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No Acre, projeto valoriza atuação de mulheres na produção da borracha que se transforma em calçados sustentáveis

Por
Raimari Cardoso

Viabilizar a visibilidade ao papel da mulher dentro da unidade familiar e na cadeia da borracha para fortalecer o pilar socioambiental para manutenção da conservação da floresta em pé. Esses são os principais objetivos do projeto denominado “Mulheres da Borracha”, idealizado e executado pelas organizações: VEJA/VERT, SOS Amazônia e o Instituto de Desenvolvimento Social (IDS).


 


Em novembro passado, foram realizadas três oficinas que abordaram a importância da participação da mulher na cadeia produtiva da borracha, desde o corte até a comercialização. As atividades também têm o envolvimento da Cooperativa Agroextrativista de Assis Brasil, Epitaciolândia e Brasiléia (Coopaeb), da Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre) e do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Brasiléia (STRB).


 



 


As oficinas foram realizadas nos seringais Nova Olinda, Amapá e Humaitá, dentro da Resex Chico Mendes, envolvendo mais de 70 mulheres, que reunidas discutiram e compartilharam experiências sobre a produção da borracha e as práticas agroextrativistas. Em todo o Acre, o projeto pretende realizar 41 oficinas com a participação de mais de 1.000 mulheres em todas as regionais do estado.


 


Os encontros trazem à luz um protagonismo que poucas vezes é mostrado nas produções jornalísticas sobre o cotidiano do extrativismo na Amazônia, mas que, indiscutivelmente, faz parte da realidade de muitas famílias que resistem em viver do que a floresta oferece sem que precise ser derrubada: a atuação da mulher em atividades como a produção da borracha.


 


Desde sempre, as mulheres desenvolveram um papel preponderante na vida familiar amazônica, mas quando se trata de uma produtora rural, o trabalho e as atribuições sempre foram mais amplos do que se supõe, pois além de cuidar de casa e da família, a mulher também se responsabiliza por diversas atividades “extra lar” em suas propriedades.


 


As mulheres extrativistas vivem muitas jornadas durante seus dias. Elas são as primeiras a acordar e as últimas a dormir. Fazem todas as atividades domésticas, cuidam das crianças, das pessoas mais velhas e das pessoas doentes. Cuidam das criações, da horta, do quintal produtivo, do roçado e ainda vão para a floresta fazer as práticas extrativistas como coleta de castanha, extração de látex, óleos essenciais, cacau silvestre, entre outros.


 


Dona Maria das Graças, de 67 anos de idade, que mora no seringal Amapá há mais de 40 anos, é um exemplo dessa realidade. Hoje aposentada, ela destaca a importância do trabalho da mulher na produção de borracha. “Desde que me casei, sempre cortei seringa junto com meu esposo, cuidando de casa e da família”, conta, afastando a crença errônea de que as mulheres da floresta se dedicavam meramente ao lar.


 



 


Por trás das iniciativas de organização e mobilização das mulheres em torno da produção da borracha, há um empreendimento internacional que há cerca de 20 anos incrementa o preço do látex que é extraído das florestas acreanas para se transformar em calçados produzidos no Brasil e comercializados no mundo todo. É a marca de tênis sustentáveis da VEJA (VERT), atualmente em expansão na Europa.


 


“A borracha já teve um preço muito baixo, mas hoje, graças a Deus, à Cooperativa e à VEJA, que paga na hora, nossos filhos podem cortar (seringa) e vender por um preço mais justo. As mulheres sempre cortaram seringa, colheram e ajudaram a fazer a borracha. É uma produção que junta toda a família”, destaca dona Maria das Graças, durante uma das oficinas do projeto.


 


É importante destacar que a borracha desses seringais é vendida na cooperativa com valor pago à vista de R$ 12,00 e, posteriormente, entregue à empresa VEJA, que produz sapatos ecologicamente corretos a partir da borracha de seringueiras nativas extraída na Amazônia, algodão agroecológico oriundo da agricultura familiar do Nordeste, couro de gado criados em campos nativos do Pampa no Sul do Brasil e garrafas pets recicladas, que são recolhidas do meio ambiente.


