Acre vive “isolamento aéreo”

Por
Itaan Arruda

Com passagens que rotineiramente ultrapassam R$ 3 mil, duas companhias aéreas excluem cidadãos a direitos básicos, oneram cofres públicos e expõem ineficácia dos governos que, na prática, ainda não formularam um plano de fortalecimento da aviação regional


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Não há vagas. Essa é a informação mais comum oferecida por profissionais das agências de turismo do Acre a quem se aventura a comprar passagem de avião partindo de Rio Branco com destino a qualquer lugar do país. Na sexta-feira (22), somente com partida de Porto Velho, seria possível viajar para Brasília, por exemplo, ao preço de R$ 3,2 mil. Trecho de ida, apenas.


Essa exclusão imposta ao povo do Acre pelo restrito mercado aeronáutico brasileiro gera impacto na vida de muitas pessoas. Gente como Samara Silva, 30, moradora de Senador Guiomard. Ela é vendedora ambulante no Terminal Urbano de Rio Branco, próximo à bilheteria. Vende jujubas, chicletes, cocadas, paçoquinhas. Alguns produtos são oferecidos na oferta de “dois por cinco”. É o máximo de promoção que ela pode apresentar aos clientes.


(Foto: Sérgio Vale – Samara Silva, 30, de Senador Guiomard, e a filha de 3 meses

A rotina inicia de madrugada, sempre acompanhada de Maria Eloá Victória, a caçula das três filhas. A criança tem apenas três meses e um problema congênito em um dos olhos. Ela precisa fazer uma cirurgia fora do Acre. Samara acionou o setor de Tratamento Fora do Domicílio, a única possibilidade para salvar a visão da criança.


“Eles me informaram para aguardar”, disse a vendedora, enquanto passava o troco e armava o sorriso quase sempre fácil a um cliente. “Sem o TFD, sem essa ajuda, eu não tenho condições de dar saúde a ela”.


Para garantir o direito à saúde da filha, Samara organiza uma rifa para se preparar para a viagem prometida pela Secretaria de Estado de Saúde. Vai sortear um conjunto de copos térmicos. Na quinta-feira, em um ambiente com sensação térmica próxima de 40ºC, ela ensaiou um desabafo, espremido pelo eterno bom humor, próprio dos bons vendedores. “Tem dias aqui, que eu não tenho nem como comprar fraldas pra ela”, revela, embalando a criança, agoniada com o calor e o barulho. Sem o Estado para viabilizar o tratamento especializado, Maria Eloá jamais teria condições de ser cirurgiada fora do Acre.


Isso tem tudo a ver com o preço abusivo das passagens aéreas. De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), o Governo do Acre gastou a mais R$ 672,7 mil com passagens para pacientes realizarem Tratamento Fora de Domicílio e com setor Administrativo, para integrantes da equipe de gestão da Sesacre.


Os números são os seguintes: em 2022, o Governo do Acre gastou com TFD’s R$ 13,71 milhões. E R$ 2,84 milhões com o setor administrativo. Somando, a Sesacre gastou aproximadamente R$ 16,55 milhões. É um custo necessário para manter técnicos atualizados com política pública em Saúde e pessoas como Maria Eloá com acesso à atendimento especializado não disponível aqui.


O susto vem agora. O ano de 2023 nem terminou ainda e os custos com esses serviços já ultrapassaram, em setembro, o montante de todo o ano passado. Com o TFD, a soma já ultrapassa R$ 15,48 milhões. E com o setor Administrativo R$ 1,74 milhão. São mais de R$ 17,22 milhões em apenas nove meses. E ainda há mais três meses de muita viagem a ser feita para garantir o direito ao acesso à saúde a muita gente. A diferença de R$ 672,7 mil se deve ao alto custo das passagens de avião.


(Foto: Pedro Pascoal, secretário de Estado de Saúde: preços altos das passagens aéreas aumentaram custos da Sesacre)

“Houve um aumento significativo por conta da malha aérea que nós temos hoje e essas situações acabam onerando o Estado porque jamais faremos cortes pontualmente nessas situações. É direito do paciente e dever do Estado prover essas cirurgias, uma vez que não são ofertadas aqui ou pacientes que iniciaram tratamento fora e precisam de acompanhamento”, explicou o secretário de Estado de Saúde, Pedro Pascoal. “Mas é fato que nós aumentamos consideravelmente o gasto”.



