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“Poderia ser qualquer um de nós”, diz ativista sobre pessoas em situação de rua em Rio Branco

O representante da Associação de Redução de Danos do Acre – Aredacre, Álvaro Mendes, comentou sobre o crescente número de pessoas em situação de rua em Rio Branco. Para ele, pela complexidade do tema, a problemática exige um afinamento de órgãos em todas as esferas de poder. Em conversa com o ac24horas, o ativista que trabalha diretamente com a população de rua esclareceu pontos importantes sobre o tema.


Como uma pessoa chega ao ponto de se encontrar em situação de desalento, vivendo na rua?


Não tem fórmula definida pra isso, mas pessoas que vivenciam a rua geralmente tem problemas em suas relações sociais. Sejam estes problemas familiares, amorosos, de desemprego, e isso se somatiza a outros problemas. A maioria delas já são vítimas de problemas sociais desde pequenos, vindo de famílias disfuncionais que não tem a mínima condição de criar uma criança. A partir daí e como consequência disso, acontecem outras situações que reforçam a sua situação de vulnerabilidade. Nós não escolhemos onde nem como nascemos, então qualquer um de nós poderíamos ter nascido sob estas condições e estar na rua como consequência dessas circunstâncias. Pra gente tratar dessa problemática temos que primeiro ter dimensão do problema, que pode sim ser resolvido, desde que tenha uma política de Estado envolvida.


Pessoas em situação de rua são hostis?


As pessoas, sim, têm essa concepção. Mas posso te dar um exemplo de uma mulher com deficiência que vive nas ruas de Rio Branco e perambula completamente suja. Mas nisso de andar suja, é justamente uma proteção pra ela contra estupro. Então, quando nos aproximamos dessas pessoas e passamos a olhar para elas sob um olhar humano, de compreensão, e entendemos os problemas, verificamos que elas se importam com quem entende suas dores. O problema dessa questão do perigo, é que rotulam essas pessoas e reforçam a ideia de que elas não fazem parte de um mesmo mundo.


Em que ponto da vida de pessoas em situação de rua as drogas começam a fazer parte de uma rotina?


Desde muito cedo. Muitas pessoas em situação de rua são filhos(as) de mãe solteira que se relacionaram com pessoas que fazem abuso de álcool – que é a droga que nós entendemos que causa o maior prejuízo social. Vítimas constantes de abusos e convivendo diariamente com a violência, é comum que essas crianças já com 11 anos escolham viver na rua na tentativa de romper uma rotina de abusos, e preferem a fome, a sujeira, do que retornar para casa. Na rua, essas pessoas acabam acolhidas por outras em situação de rua e constroem seus vínculos com semelhantes, que entendem seus problemas pois também já passaram por eles. Quando nós, que temos uma residência, uma família estável, precisamos de uma droga para tratar uma dor, nós vamos numa drogaria, numa farmácia, num psicólogo, mas pessoas em situação de rua quando tem dores físicas ou emocionais encontram na droga o escape para amenizar seu sofrimento.


O que fazer para tratar e recuperar pessoas em situação de rua?


Na atual conjuntura, com o aumento das vulnerabilidades sociais potencializadas pelas consequências econômicas da pandemia, é um trabalho extremamente difícil. Pra ajudar essas pessoas o Estado tem que agir para oportunizar e gerar equipamentos para que pessoas que estão na rua tenham suas necessidades essenciais supridas, nas mais diversas áreas. Esperamos que os governantes tenham esse interesse em observar que essas pessoas têm o direito constitucional de ter uma moradia, uma boa saúde, educação, esporte, lazer, como todos nós, mas infelizmente o que vemos hoje é que o volume de pessoas entrando nas ruas é muito superior ao de pessoas que conseguem sair.


Comunidades terapêuticas são um bom investimento público para pessoas com dependência química?


Eu atuei na APADEQ – Associação de Parentes e Amigos dos Dependentes Químicos, mas me convenci que a Política de Redução de Danos é mais eficaz em termos de indicadores de resultado porque trabalhamos o indivíduo em seu território cotidiano, com suas mazelas, em seu contexto de drogas e violência. O número de Comunidades Terapêuticas cresce muito no Brasil, mas se você trata um indivíduo isolado de seu cotidiano, fora de seu território, com uma condição de boa alimentação, assistência, e depois de meses devolve para o seu território dificilmente alguém consegue lidar com essa mudança. A Redução de Danos está em funcionamento em diversos países, já funciona no Brasil, e trabalha o indivíduo e os seus problemas. Quando você foca apenas no uso de drogas, está focando no sintoma, e não na causa do problema.


O que é a Política de Redução de Danos?


A Política de Redução de Danos é feita por técnicos que são acostumados a vivenciar a rua e que são formados para exercer esta política. O próprio usuário de drogas, sob auxílio de técnicos, diminui o uso do ilícito ou trocam de substância para as consideradas menos prejudiciais. Uma das práticas de Redução de Danos que todos poderiam fazer, por exemplo, é no uso de álcool intercalar a bebida alcoólica com água, diminuindo o interesse da pessoa pela bebida. Com isso já conseguimos tratar de pessoas que usavam 60 pedras de crack por dia, e ao intercalar o uso da droga com água, principalmente na fase da fissura, conseguimos que o usuário diminuísse drasticamente a quantidade de droga consumida. São exercícios práticos que vivenciamos no dia a dia.


O novo documentário do ac24horas lançado hoje, RUÍNAS, aborda a problemática da dependência química nas ruas de Rio Branco, num momento de crescimento exponencial de pessoas em situação de rua.


Assista aqui: https://youtu.be/aJh9gsz_FRQ


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