 


Um dos objetivos dos encontros entre as mulheres das RESEXs e outras áreas é fortalecer a importância do modo de vida extrativista dessas famílias evidenciando, compartilhando e discutindo a valorização da participação da família no processo de produção da borracha, que acontece desde a decisão em cortar a seringa, limpeza das estradas, corte e colheita do látex, produção da borracha e a comercialização nas cooperativas.


 



 


A empresa VEJA vem melhorando o preço da borracha desde 2004. Além do preço pago à vista, as cooperativas e movimentos sociais lutaram por um subsídio federal que hoje paga R$ 3,32 e o subsídio estadual de R$ 2,30. Em alguns municípios ainda há a subvenção municipal, como é o caso de Assis Brasil, que paga R$ 1,40 por quilo de borracha produzida. Atualmente, o contrato da cooperativa Coopaeb com a Veja é de 80 toneladas ao ano, o que pode aumentar a partir de 2023.


 


Francisca Bezerra, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, que também acompanhou as oficinas, destacou a importância da mulher no processo produtivo.


 


“Agradeço o convite da Cooperacre e da SOS Amazônia para participar das oficinas voltadas para as mulheres, que têm um papel fundamental na produção e isso ajuda as mulheres a terem conhecimentos dos seus direitos na produção e na hora de receber um benefício que precisam estarem inseridas no sistema produtivo”, afirmou.


 


O presidente da Cooperativa Agroextrativista de Assis Brasil, Epitaciolândia e Brasiléia (COOPAEB), José Rodrigues de Araújo, conhecido como ‘De Araújo’, esteve presente nas capacitações e falou da importância da participação das mulheres no processo.


 


“A Cooperacre e a Coopaeb vêm participando desse processo de organização da capacitação por saber a importância da participação familiar que envolve o marido, a mulher e os filhos. A cooperativa luta por um preço cada vez mais justo que chegue às famílias extrativistas e, com isso, elas melhoram a renda e ainda ajudam em uma produção sustentável com menos desmatamento. Esse é nosso papel como instituição, buscar sempre um preço mais justo para os produtos extrativistas”, enfatizou.


 


Gabriela Antônia, da SOS Amazônia, responsável por executar e mediar as oficinas, relata que já foram realizadas cinco de seis oficinas previstas para serem executadas nos territórios onde a Coopaeb atua. Contudo, o projeto tem como meta ser realizado nas cinco regionais do estado do Acre, onde atuam onze cooperativas locais que entregam borracha para a empresa VEJA/VERT por meio de contratos com a Cooperacre.


 



 


“Em junho de 2022, foram realizadas as duas primeiras oficinas, uma no município de Assis Brasil, na comunidade Divisão, e a segunda no município de Brasiléia, na comunidade Tabatinga, somando a participação de mais de 50 mulheres. E agora foram realizadas mais três oficinas, somando a participação de 70 mulheres”, explica.


 


Gabriela pontua que o projeto é pioneiro e de grande relevância para a vida das famílias extrativistas e, sobretudo, para as mulheres pertencentes a essas famílias. Ela acrescenta que as mulheres sofrem com o não reconhecimento de seu trabalho rural e com isso a maioria não consegue obter direitos previdenciários ou conseguem após muitas dificuldades e desafios.


 


“Com compartilhamento de informações é possível a transformação e despertar o auto empoderamento das mulheres. O extrativismo é uma prática que envolve toda a família, e a mulher tem uma atuação e papel importantíssimo na manutenção desse modo de vida. Porém, historicamente as mulheres não têm o reconhecimento pelo marido, família e sociedade pelos trabalhos que executam, sendo apontadas como meramente ‘ajudantes’ de algo que fazem ao longo de toda a vida”, finaliza.


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Raimari Cardoso

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