Fundo Nacional de Aviação Civil tem R$ 30 bilhões em caixa

Há uma alternativa. E ela pode vir por meio de uma alteração na lei de criação da Fundo Nacional de Aviação Civil. A proposta foi apresentada pelo senador Alan Rick (UB/AC). O Projeto de Lei do senador acreano (4388/2023) permite a utilização de recursos do FNAC para subsidiar a aquisição do querosene de aviação comercializado em aeroportos localizados na região Norte.


“Esse fundo tem mais de trinta bilhões de reais e teve grande aporte após o processo de privatização dos aeroportos brasileiros”, contabiliza o senador.


A medida tem como objetivo diminuir custos de operação com consequente barateamento do preço das passagens. “É uma forma, é uma ideia. Alguma coisa precisa ser feita e nós estamos apresentando alternativas”, afirma o senador.


A proposta recebeu reforço da bancada federal do Acre, em agosto desse ano, quando os parlamentares federais pressionaram o então ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, a ser o interlocutor da ideia no Executivo. “Já havia conversado com o ex-ministro que deu encaminhamento ao atual ministro da pasta de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, para priorizar a proposta”, lembra Alan Rick.


Criado em 2011, o Fundo Nacional de Aviação Civil é bancado pelo próprio usuário do sistema por meio do pagamento das taxas aeroportuárias. É vinculado diretamente ao então Ministério de Infraestrutura, atual Ministério de Portos e Aeroportos.
Na prática, nada ainda foi concretizado. O trabalho parlamentar tem sido feito. A apresentação das ideias, a articulação institucional, mas a decisão de ordem política por parte do Executivo Federal ainda não foi efetivada.


PDAR – Já existe o Programa de Desenvolvimento da Aviação Regional. Criado em 2014, está sob a responsabilidade do ministério de Portos e Aeroportos. Na prática, poucas medidas foram concretizadas nesses nove anos de existência. Falta regulamentar. “Isso poderia vir por meio de uma medida provisória ou por meio de lei complementar o que não podemos é deixar as coisas como estão. O Executivo precisa agir”, reclama Alan Rick.


Enquanto isso, o Acre se espreme em 360 lugares diários para ir e voltar para Brasília e outros destinos ao preço de R$ 3,3 mil o trecho, em um mercado oligopolizado por apenas duas empresas.


Cabotagem – Outro projeto de lei do senador Alan Rick sobre o tema é o 4392/2023. A ideia contida neste PL altera o Código Brasileiro de Aeronáutica para permitir a cabotagem aérea a empresas sul-americanas na Amazônia Legal. O projeto está em tramitação no Senado. Foi apresentado na Comissão de Serviços de Infraestrutura e “aguarda recebimento de emendas”.


(Foto: Assessoria/ Senador Alan Rick apresentou dois PL’s sobre aviação regional)

Isso pode ser estratégico para servir de fator de pressão para redução de preços das passagens. São comuns relatos de pessoas que fogem do trecho Rio Branco/Brasília/São Paulo, por exemplo. São Paulo como destino tem outro itinerário para muitos acreanos. “É possível sair de Cobija e chegar em São Paulo por mil e duzentos reais”, anuncia Alan Rick. “Usando empresas peruanas e bolivianas, esse mesmo destino pode ter preço reduzido à metade”. A proposta é que os aeroportos de Rio Branco e Cruzeiro do Sul possam realizar operações com empresas aéreas peruanas e bolivianas.


ILS – Outra necessidade para fortalecer a aviação regional é a compra do ILS. A sigla deriva do inglês: Instrument Landing System. É um equipamento cujo sistema permite pousos e decolagens por meio de instrumentos. O custo talvez explique a dificuldade para aquisição do equipamento. Algo em torno de R$ 18 milhões.


– Fortalecimento da Aviação Regional


– Programa de Desenvolvimento da Aviação Regional


– Uso do Fundo Nacional de Aviação Civil


– Cabotagem (empresas bolivianas e peruanas) nos aeroportos de Cruzeiro do Sul e Rio Branco


– Redução do ICMS a 3% do querosene de aviação


– Instalação do ILS no Aeroporto de Cruzeiro do Sul


Petecão: “Eu pensei que isso fosse um problema só do Acre”

O senador Sérgio Petecão (PSD/AC) teve recentemente uma audiência com o novo ministro de Portos e Aeroportos, Sérgio Costa Filho. Na pauta, o senador acreano também trouxe o bocado de demanda sobre aviação regional.


“Eu pensei que isso fosse um problema só do Acre”, admitiu Petecão. “Mas isso é um problema do Brasil e do Norte com mais força. Há problemas no Amazonas, no Amapá e no Acre nem se fala. Os caras [referindo-se às companhias aéreas], nessa reforma tributária, ainda querem aumentar as tarifas. O negócio é complicado”.


