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Diário do Acre: Agrovila, Nova Cintra e Profeta

Por
Cesário Campelo Braga

Um cafezinho preto para acordar e já fomos ganhando o trecho. Raylane, minha esposa, estava animada para conhecer algumas comunidades de Rodrigues Alves. Burica e Marcelo que nos acompanhavam conhecem cada comunidade a palmo. No céu o sol já dava sinais que não iríamos encontrar desafios nos ramais.


Uma plantação de graviola que dava gosto de ver circundava o terreiro do seu Lauro. A esposa dele nos ofereceu um café e obviamente um suquinho de graviola. Seu Lauro anda meio adoentado, desde o corona que o pulmão não é mais o mesmo, agravou mais ainda os anos fumando tabaco de mói. Mas, como ele mesmo disse: – “Deus continua abençoando e estamos vivos”. Deixamos um abraço para a companheira Leidiane filha do casal.



Encostamos na casa do Tubamba que tinha saído para ajudar um vizinho. Eles foram atrás de uns bois que vazaram a cerca. – “Vamos ali”, disse Marcelo, apontando para um caminho estreito, uma caminhada faz bem. O sol já estava esquentando e as ladeiras pelas bandas do Juruá não são tão amigáveis. No topo de uma ladeira, encontramos o Binha, que estava colocando algumas tábuas para secar. – “vou ver se dou uma melhorada na casa, tive que tirar essa madeira longe aqui por perto não tem mais madeira boa. Vão subindo que eu já chego”.


Pitoco, esposa do Binha nos recebeu na varanda e mandou subir. – “não precisa tirar a bota” avisou. Eu e a Raylane tiramos as nossas, não vamos sujar o assoalho vermelho tão lustroso. Pitoco era só felicidade com a visita, deu conta de como estavam todos os filhos, eles são muito amigos do Marcelo que, antes de sair, perguntou pelo Jesus que mora uma casa antes deles. – “Está para a igreja”, informou Pitoco, antes de se despedir.



Na volta topamos Jesus no caminho, voltando para a casa com sua esposa. O sol já estava quase a pino, procuramos uma sombra e proseamos um pouco. Mais adiante encostamos na casa do seu Maurício, pai da pitoco, que estava remendando uma tarrafa na varanda. Já perguntei pelos peixes, ele mostrou os rasgos na tarrafa e disse que foram do dia anterior. – “Ainda peguei mais de cem mandins”. Já me animei, mas o Burica avisou que tínhamos que seguir viagem, passamos rapidinho na casa do Novo que tinha acabado de chegar e rasgamos chão.


Bulula é difícil de encontrar, fui mais uma vez na casa dele e ele já não estava por lá, sua esposa disse que ele esperou foi muito, mas chamaram ele para ir no aniversário do Riberinho assar umas galinhas, aí já viu né, melhor ir num churrasco do que esperar pra jogar conversa fora. – “Na volta, vamos para nesse aniversário”, disse Marcelo, vai que ainda tem galinha assada.



O almoço foi na casa do véi na agrovila. A galinha caipira já estava na pressão só escutando a conversa quando chegamos. A agrovila é bem bonitinha, eu adoro as vilas do Juruá, quem conhece bem sabe que quase todas as cidades daqui são circundadas por vilas, umas mais urbanizadas e outras ainda precisando de muita infraestrutura, como é o caso da pacata agrovila às margens do Juruá.


Nem terminamos de comer e a casa foi enchendo. A relação com a vizinhança é quase familiar, até por que a maioria das casas não tem cerca, parece que todos os quintais são um só. A roda na casa ao lado estava animada, um litro de tampa azul passava de mãos em mãos e a risadagem estava garantida. Histórias da festa da noite anterior surgiam, um dia inteiro não seria suficiente pra ouvir todas.


Paramos no Ribeiro para ver o Bulula, a família dele já estava por lá, mas de bucho cheio nem perguntamos pelas galinhas assadas. Adiante encostamos na casa do Fernando, uma plaquinha chamava atenção. Vende-se gasolina, 10 contos o litro. Perguntei se tava vendendo muito, ele já disse logo que não, “eu mesmo já comprei 9 remos para a canoa, um pra cada um aqui de casa” todos riram, mas o silêncio que veio com a reflexão da dificuldade não foi feliz.



Na beira da estrada, sentado embaixo de uma mangueira, seu Damicio observava o movimento, Burica mandou parar para cumprimenta-lo, seu Damicio tem 96 anos e é um dos pioneiros na comunidade. Me contou do início de tudo quando ninguém respeitava os trabalhadores rurais. Me contou animado que agora até gerente de banco andava por lá atrás de arrumar dinheiro para os trabalhadores. Me confidenciou que estava animado com a possibilidade do cabeça branca voltar a ser presidente.


Quando chegamos na comunidade profeta, tava rolando um torneio e boa parte da vila estava na beira do campo, não na grama, no poeirinha como eles chamam por lá. Tínhamos combinado de ir na casa do Lulu. Enquanto aguardávamos fiquei conversando com Lolinha. Ele me contou que a saúde estava boa, graças a uma garrafada milagrosa que comprou de um pajé nas margens do Juruá. São tantas ervas que eu nem sei dizer, é bom até pra devolver a felicidade para véi cansado que não faz mais menino. Questionei qual era a etnia do pajé, num misto de curiosidade e interesse, mas ele abarcou de lá que um homem da minha idade não precisava disso ainda.



Dali a pouco os filhos do Lulu foram chegando, parece que deu briga no torneio. O comentário era um que um puxou uma faca e outro uma ripa, mas a galera do deixa disso apartou. Quando é valendo alguma coisa, os ânimos quase sempre esquentam. Sentamos embaixo de umas árvores para jogar um pouco de conversa fora, Marcelo me apresentou todos pelo apelido, alguns não dão nem publicar.


A hora avançava e tivemos que nos despedir. Aos amigos que fizemos em cada comunidade deixamos a certeza que iremos voltar, aos que trouxemos da cidade a gratidão por está junto mais uma vez na caminhada.



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Cesário Campelo Braga

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