Em franco declínio há muitas décadas, o outrora pujante comércio de Xapuri, marcado pela força das grandes “casas aviadoras”, sucumbe à atual realidade de uma economia quase que totalmente dependente do contracheque, considerando que o Estado e o Município, como ocorre em praticamente todo o Acre, são os maiores empregadores e, assim, responsáveis pela maior parte do dinheiro circulante.
Diante disso, a rotina das casas comerciais da cidade é de pouquíssimo movimento durante praticamente todos os meses do ano, havendo um pequeno fôlego no fim de cada período de trinta dias, quando os salários do setor público e dos poucos empregadores do setor privado caem nas contas bancárias, proporcionando um sensível, porém temporário aquecimento da economia local.
De acordo com os próprios comerciantes, entre os setores que sentem menos intensamente os efeitos da estagnação econômica do município estão os supermercados e mercearias, as lojas de material de construção, as farmácias e os postos de combustíveis. Curiosamente, os bares também podem ser considerados nesse grupo, considerando o visível bom movimento que conseguem manter, apesar da crise.
A insipiência do comércio local também afeta à população, que se ressente da pouca diversidade de produtos oferecida, e mesmo a quem visita esporadicamente a cidade, seja por trabalho ou em épocas festivas, como ocorre neste mês de janeiro, com a Festa de São Sebastião, uma das maiores manifestações religiosas do estado. Contudo, a oferta de hotéis, pousadas e restaurantes não chega perto de atender à demanda.
Não por acaso, a centenária festa do padroeiro de Xapuri se torna, anualmente, uma das válvulas de escape do aperto vivido pela classe comercial, que aproveita o momento festivo para compensar os certos períodos de vacas magras. É certo, contudo, que nos dias atuais o próprio aquecimento gerado pelo evento religioso não é mais aquele de antigamente, quando a borracha e a castanha faziam a diferença.
Um dos tradicionais donos de pousadas ou hotéis de Xapuri, que são pouquíssimos, João Lopes Mendes Filho, de 77 anos de idade, mais conhecido como ‘Garrinha’, dono da Pousada Chapurys, que possui um acervo de peças históricas da cidade, garimpadas por ele mesmo, se queixa dos tempos difíceis. Ele é um dos que têm na festa religiosa o grande momento do ano para lucrar com o seu empreendimento.
“O momento é de dificuldades, não há dúvidas disso. Nas últimas semanas, temos tido uma média de 10 hóspedes na pousada, o que não é suficiente, acredito, nem para dar conta das despesas. Então, a saída é aproveitar os bons momentos, como o que está chegando, com a festa do padroeiro, quando a cidade fica lotada e as nossas vagas já se esgotam na semana que antecede a procissão”, diz.
Na área dos restaurantes, Xapuri ainda vive das pequenas “pensões”, que hoje também são muito poucas. Uma das mais famosas, conhecida como Restaurante da Tia Vicência, que era localizado na rua 6 de Agosto, fechou as portas após o falecimento da proprietária, há alguns anos, que era conhecida pela sua excelente comida caseira e pelas histórias relacionadas à vida de pioneira dos seringais acreanos.
O velho casario que se estende pela orla do Rio Acre, na extensão das ruas 17 de novembro e 6 de Agosto, cujas fachadas compõem o acervo histórico e cultural do estado, ainda abriga alguns dos comerciantes mais tradicionais da cidade, que testemunharam um tempo de riqueza e exuberância em que o centro comercial de Xapuri tinha uma energia completamente oposta à que se percebe na atualidade.
Atualmente, o comércio local, que já foi bastante, inclusive, cooperativo, como afirmam alguns de seus representantes, atua de maneira cada vez mais dissociada e individual, estando, inclusive, a também histórica Associação Comercial de Xapuri, uma das primeiras do Acre, praticamente inativa, com sua sede alugada para a prefeitura da cidade, abrigando as instalações da Secretaria Municipal de Trabalho e Bem-Estar Social.
Entre os mais antigos estabelecimentos comerciais que ainda se mantêm em funcionamento no centro de Xapuri está a tradicional Casa Portuguesa, dos comerciantes Luis Morte da Costa, já falecido, e Liet´s Arruda, que em razão de problemas de saúde não está mais à frente da tradicional loja, cuja história se confunde com a dos donos e que ficou muito conhecida na cidade por vender de tudo, no velho sistema do balcão e do caderno.
Comerciantes mais novos, mas também com bastante tempo na praça local, como Celso Paraná, do ramo de farmácias, diz que as dificuldades passam pela desorganização do setor e da falta de representação da categoria, que perdeu a força de reivindicar das autoridades governamentais medidas que favoreçam a categoria, como o combate à informalidade e o não direcionamento de processos licitatórios para empresas locais.
“Tudo se desorganizou nas últimas décadas. A Associação Comercial, de fundamental importância, deixou de existir e agora ficou cada um por si. Alguns setores, como o comércio de alimentos e farmácias, estão em situação um pouco melhor, porque trabalham com necessidades permanentes da população, mas outros, como os do ramo de confecções, esses passam por uma das piores crises da história”, afirma.
Estevão Pereira Castelo, de 88 anos de idade, é um dos mais antigos comerciantes em atividade de Xapuri, dono da tradicionalíssima Casa Castelo, que ficou famosa no ramo de tecidos e afins. Há cerca de quatro anos, ele deixou o centro histórico da cidade e levou sua loja de confecções para um local mais distante, na rua 24 de janeiro, onde segue com a mesma atividade à qual dedica toda a vida.
Para Estevão, há uma incerteza sobre se a decadência do comércio xapuriense pode ser atribuída a um determinado fator, como a concorrência de comerciantes informais, que trazem produtos da Bolívia – boa parte deles são bolivianos que se radicaram no Acre, alguns com dupla nacionalidade -, a grande concorrência que existe, especialmente no ramo de confecções, ou se a situação se explica meramente pela própria fraqueza da economia local.
“Não me apego a apontar culpados ou responsáveis, não. Essa situação dos bolivianos, sempre existiu, e não é só aqui, não; em todo lugar tem isso, e até mesmo comerciantes brasileiros vão à Bolívia buscar esses produtos para vender mais barato. Nesse ramo de confecções em geral, eu creio que há muita gente para o tamanho da cidade, uma grande concorrência. Tem ainda a internet que causa impacto também”, explica.
Como janeiro é, inegavelmente, um mês especial para o comércio o decadente comércio de Xapuri, apesar de ser o momento em que a cidade recebe os tradicionais marreteiros, o que seria, em tese, um ponto negativo para os locais, muitos vão apostar no evento para ter ganhos que compensem os períodos ruins. É que os espaços dedicados pela prefeitura para quem vem de fora também é aproveitado pelos lojistas da cidade.
Com a expectativa de retorno da grande Procissão de São Sebastião neste ano, o ponto alto da festa religiosa, mas que não acontece há dois anos, por conta das restrições impostas pela pandemia da Covid-19, há a confiança de que 2023 será um bom ano para grande parte do comércio local. Uma aposta de muitos não apenas em lucros imediatos, mas na fé de que o santo padroeiro possa dar uma ajuda em tempos melhores.