Em julho de 2020, a nossa coluna semanal destacou o Novo Marco Legal do Saneamento, aprovado pelo Congresso e sancionado pela Presidência da República. O novo marco estabeleceu 2033 como ano-limite para a universalização dos serviços de água e coleta e tratamento de esgoto. Além do mais, o novo marco ampliou a participação da iniciativa privada no setor.
Nosso objetivo de hoje é situar o leitor para a situação do saneamento no Acre. Vamos utilizar como base, os recentes dados publicas pelo Instituto Trata Brasil sobre a situação do país, das regiões, dos estados e de alguns municípios brasileiros para o ano de 2021. O Trata Brasil é uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, formado por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país. Atua desde 2007 trabalhando para que o cidadão seja informado e reivindique a universalização do serviço mais básico, essencial para qualquer nação: o saneamento básico.
Os efeitos do novo marco legal, a Lei nº 14.026/2020, em praticamente nada mudou nos números da prestação de serviços tão importante para a saúde e para a própria sobrevivência da população no Acre. Os dados para 202, continuam bem abaixo das médias do Brasil e similar às médias da Região Norte, que junto com o Nordeste, apresentam os piores indicadores dentre as regiões brasileiras.
Na tabela a seguir destacamos alguns indicadores para o Brasil, Norte e Acre e incluímos os dois maiores municípios acreanos (Rio Branco e Cruzeiro do Sul). Neles observamos o quanto estamos longe de atingir as metas programadas pela lei, de universalizar os serviços de saneamento até 2033. Ainda temos 49,8% da população sem acesso à água tratada e 88,10% da população não tem acesso aos serviços de coleta de esgoto. Mesmo para 11,90% dos que têm os serviços de coletas de esgotos, somente 11,8% do esgoto coletado recebe tratamento. Em Cruzeiro do Sul, 100% da população não dispõe de coleta de esgoto. Em 2021, tivemos 1.116 internações por doenças de veiculação hídrica, destes 10 foram a óbito. Outra informação importante é que aqueles que não dispões dos serviços de saneamento são aqueles que possuem a menor renda. São os moradores da periferia das cidades, dos moradores da zona rural e da população indígena.
Quanto aos serviços na capital, quando o Prefeito eleito Tião Bocalom se preparava para assumir a prestação dos serviços de saneamento que em 2012, que tinha foi transferido do município para o estado, alertávamos em artigo de dezembro de 2020, que era importante saber que, se uma nova postura por parte do Prefeito eleito não for tomada na gestão dos serviços de saneamento da capital, não deveríamos ter a ilusão de que essa nova mudança representaria, automaticamente, numa solução para os precários serviços que eram prestados à população da capital. A história nos diz que uma alternância do poder não vai, por si só, proporcionar melhorias ante um estado de crise vivido pelo setor. As duas mudanças anteriores não foram capazes de modificar significativamente o panorama dos indicadores da prestação dos serviços, principalmente o acesso universal para toda a população. Infelizmente a história está se repetindo. Rio Branco está há oito anos entre as piores capitais em saneamento: 77% da população não tem acesso à coleta e só 19% do esgoto recebe algum tratamento.
Faltam Investimentos do governo no setor de saneamento. Em matéria escrita pela jornalista Lilian Caramel, no jornal Valor Econômico do dia 31/08/2023, expressa que os especialistas afirmam que: “A média nacional de investimento é de R$ 82 anuais por habitante, mas o Acre, por exemplo, investe apenas R$ 5. A região amazônica continua com indicadores muito ruins, infelizmente. O Pará, que vai sediar a COP 30, tem só 60% da população abastecida com água. Existem mais pessoas sem acesso a água do que a internet no país.” https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/revista-sustentabilidade/noticia/2023/08/31/saneamento-basico-longe-da-universalizacao.ghtml.
No mesmo artigo do Valor, Caramel ouviu o engenheiro Marcos Montenegro, um dos coordenadores do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), que comenta que não existem motivos para celebrar, conta que populações vulneráveis continuam excluídas das políticas públicas. “A lei atualizada não estabeleceu metas para equacionar o saneamento rural, onde o déficit sempre foi grande, nem deu atenção para comunidades tradicionais como quilombolas e indígenas.
Além disso, continua Montenegro, a privatização coloca um operador privado que não tem interesse na prestação integrada. Isso é algo importante, que se fala desde a década de 1990 e integra saneamento e urbanização, com foco na eficiência dos gastos públicos. Conforme cálculos do especialista, 40% da população brasileira vive em situação de pobreza ou de baixa renda, mas alguns contratos recentes de concessão vêm limitando a 5% a parcela dos usuários com direito à tarifa social.
O Debate do Saneamento no mundo toma corpo e chega na ONU. Em artigo publicado no Portal Outras Palavras, no dia 31/07/2023 destaca um artigo escrito por 6 renomados especialistas sobre o tema no mundo, dentre eles, o pesquisador brasileiro Léo Heller. O artigo traduzido pelo Portal é intitulado: Qual água a Conferência da ONU levará adiante: um direito humano fundamental ou uma mercadoria? que está disponível no seguinte endereço:https://outraspalavras.net/alemdamercadoria/assim-os-rentistas-cobicam-as-aguas-do-mundo/.
No artigo, os autores advertem quanto ao risco dos desdobramentos da Conferência da ONU sobre Água, realizada em julho deste ano, adotarem uma visão neoliberal sobre os serviços de saneamento e os recursos hídricos, aprofundando desigualdades e criando novas hegemonias globais por parte do capital.
Por um lado, os neoliberais, representado pela Comissão Global sobre a Economia da Água (GCEW) argumenta que os mecanismos de mercado são uma estratégia necessária para tratar a água como um bem comum global. Destacando a urgência de uma crise de escassez de água, a GCEW traça um caminho com a premissa de “aumentar os investimentos em água por meio de novas modalidades de parcerias público-privadas”, rotuladas como “parcerias justas de água”. O relatório da GCEW enfatiza os mecanismos de financiamento combinados, “recanalizando os subsídios internos ineficientes de hoje, alavancando os bancos multilaterais de desenvolvimento e as instituições financeiras de desenvolvimento e reunindo empresas privadas, bancos e investidores institucionais…”. Os retornos econômicos desses mecanismos, de acordo com a lógica da Comissão, “excederiam em muito os seus custos”.
Por outro lado, longe dos corredores do poder, uma visão muito diferente foi desenvolvida por indivíduos e comunidades na linha de frente das lutas pela justiça da água contra os danos do ajuste estrutural e do comércio desigual, que formularam a necessidade de novos modelos de multilateralismo enraizados na solidariedade e no cuidado, não no lucro. Em síntese os especialistas advertem: corporações querem envolver a ONU na privatização dos recursos hídricos do planeta. Iniciativa afronta movimentos sociais e indígenas – e tenta apropriar-se da ideia de “bem comum”.
Nosso saneamento pede apoio.
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