela Polícia Federal no município fronteiriço de Assis Brasil e obtidos pela BBC News Brasil.
Segundo o jornalista Sam Cowie, no passado, haitianos eram maioria, mas hoje, os venezuelanos são, com quase exclusividade, o maior grupo estrangeiro que entra no Brasil pela fronteira com o Acre. Especialistas locais ouvidos pela reportagem explicam que o endurecimento das regras da migração no Peru e Chile, incluindo a militarização das fronteiras desses dois países, contribuem para esse aumento de migrantes venezuelanos para o Brasil.O número crescente de imigrantes já sobrecarrega abrigos, segundo as autoridades locais, e desperta temores de uma nova “crise migratória”, como visto no Estado em 2013 e 2021.
Esses receios são acentuados por um decreto governamental do Peru, que cogita expulsar estrangeiros indocumentados, que entrará em vigor em 28 de outubro.
“Esta nova política do governo peruano nos preocupa muito, porque seremos aquele local para onde os imigrantes vão recorrer na primeira hora”, diz Letícia Mamed, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Acre (Ufac) que estuda migração no Brasil.
“Não consigo nem imaginar como isso não vai sobrecarregar nossas bases de apoio aqui, porque elas existem, mas são pequenas”, acrescenta.
“A expectativa é exatamente essa, que haja uma intensificação dos fluxos aqui pela nossa fronteira, o que é bastante complicado porque hoje já temos um fluxo muito intenso.”
Procurado pela BBC News Brasil, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil, reconheceu a gravidade da situação do Acre e afirmou que “a América Latina e o Caribe enfrentam uma crise de deslocamento sem precedentes, tanto em sua complexidade quanto em sua escala”.
“O deslocamento forçado na região, inclusive através das fronteiras do Acre, está sendo gerado por causas básicas, contínuas e intensas, como violência, insegurança, desigualdade e violações dos direitos humanos”, observa o Acnur.
“Esta situação é agravada pelo aumento da xenofobia e pelo pesado tributo que a pandemia da covid-19 causou às pessoas mais vulneráveis da região.”
Semana passada, a Anistia Internacional lançou o relatório “Regularizar e Proteger: Obrigações internacionais para a proteção dos cidadãos venezuelanos” que destacou o “crescente êxodo de venezuelanos” e “o fracasso da Colômbia, Peru, Equador e Chile em cumprir suas obrigações”.
“Diante de uma crise sem precedentes na região, Colômbia, Peru, Equador e Chile não conseguiram ou não quiseram proteger aqueles que fogem da Venezuela. As diversas medidas e programas que estão a implementar para lhes oferecer o estatuto regular de migrantes não cumprem os padrões definidos pelo direito internacional. Estes Estados têm a oportunidade e a obrigação de proteger com urgência os mais de 5 milhões de venezuelanos nos seus territórios”, afirmou Ana Piquer, diretora para as Américas da Anistia Internacional.
As autoridades do Acre já sentem a pressão migratória. O Estado tem três casas de passagem, locais onde os imigrantes podem tomar banho, comer e dormir e depois seguir viagem. Uma fica em Assis Brasil, na fronteira com o Peru, outra em Brasiléia, a duas horas de carro da fronteira, e outra em Rio Branco.
Aurinete Brasil, assessora técnica regional da organização humanitária Cáritas no Acre, conta à BBC News Brasil que, quase todos os dias, cada casa está operando perto ou acima da capacidade. Às vezes, estes locais recebem até o dobro de pessoas do que o número máximo para o qual foram planejados, observa a assessora. “O Acre não tem condições hoje de acolher 200 pessoas, se chegarem ao mesmo tempo”, diz ela.
“Infelizmente, as nossas fronteiras, nosso Estado, não tem uma política adequada, uma política de acolhimento, integração, proteção ao migrante e refugiado. Assim como a maioria dos Estados”, acrescenta. “O Brasil abre os braços, mas não abraça.”
Ela destaca as violências sofridas no Estado por imigrantes que não têm onde ficar.
“Se ele [o imigrante] não tiver dinheiro para pagar uma noite no hotel, ele acaba nas ruas, vulnerável a todo e qualquer tipo de violência”, afirma.
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