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O que fazer para que a tragédia provocada pelo igarapé São Francisco não se repita?

Por
Irailton Lima

O estrago deixado pela inundação repentina do igarapé São Francisco em diversos bairros da cidade, ocorrida no dia 24 de março, gerou trauma em parte significativa da população de Rio Branco, além de prejuízos na casa das centenas de milhões de reais, segundo a coordenação de Defesa Civil da prefeitura de Rio Branco. Casas, comércios, indústrias e escolas ficaram inundados em poucas horas, surpreendendo as pessoas e deixando claro que alguma coisa de muito estranho está acontecendo. Afinal, não se tem notícia de uma inundação tão intensa em e em tão pouco tempo como essa.


Hoje milhares de famílias sofrem com o prejuízo material e a insegurança em relação ao futuro. Afinal, o que fazer, seguir onde se vive há décadas, lugar que guarda valiosas memórias familiares, ou mudar às pressas na busca da garantia de que não se irá passar novamente por tal sofrimento? Prejuízos econômicos e traumas sociais como esses requerem respostas claras do poder público. Mas não exatamente respostas e soluções superficiais e apressadas. Requerem explicações razoáveis sobre o que aconteceu e propostas consistentes para que não se repitam.


Buscar respostas e soluções sofisticadas para problemas complexos é algo comum no campo da ciência e no desenho de políticas públicas, mas, algo absolutamente estranho na vida acreana de tempos recentes. Por aqui tem prevalecido uma certa superficialidade anti-ciência, e a ideia recorrente de que tudo é questão de opinião ou de vontade política. Mesmo a forma como se propagam vírus, ou o uso de vacinas, entrou nessa demarcação – o debate sobre o enfrentamento à pandemia do coronavírus que o diga!


A tragédia provocada pelo igarapé São Francisco e seus afluentes, principalmente os igarapés secundários Batista e Dias Martins, não surgiu do nada. Nem é resultado apenas do alto volume de chuvas naquele dia. É sim, segundo especialistas com quem tive a oportunidade de conversar em diversas ocasiões ao longo das últimas semanas, resultado da conjugação de pequenas tragédias que vêm se acumulando nessa e em tantas outras bacias hidrográficas aqui da região. E, em sentido mais amplo, do desflorestamento da Amazônia, principalmente em sua porção sul, onde nos situamos.


Chuvas intensas concentradas em pouco tempo é um dos sintomas das mudanças do clima, assim como a redução do volume global de chuvas nos invernos amazônicos e de períodos secos mais longos. Como é sabido, as mudanças no clima têm relação direta com a ação humana, dentre elas a destruição de florestas e o comprometimento de bacias hidrográficas que sustentam ecossistemas fundamentais para a retenção ou a captura de carbono – o grande vilão do clima.


Outros fatos relevantes somaram-se às mudanças climáticas para explicar o evento de 24 de março: a absoluta fragilização da bacia do igarapé, que perdeu mais de 70% de suas florestas para a pecuária; a destruição quase que completa das matas ciliares, a ocupação habitacional indevida das encostas; o assoreamento em todo o curso e o estreitamento do leito nas áreas de intensa ocupação na região do bairro da Conquista e na Baixa da Colina, nas proximidades do bairro Tropical. As mais graves dessas agressões ao ecossistema natural dinamizado pelo igarapé são, sem dúvida, a retirada da cobertura florestal nas cabeceiras e a impermeabilização do solo ao longo da bacia, reduzindo drasticamente a capacidade do território em reter água ou em retardar sua chegada ao leito do São Francisco.


As soluções possíveis, segundo os especialistas, passam pela recuperação da capacidade da bacia em realizar os serviços ecossistêmicos próprios de um complexo hidrográfica, dentre eles reter água da chuva, alimentando lençóis freáticos e retardando sua chegada ao leito do igarapé. Passa, também, pelo reordenamento da ocupação do território, a limpeza e o aprofundamento de parte do leito, a coleta e tratamento do esgoto que hoje lhe é jogado aleatoriamente, e o reassentamento da população que habita áreas claramente impróprias. Isso implica em fortes investimentos financeiros em infraestrutura, habitação, recuperação ambiental das cabeceiras da bacia e proteção social das famílias de menor renda, que não podem seguir vulneráveis como hoje se encontram.


Para isso, é fundamental a mobilização das comunidades diretamente afetadas, a integração dos governos estadual e municipal, a reunião de competências capazes da elaboração de projetos técnicos consistentes e a esforço da bancada federal em aportar recursos e articular apoios no Governo Federal. E tudo isso precisa ser feito agora e pelos próximos seis ou oito anos, numa ação que precisa ser enxergada como uma solução complexa e de longo prazo.


A agressão ao meio ambiente cobra seu preço. A pandemia da Covid-19 e essa alagação recente do igarapé São Francisco estão aí para nos provar. São dados da realidade que não podem ser encarados como meras disputas de opinião ou de interesses políticos e ideológicos. As famílias e comunidades afetadas têm direito a uma resposta rápida e eficiente do poder público e dos detentores de mandatos parlamentares.


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