Como a crise de 2014 abalou o equilíbrio fiscal do Acre
Muito se discute acerca dos gastos com Pessoal ativo e inativo realizados pelo governo do Acre. Hoje, com base nos relatórios emitidos pelos governadores desde 2000, vamos informar ao leitor o comportamento desse indicador no período de 2000 (quando o governo passou a disponibilizar os relatórios) até 2022. Os documentos fazem parte das exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, como forma de acompanhar a execução fiscal e orçamentária dos governos, visando a manutenção do equilíbrio fiscal. Vamos, de alguma forma, tentar dividir a nossa análise dentro do período de administração de cada governador que ocupou o Palácio Rio Branco, desde 2000.
Na esfera estadual, o gasto com pessoal não poderá exceder os seguintes percentuais em relação à Receita Corrente Líquida (RCL): 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; 6% (seis por cento) para o Judiciário; 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo e 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados.
Além dos limites de despesa com pessoal descritos no parágrafo anterior, há também o limite de alerta e o limite prudencial para auxiliar no controle das despesas de pessoal. O limite de alerta serve justamente para alertar o gestor público de que ele está com uma despesa de pessoal aproximando-se o limite total.
Vamos centrar a nossa análise dos números para o poder executivo. No gráfico a seguir temos o demonstrativo do percentual de gastos do executivo acreano no período analisado. Fica explícito que de 2000 até 2014 – da metade do primeiro mandato e todo o segundo mandato de Jorge Viana, todo o governo de Binho Marques e de todo o primeiro mandato de Tião Viana, nenhum deles ultrapassou o limite estabelecido pela Lei.
Verifica-se que o Governo estadual começou a ter problemas de gasto com pessoal em dois anos (2015 e 2017) do segundo mandato do Governador Tião Viana (2015-2018) e manteve-se nos três primeiros anos do mandato de Gladison Cameli (2019-2022). No gráfico abaixo, depois de deflacionar, pelo IPCA do IBGE, os dados de cada ano, a preços de dezembro de 2022, destacamos a variação do gasto com pessoal com a variação da RCL em cada período de governo. Percebe-se que nos seis últimos anos do Jorge Viana (2 do primeiro e 4 do segundo), a variação do gasto com pessoal excedeu a variação da RCL, portanto, o governo exerceu uma política de pessoal ativa. Binho Marques e o primeiro mandato de Tião Viana a RCL variou mais que a variação do gasto com pessoal.
Ainda de acordo com o gráfico acima, percebe-se que, no segundo mandato de Tião Viana, a RCL caiu 10,2% (queda acentuada), enquanto o gasto com pessoal foi reduzido em somente 3,1%. Justificando, portanto, o descumprimento do limite do gasto com pessoal já em 2015.
No Segundo mandato do Governador Tião Viana o Acre perdeu quase de 1,5 bilhão de repasses do FPE
Em 2014, o Brasil vai passar por uma grave crise econômica, também conhecida como a recessão de 2015/2016, crise político-econômica ou a grande recessão brasileira, que teve início em 2014, embora só fosse claramente percebida nos anos seguintes. O produto interno bruto (PIB) do país caiu 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016.
Conforme a Carta de Conjuntura nº 41 do IPEA, referente ao 4º trimestre de 2018, a crise foi praticamente generalizada em todos os Estados da federação brasileira, demostrando que os instrumentos institucionais disponíveis não foram suficientes para evitar a degradação das finanças públicas subnacionais que se seguiu à crise da economia.
Mesmo com os esforços engendrados pelos governos estaduais e a lenta retomada da atividade econômica, as receitas estaduais não cresceram expressivamente. O comportamento das despesas, por sua vez, foi fortemente influenciado por questões de ordem estrutural, a saber, o gasto com pessoal ativo e inativo.
No Acre, repete-se o que diz o documento do IPEA. A queda abrupta e acentuada da receita a partir de 2015 não teve, no entanto, uma resposta imediata das despesas, pois uma parte expressiva não era passível de redução instantânea por estar associada a gastos permanentes. Não era possível restaurar o equilíbrio das finanças estaduais simplesmente reduzindo o investimento, pois a retração na receita corrente foi muito grande. Ademais, os investimentos já vinham sendo, em grande medida, financiados por operações de crédito.
Vide no gráfico abaixo, o comportamento das transferências do Fundo de Participação dos Estados – FPE, a principal fonte de receitas (cerca de 70%) do orçamento anual do Acre, onde percebe-se que, comparando os períodos de 2011-2014 com o de 2015 a 2018, primeiro e segundo mandatos de Tião Viana, o Acre perdeu 1 bilhão e 476 milhões (valores corrigidos para dezembro de 2022), somente de FPE. Percebe-se também que mesmo com o aumento substancial dos repasses no primeiro mandato de Gladison Cameli, o valor no período ainda ficou um pouco abaixo do primeiro mandato de Tião Viana.
Portanto, com todo esse quadro foi inevitável o estouro do gasto mínimo em pessoal ocorrido em 2015. Como diz o IPEA, a lenta recuperação da economia e das receitas levaram, assim, as crises fiscais e financeiras em diversas unidades da federação. A composição da receita, a intensidade da retração da atividade econômica, a estrutura produtiva, a política salarial e até o preço internacional das commodities foram alguns dos fatores determinantes para se identificar a repercussão da crise sobre as finanças estaduais.
O Governo Gladson Cameli inicia-se em 2019 com os problemas nas finanças públicas estaduais, em função das questões iniciadas na crise de 2014. Depois, veio a crise sanitária que tornou mais grave o processo de recuperação econômica. Mesmo o Governo do Acre tendo recebido ajuda financeira extra do Governo Federal, foi inevitável o descumprimento dos limites do gasto com pessoal nos primeiros 3 anos de seu mandato.
A despeito de tudo, Tião Viana (2º mandato) e Gladson Cameli (1º mandato) conseguiram concluir seus mandatos cumprindo fielmente os limites estabelecidos pela legislação vigente. No entanto, a vigilância tem que ser permanente, pois continuam os problemas estruturais da economia brasileira e, além disso, ao nível interno, temos um déficit previdenciário assombrando o nosso equilíbrio fiscal.
Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas