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Diário do Acre: KM 59, em Brasiléia

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Pertinho da cidade, entramos em um pequeno ramal ladeado de floresta onde nossa companheira Francisca, presidente do STTR de Brasiléia, reside. Eu, Raylane, Danilo e Marcelo fomos convidados para conhecer uma parte da família da Francisca que mora nos ramais do KM59, sem sombra de dúvidas o local com maior contingente populacional da zona rural de Brasiléia.


Rasgamos a BR e entramos no ramal do 59. Alguns quilômetros adiante pegamos uma manga para chegar na casa do seu Raimundo Fogo. Ele estava ajeitando uma arquibancada quando chegamos. Estava organizando um campeonato e a tarde os times iam se achegar por ali. Largou o boca de lobo e nos chamou para entrar. Fogo é pai da Francisca e morador antigo da comunidade, tão antigo que por vezes o ramal do café onde mora é chamado de ramal do fogo.

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Perguntei logo de onde veio o fogo. Me contou que seu vô, um cearense que trouxe a família para o Acre, era ruivo e o apelido foi sendo passado de pai pra filho, por isso fogo. Enquanto conversávamos uma gata manhosa se abancava no colo do fogo, ele saiu um instantinho e ela veio pra cima de mim, folgada que só ela.


Perguntei se Raimundo ainda batia uma pelada, ele me disse que agora mais assistia do que jogava, mas continuava amando o esporte, tanto é que cuida com muito zelo do campo. Aliás, aproveitou pra contar que pelo menos uns quatro políticos diferentes de Brasiléia já tinha prometido arrumar o campo, caso eleito fossem.


Um deles prometeu até a iluminação, e disse que como tinha certeza que ia ganhar, seu fogo já podia até cortar as madeiras. Lógico que perguntei se ele cortou. Me disse que na hora que saiu o resultado e o dito cujo se elegeu já foi serrando animado uma aguana bonita para os postes das luminárias. Olhei pro campo antes de rir e perguntei pela aguana. Só se ele vier amanhã, por que até hoje não voltou.



Seu foguinho tinha muitas histórias, mas o tempo era curto, fomos nos despedindo, mas antes de sair ele deixou uma história e uma lição, quando alguém pede uma ajuda e você tem como é melhor ajudar. Falou de um comerciante que tinha uma das lojas mais surtida de Brasiléia e de um dia que uma mulher levou uma folha com um pedido, assinada pelo delegado comprovando que a mulher precisava. Ele arrogante mandou a mulher parar de pedir e ir trabalhar, ela olhou pra ele e jogou uma praga. As últimas vezes que ele soube do comerciante foi por peões que lhe disseram que ele estava bêbado dormindo nas cadeiras, depois de tudo perder.


Passamos rapidinho na casa do galego, filho da Francisca, e deixamos avisados que voltaríamos para almoçar. Ainda topei a Raquel Dourado por lá, uma amiga minha dos tempos do CTA e do Comitê Chico Mendes que está morando no México. Ela andava pela comunidade com outras pesquisadoras fazendo um estudo em parceria com uma universidade alemã.



Na casa da Sulamita, conhecida como princesa a distância foi necessária, ela não estava se sentindo bem não sabia se era uma gripe ou se o corona tinha lhe encontrado em casa. Mas nos disse já está bem melhor, a parte mais difícil já passei, achei que dessa vez eu ia, nos disse enquanto proseávamos na sala. Ofereceu um café numa garrafinha azul, que fez questão de dizer para Francisca que era do seu falecido marido. Essa é aquela garrafinha que ele levava pra cima e pra baixo.


Reparei na blusa da Santa Raimunda que ela vestia. E perguntei se era devota, respondeu que sim, Francisca lembrou que a procissão estava chegando, ano passado lhe encontrei por lá falei pra Francisca, a história da viagem já contei até aqui na coluna, não sei se esse ano vou conseguir ir.

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Moisés estava para o roçado juntando um feijão pra bater, mas sua esposa Maria nos recebeu de portas abertas. Já íamos saindo quando ele chegou. Danilo questionou o que tinha acontecido com cachorro que carregava uma ferida aberta nas costas, foi uma pico de jaca, tô tratando, mas quando ela pega é difícil, ele tá é bom, vocês tinham que ver a um mês atrás.


