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Não é apenas destino, tem a ver com escolhas

Por
Valterlucio Campelo

Leio em diversos e relevantes sites acreanos de notícias que, segundo a Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, a nossa ilustre acreana Marina Silva, a verdadeira culpa dos eventos tristíssimos vividos nos últimos dias, em que milhares de pessoas foram duramente atingidas pelas enchentes, cabe às mudanças climáticas. A indefectível palavrinha mágica (no caso, duas), não decepciona nunca. Tanto que entrou formalmente para a nomenclatura do Ministério do Meio Ambiente somando ao geral o específico, mas dando força semântica e interlocução privilegiada nas questões relacionadas ao tema. Nada demais até aqui, surpreendente seria a existência do ministério do clima parado, já que ele muda desde que o mundo é mundo.


Muda, mas quase tão certas como as previsões de friagens do Dr. Friale, as enchentes do Rio Acre e do Igarapé São Francisco ocorrem todos os anos, em maior ou menor proporção, sempre deixando prejuízos a particulares e ao setor público. O que fazer senão estruturarmos a cidade para que na próxima, ou na outra, ou, ainda, na outra, não sejamos “surpreendidos” de calças na mão? Isto já foi feito trocentas vezes no mundo todo, não há segredos de engenharia, nem técnicas inacessíveis ou expertise fora do alcance. Há milênios, a humanidade lida com cheias e secas dos rios. No Egito, obras de engenharia hidráulica foram construídas para conter as enchentes do Rio Nilo desde antes de Cristo, a mesma coisa na Mesopotâmia. Então, o que nos impede no século XXI de lidar eficientemente com os rios e seus afluentes em torno e por dentro de nossas cidades, cuja maior concentração, a capital, possui menos de 500 mil habitantes?


Lembro que eu mesmo, lá pelos idos de 1999, bem antes das mudanças climáticas entrarem na moda em substituição ao “aquecimento global”, quando trabalhei como assessor do gabinete do atual senador Marcio Bittar em seu primeiro mandato de deputado federal, já discutia com ele essa questão. Com a memória das enchentes de 1997 em Rio Branco, debatíamos a possibilidade de apresentar ao governo federal uma proposta que de modo definitivo viabilizasse a gestão das águas em seus cursos urbanos e periurbanos, pelo menos, de modo a resolver de uma vez por todas a questão dos alagamentos e, consequentemente, dos terríveis prejuízos que causam à sociedade.


Hoje, depois que “descobriram” que o clima global é instável, parece que esperam que ele deixe de ser teimoso para tomar alguma providência. Em outra hipótese, escolhem simplesmente não fazer nada, pois trata-se de intervir na natureza, e vir aqui a cada desgraça havida e deixar essa merreca de 1,5 milhões de reais para ajudar pode sair mais barato e ecológico, afinal, como diria a Anita ecologista, quem mandou ocupar a beira do rio? É claro que estes caraminguás são recursos emergenciais, apenas para as primeiras e imediatas necessidades e, de acordo com as versões oficiais, outras verbas muito mais volumosas virão depois para consertar os danos às ruas, pontes e bueiros, prédios públicos e, quem sabe, auxiliar as famílias na recuperação de casas etc. Aguardemos.


Ousei conversar com alguns amigos, técnicos e políticos, para saber o que de fato há em andamento no sentido de resolver a questão das nossas cheias, antes que se altere o humor das mudanças climáticas globais. Me mostraram alguns documentos importantes. O primeiro é um estudo realizado por pelo Governo do Estado, Prefeitura de Rio Branco, Sindicato dos Engenheiros do Acre – SENGE com apoio da FIEAC e da própria Federação Nacional dos Engenheiros, datado de 2016, cujo título autoexplicativo “Levantamento das condições geológicas e hidrológicas para implantação de medidas estruturantes de regularização de vazão e contenção de enchentes”, termina por recomendar várias ações necessárias ao objetivo proposto. Executado por mais de uma vintena de profissionais altamente qualificados, é uma espécie de caracterização, diagnóstico e agenda oportuna, dado que no ano anterior (surpresa!) houve uma inundação que atingiu em Rio Branco 53 bairros e mais de 700 ruas, com o Rio Acre chegando a 18,4m de cota. Uma bela expedição pelo rio foi realizada com este propósito e pode ser vista neste VÍDEO.


Depois desse estudo, em fins de 2018, o recém-eleito senador, Marcio Bittar, que há vinte anos vinha trabalhando com o entendimento, com o qual concordo, de que a questão ambiental amazônica está mais para as condições de vida de sua população do que para os gases de efeito estufa – GEE que emite, conseguiu alocar recursos da ordem de 5,5 milhões de reais para que outros estudos mais aplicados fossem realizados no sentido de eleger uma agenda de intervenção com o respectivo projeto básico. Além disso, fez incluir no Plano Nacional Hídrico a perspectiva de dispêndios e cronogramas referentes aos projetos definidos. 


Da ação do Senador é que decorre o outro documento a que tive acesso, este mais recente, datado de 2020, que é uma carta-consulta do Governo Estadual/SEMA para o “Projeto de Redução da Vulnerabilidade das Comunidades Ribeirinhas da Bacia do Igarapé São Francisco aos Eventos Extremos”. Elaborado por uma equipe com mais outra vintena de profissionais, o documento prevê uma série de obras cujo valor total foi estimado na época em R$ 204.038.214,24 (duzentos e quatro milhões, trinta e oito mil, duzentos e quatorze reais e vinte e quatro centavos), sendo R$ 183.048.404,25 (cento e oitenta e três milhões, quarenta e oito mil, quatrocentos e quatro reais e vinte e quatro centavos), financiados pelo Ministério do Meio Ambiente – MMA e R$ 20.989.811,00 (vinte e milhões novecentos e oitenta e nove mil oitocentos e onze reais) de contrapartida do governo do Estado do Acre (Emenda de Bancada no71020011 – LOA 2020) e prazo de 04 anos para execução.


Consta que foi licitada a elaboração de estudos que culminarão no projeto básico de engenharia, portanto, há uma empresa trabalhando efetivamente nisto e, em breve, teremos com segurança a resposta às perguntas “o que e como fazer”. A questão que se apresenta então é “de onde vem o dinheiro”. Bem, a resposta óbvia é que vem do governo federal, mas, se, e somente se, o MMA julgar que seja uma prioridade, sanear eventuais inconsistências e, principalmente, não obstaculizar, como de costume, a realização de obras na Amazônia. No governo anterior, a fonte primária dos recursos seria a transformação de parte das multas ambientais em verbas transferíveis para esta finalidade.


Resulta de tudo isso, salvo melhor juízo, a necessidade de que os nossos parlamentares, em uníssono, vão agora, urgentemente, sem demora, “pra cima” do governo federal no qual temos ou, pelo menos, acreditamos ter, uma grandíssima. É preciso entender de uma vez por todas que a exposição aos eventos naturais, entre eles as chuvas torrenciais, de fato não está sob a nossa gestão, mas, porém, contudo, todavia, é da nossa escolha ficarmos parados esperando as próximas ou nos prepararmos para quando o “carnaval chegar”. E mais, as mudanças climáticas não podem servir de bacia das almas para que nela joguemos todos os infortúnios, quando em relação a eles podemos nos precaver. 



Valterlucio Bessa Campelo escreve regularmente às sextas-feiras no site ac24horas, no seu BLOG e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do Percival Puggina.


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