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Somos todos vítimas do extremismo que mata!

Quando um extremista político desfere seus tiros, as vítimas são mais que um pai e sua família. Ali no sofrimento da esposa e dos filhos estão contidos a dor de um mundo que vai se desfazendo, de um sonho sonhado ao longo de séculos chamado civilização. A radicalidade intolerante que decreta o assassinato de um pai de família em plena festa de aniversário com amigos, decreta também o fracasso do ideal democrático do respeito pela divergência, e mata consigo o princípio cristão do amor ao próximo.


O ato extremo de Jorge Guaranho contra a vida de Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu, pelo singelo fato da vítima ser petista e eleitor de Lula, é um ato que escancara mais ainda nossa falência como projeto de sociedade. Ela se junta às nossas outras falências. Como povo que compartilha o mesmo idioma, cultura e amor pelo futebol, fracassamos ao não sermos capazes de garantir a 33 milhões de irmãos brasileiros a dignidade de poder se alimentar diariamente; assim como é fracasso coletivo o nome a ser dado para a violência cotidiana que a cada ano ceifa a vida de 39 mil pessoas por armas de fogo em nosso país.


Pior ainda quando se constata que o ato absurdo de Jorge Guaranho não é um fato isolado. Ele vem sendo estimulado por quem hoje ocupa a presidência da república, e que ao longo dos últimos anos fez questão de escalar a onda de intolerância que crescia no país, alimentando sentimentos de medo e ódio por meio de sua fábrica de exageros e mentiras – ou fake news, como muitos preferem chamar.


Nós, aqui nesse canto da Amazônia, fazemos parte disso. Foi aqui que pela primeira vez o então candidato Bolsonaro ensaiou um discurso belicoso e radical. Perigoso, como o assassinato de Marcelo Arruda veio comprovar. Quando se lida com as massas é preciso ter responsabilidade, porque não é possível prever a forma como pessoas reagirão aos estímulos emitidos. É o mesmo princípio que recomenda não se noticiar morte por suicídio.


Aqui, em 2018, Bolsonaro pregou o “fuzilamento” de adversários. Sem sequer saber de quem estava falando, motivado apenas por sua ideologia extremista, simulou o aniquilamento físico de quem pensava diferente. Na ocasião, foi ovacionado por uma turba revolta e tão irracional quanto oportunista era seu discurso. Diante da inércia das instituições que deveriam zelar pela paz de uma campanha eleitoral civilizada, viu-se liberado para botar mais intensidade ainda em sua pregação belicosa.


E ficaram os sinais dessa passagem. Durante muito tempo foi impossível conversar sobre política no Acre. A sensação comum era que qualquer manifestação contrária ao sentimento beligerante e autoritário de feição bolsonarista seria repelida com agressão e ódio, quando não avançasse para ameaças físicas mesmo. Nosso ambiente político tão contido na tradição dos comícios de bairro, das reuniões em comunidades e nos debates de mesa de bar, descambou para a intolerância, o medo e o silêncio. Talvez a frase mais ouvida nas reuniões de família até há pouco fosse “aqui ninguém vai falar de política”, numa tentativa das matriarcas em manter alguma paz no encontro de final de semana da família.


O discurso de ódio que ganhou uma eleição há pouco tempo já não garante sucesso nesta, mas ainda é capaz de produzir suas vítimas. Marcelo Arruda, sua esposa e seus filhos são algumas delas. Assim como Jorge Guaranho, o assassino, e sua família. Com eles sofrem todos os que um dia alimentaram a crença em um projeto civilizatório capaz de nos unir como irmãos, como quem compartilha a luta cotidiana por vida digna e um lugar tranquilo para viver.



Irailton Sousa
Sociólogo