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Diário de um adolescente acreano sem luz

O que foi feito da minha Esperança? Hoje, o dia está frio; o céu está cinza e eu pareço estar mofo por dentro. Sem ânimo. Mas espere! O que foi que eu perguntei? Eu perguntei ‘O que foi feito da minha Esperança?’? Foi essa a pergunta? Mas se a Esperança é minha por que haveria de alguém ter bulinado nela? Eu permiti que mexessem nela? Quem mexeu na minha Esperança e perdeu o rumo?


Tenho 19 anos. É uma idade que, em uma situação normal, ninguém permite que manejem um valor tão precioso. Com 19 anos, normalmente, somos plenos de certezas; somos impetuosos, galantes, lindos, invencíveis. Mas eu, nos meus longos 19 anos cinzentos, trago em mim um cansaço. E eu não era assim.


Eu lembro quando eu tinha quatro, cinco anos. Minha família era feliz. Meu pai era feliz. Tínhamos até dois cachorros em casa. Íamos para a praia. Eu tenho fotos na praia. Minha irmã até cortou o pé no meio das conchas. Minha mãe ficou nervosa com o sangue que saia do pé dela. Eu sentia que as coisas tinham um brilho diferente.


Em me lembro, por exemplo, que sempre era falado sobre como era bom ser daqui, estar aqui. Na televisão, nas publicidades… em todo canto se falava do Acre e de ser acreano com um certo brilho nos olhos. Havia uma alegria que não era só minha. Eu sentia que aquilo ali era compartilhado. Havia um entusiasmo que não era sentido no singular. Era praticado no plural.


Mas eu não sei o que aconteceu. Algo mudou. E, assim como a alegria estava irmanada, as mãos foram se soltando. Ano após ano; mão após mão; abraço após abraço; sorriso após sorriso… tudo foi se apagando. Tudo foi sendo perdido. Os negócios do meu pai foram dando errado. Ele reclamava que o governo não pagava o que lhe devia. A firma foi tendo dificuldades. Meu pai foi definhando até sumir de nós.


Eu fui crescendo. Ajudei a minha mãe a encerrar a empresa do meu pai. Ela, agora viúva, teve que vender cosméticos e eu precisei sair da escola e trabalhar em dois lugares para garantir o mínimo de dignidade à minha mãe e à minha irmã.


Hoje, não há mais cachorros, não há mais praias, não há mais pai. Até nas escolas não se contam mais aquelas histórias bonitas dos homens que chegaram por aqui, sofrendo da seca para construir tudo o que se tem por aqui. Eram “lambaios” do Sol e aqui foram escravizados pelo sangue da seringueira. Mas arigó é bicho teimoso: tem sangue azedo. Deixou o lombo arder para se fortalecer muitos anos mais tarde, forjado na luta. Eram essas histórias que contavam para mim e meus amigos nas escolas. Mas parece que isso se perdeu.


A força dessas lutas é que eu preciso voltar a ter em mim. Se eu sou eu e a minha história, por que deixei de acreditar nas coisas? Eu preciso construir a ideia de que amanhã será melhor que hoje. Eu só preciso ter um norte. Eu preciso ter uma referência. Um “ponteiro” na mata quando o cabra se perde. Eu quero Luz. Não quero túnel.


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