Se considerarmos que o Acre praticamente abandonou seu futuro, como afirmei na coluna passada, é certo que algo precisa ser feito, afinal jovens estão aí a espera de um mundo melhor para viver e crianças nascem todos os dias. A menos que todos resolvam ir embora, deixando a área limpa para gado comer capim, a questão, então, é sobre o que se pode fazer para retomar o rumo de um horizonte desejado.
Primeiro é preciso esclarecer quais seriam os balizadores desse futuro a ser perseguido. Poderíamos tomar como referência os ideais iluministas da Revolução Francesa, de liberdade, igualdade e fraternidade, por exemplo; ou, se esses parecem ideais genéricos demais, a opção pode ser os ODS da ONU (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), que preconizam, entre outros, a erradicação da pobreza e da fome, o cuidado com a saúde e o bem estar de todos, educação de qualidade, equilíbrio nas relações entre homens e mulheres, proteção das florestas e habitação e trabalho dignos para todos. Se esses são parâmetros válidos, dentre tantos outros possíveis, tratemos então de avaliar como estamos hoje e o que fazer para o Acre avançar.
Neste momento amargamos números muito ruins e que descrevem a dura realidade da maioria do povo acreano. Quase metade da população vive em condição de pobreza (45,53%, segundo a FGV Social), a mortalidade infantil e a hospitalização por causas evitáveis ainda são vergonhosamente altos. Vivem em condição de insegurança alimentar mais de 135 mil famílias, sendo que, dessas, 29 mil passam diariamente por alguma situação de fome. A violência das facções impõe taxas de homicídios absurdas e uma rotina de furtos que assusta a todos e aprofunda cada vez mais a perda do espaço público como lugar de convivência e sociabilidade. O machismo faz do estado o campeão nacional em feminicídio.
A tragédia da comunidade Terra Prometida, com seu sofrimento exposto aos olhos de todos, denuncia a absoluta falta de investimento em habitação popular dos últimos anos. A esse quadro de problemas junta-se a escassez de oportunidades de trabalho para os adultos e de perspectiva de carreira e crescimento pessoal para os jovens. Há que se falar, ainda, da explosão do desmatamento e das queimadas nos anos do Governo Bolsonaro, o que não deixa dúvida quanto a preocupante exposição de nossas florestas à ganância dos que desejam substituir árvores, biodiversidade e cultura nativa por qualquer coisa que possa rapidamente virar dinheiro para poucos. O calor desses dias revela o alto preço que pagaremos, todos nós, por isso.
Poderíamos falar ainda da educação que patina, da desindustrialização, da falta de investimento em ciência e inovação e da crescente fragilização das instituições públicas, expostas a uma lógica política tão ignorante quanto perversa. Voltando ao início da conversa, a pergunta que precisamos responder é sobre o que fazer.
A iniciativa da gestão Gladson Cameli com o Agenda Acre 10 Anos é um bom começo. O fato de a proposta abandonar a visão absurda do agronegócio como caminho único para o desenvolvimento, que dominou o primeiro mandato, e adotar uma abordagem mais plural e moderna, retomando o caminho de uma matriz econômica baseada em atividades sustentáveis e centrada na produção familiar e em negócios de pequeno e médio porte, são motivos para elogios. É bom que se diga: é o mesmo caminho indicado pela maioria das gestões da hoje tão criticada Frente Popular. Arrisco dizer que, muito provavelmente, é resultado da influência do documento “Diagnóstico Acre 60 anos”, do CEDEPLAR, da qualidade dos consultores da Fundação Dom Cabral e da sensibilidade dos gestores da SEPLAN, que coordenaram a elaboração do documento.
Uma qualidade digna de elogia da proposta é a compreensão de que é pela educação e a garantia do bem-estar das famílias que as coisas devem acontecer. Outra virtude é assumir os ODS, que mencionei anteriormente, como parâmetros orientadores da estratégia. A quem tiver curiosidade, vale dar uma olhada nos objetivos descritos. São inteligentes e pertinentes, ou seja, apontam na direção correta na busca pelas metas preconizadas. Enfim, temos um bom diagnóstico, um horizonte desejado e estratégias desenhadas. A pergunta agora é: vai avançar? Isso já é assunto para uma outra coluna.
Por enquanto fica o alerta: nada irá acontecer sem que antes se estabeleça um entendimento entre as lideranças sociais, políticas e empresariais locais sobre o valor e a urgência do enfrentamento aos problemas estruturais do estado, cientes que eles impõem dor e sofrimento à maior parte de nossa população. O alinhamento das lideranças é fundamental porque, como bem sabemos, a construção do futuro começa sempre pela política, ou seja, pela articulação de um campo de força com senso de missão, energia e determinação capazes de impulsionar um processo dinâmico e intenso que venha a se desdobrar em distintas frentes de ação. Porém, alguém precisa conduzir. A pergunta, então, passa a ser: temos liderança com inteligência emocional, reputação moral, capacidade política e dinamismo gerencial para conduzir tal processo? Como disse, precisaremos voltar ao assunto em outra oportunidade.
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