Moisés é um companheiro do sindicato e tem compreensão das dificuldades da comunidade e a importância da produção. Me falou da sua plantação de café e da venda no ano passado, vendi cedo e me ferrei, ele mais que triplicou no final do ano passado. Esse ano o bicho vai ficar no paiol até dar preço, os atravessadores sempre se aproveitam dos produtores, lamentei dizendo que é assim em todo o lugar.


A hora já avançava e a barriga começava a roncar, quando encostamos na casa do João do Siríaco. Ele nos ofereceu um chazinho e já foi perguntando do ramal. Nas chuvas é a lama e no verão a poeira e buracos, até nos desanima produzir, me disse meio triste. Me contou dos tempos bons e da produção do café, que segundo me disse, lhe deu tudo que tem, até as vaquinhas no campo foram frutos do café. Ele quer voltar a produzir, mas do jeito que vai tá difícil, lhe falei de esperança e ele sorrindo me disse enquanto estamos vivos seguimos com ela.


A galinha caipira ainda estava na pressão quando chegamos na casa do Galego e da Nilda. Chiquinho, um amigo da RESEX Chico Mendes de Assis Brasil, estava por lá. Ele também estava ajudando na pesquisa desses alemães. Chamamos para almoçar, mas ele já tinha filado a boia na casa do João Siríaco, pouco antes de chegarmos lá.



Galego era só gaiatice, ficava provocando todos em qualquer assunto que se discutia. Também contou suas histórias, mas nem tudo é pra publicar. Nilda avisou que a galinha estava pronta, Marcelo foi o primeiro a chegar na cozinha. Já pedi a farinha e servi um pirão, caipira mesmo só é boa com um pirão escaldado. Nem esperamos a comida sentar no bucho e já continuamos nossas visitas.


Lá na frente encostamos na casa da caboca, irmã da Francisca, ela nos ofereceu uns dindins, nesse calor não tem nada melhor. Enquanto conversávamos a filhinha dela passeava com cachorro na bicicleta, não tinha como não observar a cachorrinha a passear. Manezinho chegou ele tinha ido buscar uns alevinos, mas terminou dando viagem perdida. Nós chamou pra ficar por lá e dormir. Francisca avisou que ia pra sua mãe, hoje é o aniversário da Richely vai ter forró por lá.


Fechamos o dia na casa da dona Marilza mãe da Francisca, chegando lá ela tava pegada fazendo um marral (ou Majal como se escreve na Bolívia), para o aniversário de uma nora. Enquanto conversarmos ela ofereceu uma paquinha, Raylane que ama paca já se animou toda e serviu-se da iguaria. Tatiane, neta da dona Marilza, que mora com ela, brincava com periquito Rico enquanto conversarmos.



Estava curioso com Marral e perguntei a receita, que divido aqui com vocês. Pra esse tanto que ela fez foram 4 quilos de arroz, um pacote de macarrão tipo espaguete, 2 quilos de carne moída e 6 bananas cumpridas fritas, alho e cebola a gosto e óleo para fritar. Numa panela grande coloca o óleo a cebola e o alho, junta com macarrão quebrado mais ou menos em três pedaços. Quando ele ficar vermelho joga o arroz, frita mais um pouquinho e coloca água, quando o arroz tiver no ponto, mistura a carne já cozida e a banana frita. Eu provei e estava uma delícia. Francisca me disse que ela gosta do de carne seca, eu já tinha comido o de frango, mas esse estava uma maravilha.


Passamos rapidinho na casa do Delmo ,irmão da Francisca, cuja esposa estava aniversariando. Levamos o Marral e fui deixar as felicitações. Fomos convidados para ficar no forró, mas pedimos licença para pegar trecho e deixamos a Francisca como nossa representante na festa. O sol já se punha quando trocamos o chão de terra batida pelo asfalto. A noite tomava espaço, enquanto percorríamos serenamente a BR, gratos pelo dia e pelas novas amizades.



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