Pedro era um seringueiro que vivia sozinho na mata e quase não ia à cidade, não gostava. Um bom seringueiro, mas sentia que lhe faltava algo a ser preenchido na vida. Não tinha família, era muito jovem, 18 anos, mas já cortava seringa desde os 13. A vida o levou a escolher viver assim, sozinho, apesar da pouca idade.
Riscando a madeira, colhendo o leite ou defumando tinha como companheiro de fado apenas um cachorro vira-lata que lhe ajudava na busca por comida, fosse um tatu ou uma paca, assim era seu cotidiano. O pequeno cão também acuava cobras peçonhentas salvando sua vida de ser picado por pico-de-jacas, surucucus, cobras corais ou de qualquer outra espécie.
Na ausência de pessoas para conversar falava com os bichos e objetos dando-lhes nomes engraçados: Galinhas, patos, um papagaio e alguns macacos “soins” que vinham comer banana nos cachos presos nos caibros da casinha de paxiúba coberta de palha de jarina que havia construído. Andando cantarolando, cortando, mariscando no rio, batendo pilão ou assobiando trazia consigo no peito a solidão no meio daquela imensidão de floresta.
_ Um dia quando eu arranjar uma mulher e filhos, essa solidão, essa tristeza e esse vazio na alma vão acabar, tenho certeza. O que me falta é uma família para cuidar. Era o que dizia.
Às vezes, em noites de lua cheia, ou mesmo nas luas novas, deitado na rede acordava de madrugada com insônias. Pensava na vida e nas coisas do mundo. Imaginava como teria nascido a terra, as estrelas, a floresta, os rios e os bichos. Tudo tão perfeito, belo, ordenado. Já tinha ouvido falar da criação. Foi Deus quem criou tudo, mas se indagava por que esse Deus não aparecia ao homem? Por que ele vive escondido sem se revelar? E quando morremos, o que acontece? A morte será o fim de tudo? Qual o sentido da vida? Perguntas que lhe acompanhavam dia e noite.
Não gostava de ir a festas, não fumava nem bebia cachaça ou outra bebida qualquer. Era metódico e disciplinado. Vez por outra ia ao futebol aos domingos na sede do velho seringal, que, aos poucos, agonizava com o fim do ciclo da borracha. A seringueira nativa perdia toda sua força e a glória do passado. Os homens definhavam com ela, empobreciam, não havia preço. Era apenas cultura e sobrevivência. Não sabiam fazer outra coisa enquanto as pastagens iam se estabelecendo.
Certa vez, a contragosto, foi à cidade, precisava comprar roupas e utensílios além de remédios e alimentos. Passando pela avenida Epaminondas Jácome, no Centro, entrou no Bazar do Chefe para escolher algumas coisas. Viu um rádio e lembrou que não tinha com quem conversar, seria uma boa companhia. Poderia ouvir os programas da Rádio Difusora Acreana. Até ocupar a mente diminuindo a solidão. Além de fazer companhia, diverti-lo, o rádio, dizia ele, salvou sua vida. Foi em uma manhã de domingo, em setembro…
A conversão gloriosa
Pedro acordou bem cedo como de costume. Antes de quebrar o jejum desceu ao pequeno igarapé enrolado em uma toalha calçando sandálias havaianas gastas pelo tempo.
De uma margem a outra do córrego havia uma prancha de itaúba com um pequeno corrimão, uma cuia emborcada sob uma vara. O sabonete sempre levava consigo. A água era cristalina, usava para banhar-se, saciar a sede, fazer comida e lavar as roupas batendo na prancha que de tão dura parecia uma pedra escura. As itaúbas são assim, com o tempo na água elas vão se transformando em pedra. Na volta do banho, sentindo um bem-estar proporcionado pela água fria que vinha da mata, Pedro ligou o rádio enquanto fazia café e uma farofa de ovos na banha de porco.
A voz do rádio falava de um vazio na alma que todo ser humano tem e que só pode ser preenchido por Deus. Um hino antigo, baixinho, ao fundo podia ser ouvido…
Tu procuras a paz neste mundo/em prazeres que passam em vão/ mas na última hora da vida/eles não, não te satisfarão/ meu amigo hoje tu tens escolha/ vida ou morte qual vais aceitar/amanhã pode ser muito tarde/ hoje Cristo te quer libertar…
O seringueiro Pedro sentiu que a voz no rádio, alguém que ele não sabia quem era, falava com ele, dele e para ele. Narrou toda sua vida desde que nascera. De suas angústias, preocupações, da solidão, do vazio existencial, dos sonhos de ter uma família, de sair do seringal e ter uma vida melhor, mais próspera. De uma libertação para uma nova vida que ele almejava. Falou de um lugar sem dor, sofrimento ou angústias, o céu.
Naquela manhã de verão enquanto o homem do rádio falava, Pedro viu toda a sua vida passar como um filme diante dele, na sua mente. Pode enxergar seus erros, sua condição miserável, suas fraquezas e seus pecados cometidos ao longo de sua vida.