Petecão foi amigo do pai do atual ministro, o ex-deputado Sílvio Costa, do Republicanos de Pernambuco, quando os dois atuaram na Câmara dos Deputados. Petecão acredita nessa suposta proximidade como um fator que possa agilizar as demandas do Acre no ministério.


Oriundo do Republicanos de Pernambuco, Sérgio Costa Filho fez parte da recente minireforma ministerial executada pelo presidente Lula. Ele sucedeu Márcio França (PSB) na pasta de Portos e Aeroportos que foi sacado da cadeira para que o Planalto cedesse espaço político ao Centrão.


Apesar de jovem, já tem o cacoete da turma que representa. “Vou chamar as companhias aéreas para nós discutirmos um plano de aviação para o Acre para ampliar o número de voos e ajudar a população”, prometeu o ministro.


Petecão quer trazer o ministro para participar de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Acre para debater o problema com empresários e gestores públicos.


(Foto: Cedida/Ministro Sérgio Costa Filho e senador Petecão querem fazer audiência pública para debater problema)

Consumidor busca passagem desde maio: “preço não baixa”

O assistente administrativo Adécio de Castro tenta comprar passagem de avião desde maio. Não consegue. “Estamos pesquisando passagens para viajar em abril do ano que vem. Qual é a questão? As passagens não baixam de jeito nenhum”.
O objetivo de Adécio e da cunhada, Fabiana de Alencar, é conseguir passagens para toda família. São 10 pessoas que pretendem passar o mês de abril de 2024 em Fortaleza. Mas o projeto, pelo ritmo, pode ser adiado. “Aí… segundo alguns políticos… Jorge Viana… Alan Rick disseram que teriam três voos diurnos. Mas não adianta ter voos diurnos ou noturnos se a passagem não baixar. Aí… o que vai acontecer? Vão tirar os voos. Vão continuar só os voos à noite e caríssimos. Não baixa de jeito nenhum. Um absurdo isso”.


(Foto: Cedida/Adécio e a cunhada Fabiana de Alencar buscam promoções para Fortaleza desde maio)

Turismo agoniza com atual sistema aeroviário

O presidente do Conselho Estadual de Turismo, Rizomar Araújo, não poupa críticas às empresas aéreas e à classe política. Ele entende que o atual sistema está em colapso e não vê mobilização da bancada federal para ao menos minimizar o problema.


O Turismo no Acre tem jeito?

Rizomar Araújo: Tem jeito e é viável. Mas precisa ter política pública e o setor privado precisa se ajudar. O que as companhias aéreas estão fazendo com o setor aqui do Acre e com as pessoas é desolador.


O que é urgente?

Rizomar Araújo: O que é mais urgente é aumentar o número de voos. A Latam só tem um voo diário. E a Gol de segunda a sexta fazendo o trecho Rio Branco-Brasília-Rio Branco. Sábado não pousa no Acre. A Azul diz que quando chegar aeronaves adquiridas pela empresa retoma voos para cá. O Acre não é prioridade.


Rizomar Araújo: No Acre, somos quase um milhão de habitantes, conforme o último senso. Mas somente 370 pessoas podem ir e vir todos os dias por falta de voos. Como falar de direito de ir e vir? Como falar de desenvolvimento turístico se não conseguimos suprir a demanda interna do nosso estado.


Você diria que o sistema está em colapso?

Rizomar Araújo: O sistema está em colapso. Mesmo que você tenha dinheiro, você não tem como embarcar porque não há vagas suficientes. Se as companhias aéreas não querem colocar outro voo para o Acre, então que mudem as aeronaves! Podem usar uma aeronave com capacidade maior. Outro detalhe são os preços das passagens aéreas. É um absurdo! Três mil e trezentos reais cada trecho para você sair de Rio Branco ou vir.


É um problema político também?

Rizomar Araújo: Há falta de interesse. Muita reunião, muita discussão, mas a efetividade é baixa. O interesse é de todos nós. Não é só para os empresários. É para todo mundo. Falta interesse e atuação forte dos políticos da região Norte para melhorar a vida de todos. Como vamos falar em desenvolvimento turístico para o Acre e para o Norte se nós não temos meios de locomoção para cá?


(Foto: Sérgio Vale/ Rizomar Araújo, do Conselho Estadual de Turismo: falta de interesse da classe política)

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Itaan Arruda