Juntamos as coisas e pegamos a estrada cedo, Raylane, minha esposa, seguia entusiasmada pois marcamos de visitar seu tio conhecido como Caroncha e sua tia Dona Girlene conhecida como Tique, me contou que quando criança passava as férias na casa deles na estrada velha em Epitaciolândia. Mas, desde que eles se mudaram para o Tupá ela não tinha ido por lá. A mãe da Raylane, dona Luzia também nos acompanhou nessa jornada, assim como o Danilo que fez os retratos.
Após esperar por quase uma hora para atravessar a balsa, seguimos pelo ramal até a comunidade Rio Branco, paramos na casa do Raimundão para pegar mais informações de como chegar no Tupá. As coisas estavam animadas por lá, eles já estavam organizando o terreiro para o dia seguinte. Raimundão completou 77 anos no último dia 14 e estava organizando uma festinha para receber os companheiros. Cadeiras estavam empilhadas no terreiro e uma novilha estava sendo retalhada por alguns amigos que estavam ajudando.
Fiz questão de perguntar quem seria o churrasqueiro para fazer logo amizade. Ser amigo do churrasqueiro é a coisa mais sábia a se fazer antes do fogo ser aceso. Após pegar as informações de como seguir nos despedimos e aproveitamos para dar carona para uma companheira que também ajudava no feitio da comida.
Na entrada do ramal encontramos o Ismar, um dos primos da Raylane que todos chamam de “Bebo”, ele nos conduziu até a casa da dona Girlene, tia da Raylane. Foi só alegria eles já estavam esperando, porém, Carocha estava brocando, Raylane queria ir até lá, mas seu primo Ismael lhe advertiu da distância. Dona Luzia já foi logo se abancando e começaram a organização da janta, Tique avisou que Caroncha tinha caçado no dia anterior, vamos cozinhar no leite de castanha foi a decisão das duas que já começaram a descascar as castanhas e esquentar as panelas.
A cozinha já era o centro de tudo quando Raylane me chamou para ir na Mirian, ela é casada com Deilson primo dela que já conheci em Rio Branco. Deilson não estava em casa, esse mês vai passar quase todo trabalhando em uma derrubada. Miriam nos recebeu com às panelas no fogo, estava nos esperando para almoçar, para não fazer a desfeita tomamos um delicioso caldo.
Vitoria acordou e se tonou o centro das atenções, tão lindinha e carinhosa se dá bem com todo mundo. Raylane tratou de colocar toda a conversa em dia, enquanto conversávamos, Danilo, Ismael e Suziane vieram para o terreiro com uma bola que a Raylane trouxe de presente. Com pouco tempo eu já estava lá, brincando de peru. Mas, não me empolguei muito para não suar e não deixar demonstrar a pouca habilidade que ainda tenho.
Suzete veio chamar os meninos e cobrar a lenha para o fogão que o Ismael ficou de levar. Aproveitamos para ir juntos sem esquecer de convidar a Miriam para ir jantar conosco. Chegando na casa dos tios da Raylane, Caroncha já tinha voltado da broca. Enquanto todos estavam conversando na cozinha chamei o Caroncha para visitar o Orismar, um amigo meu que mora no Tupá, Oris não estava em casa, encontrei só o filho dele que nos disse que ele tinha voltado na cidade por que a esposa não estava bem.
No caminho de volta, Caroncha pediu para parar na casa da Francisca, ela estava na área enrolando um piúba e conversando, nos achegamos. Na roda havia um senhor falador chamado Manoel, dentre as várias histórias que me contou, falou da sua experiência em afastar onças e cobras de perto das moradias com suas mandingas, perplexo eu perguntei varia vezes como faria a proeza, rindo ele me disse que bastava enterrar as fezes das onças, perplexo permaneci ante a mangofa do Manel que guarda segredo a sete chaves.
A noite estrelada tomava o céu quando retornamos, no fogão a lenha fervia o leite de castanha que dava gosto à comida. Dona Luzia e Tique discutiam o feitio de um bolo de arroz para o café e já lamentavam nossa curta permanência por lá. Fomos no terreiro acender um carvão para assar uma carne. Após nos fartarmos combinamos de tomar café juntos na casa da Miriam no dia seguinte, o cardápio já estava combinado, bolo de arroz e pão caseiro.
Acordamos com as galinhas e a tranquilidade de cada momento fazia tudo mais feliz. O cheiro do pão já perfumava a casa da miriam quando saímos do quarto. Vitoria era a pura felicidade. Todos chegaram e eu estava ansioso para provar o famoso bolo de arroz assado na palha da bananeira. Tudo era simples e bonito. Na saída vitória chorosa não queria nos deixar sair, Raylane também não queria ir, estar entre as pessoas que amamos é sempre especial e a despedida nunca é fácil.
O dia era de festa na casa do Raimundão na comunidade Rio Branco, dentro da RESEX Chico Mendes, quando chegamos a maior parte dos convidados ainda não estavam por lá, em uma roda companheiros de muitos anos relembravam com Raimundão as histórias do tempo dos empates, Júlio Barbosa fez questão de contar uma vez que estavam disputando o sindicato de trabalhadores rurais e que ele, Pedro Teles e alguns companheiros, passaram mais de um mês andando nas comunidades de Xapuri, conversando e organizando os trabalhadores. Os tempos eram difíceis e onde chegavam já iam tratando de arrumar um trabalho para fazer umas diárias e comprar o rancho da viagem.
Dali a pouco Carrilho apareceu com um violão, surgiu uma sanfona, triangulo e zabumba e um grupo improvisado de forro começou a dar o tom na festa. Já era meio dia quando o Raimundão pegou o microfone e convidou um coral da igreja para cantar, foi cantoria, Pai Nosso e Ave Maria para abençoar todos os presentes. Ele ainda abriu o microfone para alguns trazerem felicitações e o aniversario quase vira um comício.
Já ia dar duas horas quando liberaram a comida, eu estava com fome e preocupado com o retorno, os que vieram da cidade passaram mais de duas horas esperando para atravessar na balsa. Comemos e fomos nos despedindo, a festa ainda ia longe para quem morava na comunidade, mas, nós tínhamos que ganhar terreno, ainda tínhamos muitos lugares para conhecer, muitas pessoas para visitar. Raylane com saudade dos seus tios e primos já me perguntava que dia vamos voltar.
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