Aflorou a profunda mágoa que sentia do pai, que carregava encravada no peito e não conseguia perdoar. Desde criança o pai era carrasco, severo, perverso e o castigara injustamente muitas vezes. Bebia e ficava violento. Sentia pena da mãe e dos irmãos por isso foi embora cortar seringa sozinho na mata para não fazer algo grave com o seu genitor.
A voz do rádio disse que ele teria que perdoar o pai e pedir perdão a todos os que ele também magoou. Foi por esta razão que Deus enviou seu Filho Jesus Cristo ao mundo para o perdão dos pecados. Morreu crucificado em uma cruz para conciliar Deus e os homens. Pedro se surpreendeu porque chorava, era algo espontâneo, que vinha de dentro, do fundo do coração…ali, naquele casebre, sozinho.
_ Se você quer alcançar o perdão de Deus, terá que perdoar também, a voz ecoava em seus ouvidos. Agora ele chorava inconsolavelmente. Travava uma luta, uma batalha, uma verdadeira guerra dentro de si, na sua mente. Não queria liberar perdão, resistia, mas a voz do rádio insistia.
Quando deu por si já estava de joelhos ao pé do rádio. Urrava como um bicho sentindo toda dor da rejeição do pai, do desamor; a ferida sangrava. O pregador insistia falando da crucificação de Jesus, de como ele falou aos seus algozes:
_ Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. A voz lhe disse que seu pai também não sabia o que fazia quando o maltratava. Ouviu mais profundo quando o homem do rádio repetiu o brado de Cristo agonizando na cruz do calvário:
_ Meu Pai, Meu Pai, por que me desamparaste?
Ao ouvir as palavras não mais conseguiu ficar de joelhos, tombou de lado ali mesmo, no assoalho, chorava e gemia, balbuciando palavras desconexas, mas os sentidos estavam aguçados porque sentia uma presença real ali com ele. Perdeu a noção do tempo. Sua vida toda se comprimiu em partículas de segundos. Não conseguiu mais reter a mágoa e o ódio que havia represado no coração por toda a vida e balbuciou:
_ Meu pai eu te perdoo, eu te perdoo, eu te perdoo; Cristo Deus, Cristo Deus eu me entrego a ti, sim, eu me entrego, não posso resistir e esse amor, não posso mais. Estou morrendo….
Pedro não estava morrendo, Pedro estava nascendo para uma nova vida, contou ele anos depois a um jovem jornalista. Pedro disse que as horas lhe pareceram uma eternidade. Vencido pelo cansaço, adormeceu profundamente enquanto a voz no rádio ainda falava com ele. Teve sonhos e sentiu no mais profundo da alma um chamado para largar tudo e viver inteiramente para Cristo. Quando despertou já era tarde, também já não era mais o mesmo homem, Pedro, o seringueiro solitário. Não sentia mais o vazio, a angústia e a tristeza secreta. Tudo estava diferente à sua volta. Tudo brilhava.
A nova vida…
Dias depois vendeu a colocação para uma vizinho e foi morar em um pequeno vilarejo ao longo da BR-364, no final dos anos 70. Se integrou a uma igreja Assembleia, arranjou uma esposa, teve filhos, fazia vários tipos de trabalho para sobreviver, aos poucos foi crescendo espiritualmente. Fazia cursos, participava de palestras e seminários. Foi evangelista, diácono e por fim pastor em várias igrejas para onde era enviado. No sonho que teve no dia em que se converteu a voz do rádio disse que ele seria um construtor de igrejas. Construiu vários templos por onde passou.
Há quase 26 anos passados, o agora pastor Pedro, narrou a um jornalista, com quem fez uma bela amizade, toda a sua história. Desde o tempo que vivia cortando seringa sozinho na mata. Da transformação operada nele através do rádio e da alegria de servir a Cristo, mas, também, do sofrimento, do padecer, das incompreensões, do desprezo, das ingratidões e dores. Porém, segundo ele, nada comparado ao amor de Deus que o fazia suportar toda a sua cruz.
Chorou quando se referiu ao filho mais velho que vivia no mundo e bebia muito. Era um jovem revoltado com ele e com a igreja. O pastor admitiu que errou com o filho ao discipliná-lo exigindo que fosse o exemplo para todas as crianças e adolescentes na igreja. Entre soluços disse que orava e tinha esperança de que o filho voltasse à Casa do Pai. Anos depois o filho voltou como na parábola do Filho Pródigo contada por Jesus no livro de Lucas, o médico de homens e de almas.
O jornalista soube por esses dias que o ex-seringueiro Pedro está beirando os 90 anos; mora em um vilarejo na zona rural. Que esposa e filhos estão bem. Foi jubilado e vive com a família farto de dias. Esta é a história do homem que trocou a faca de seringa por uma Bíblia e se tornou pastor atendendo a um chamado de Deus que ouviu no rádio quando tinha 18 anos.
P.S. Pedro é um nome fictício de uma história real e verdadeira.
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