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‘Enquanto eles matam, levantamos vozes’, diz filha de Chico Mendes

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Filha do seringueiro Chico Mendes, assassinado em 1988 por se contrapor ao avanço destrutivo de grileiros e fazendeiros na Amazônia, a ambientalista Angela Mendes vê similaridades entre a trajetória de seu pai e as do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, mortos no início do mês no Amazonas.


“Eles têm o mesmo propósito, a mesma causa coletiva: a luta pela preservação do meio ambiente e das populações que estão nesse meio”, diz Ângela em entrevista à BBC News Brasil.


“Se você considera o cenário de extremos ataques a essas populações e territórios, que têm como pano de fundo a exploração mineral, a retirada de madeira, (a criação do) gado, no final das contas, a realidade do Chico é a mesma que enfrentavam o Bruno e o Dom”, ela afirma.

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Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados quando viajavam pelas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, no início do mês.


Dom, que estava escrevendo um livro sobre como salvar a Amazônia, visitava a região para conhecer o trabalho de Bruno junto a uma associação indígena local, que vinha se contrapondo a garimpeiros, madeireiros, pescadores e caçadores ilegais.


Segundo a polícia, Bruno havia sofrido ameaças por causa do trabalho — assim como também enfrentava ameaças o seringueiro Chico Mendes antes de ele ser morto em Xapuri, no Acre, em 1988.


Chico Mendes liderava um sindicato que criou a estratégia dos chamados “empates”, nos quais seringueiros desmontavam acampamentos de peões contratados por fazendeiros para derrubar as matas.


Por causa das ações, foi assassinado com um tiro de espingarda quando se preparava para tomar banho em sua própria casa.


A filha do seringueiro, que tinha 19 anos quando o pai foi morto, conta que já imaginava que Dom e Bruno pudessem ter sido assassinados quando soube do desaparecimento da dupla, na última segunda-feira (06/05).


Ela lembra que o Brasil figura entre os primeiros colocados nos rankings de países onde mais ativistas ambientais são mortos.


“A gente sabe que, com o cenário que está posto, de intenso incentivo (a crimes contra ativistas ambientais) e impunidade, o fim não poderia ser outro”, afirma.


“Dom e Bruno se somam a muitas outras pessoas cuja morte não teve tanta divulgação, mas que também fazem parte dessa terrível lista”, diz.


Angela vê semelhanças entre as quadrilhas que atuam no Vale do Javari, onde Dom e Bruno morreram, e as que estão presentes na Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, criada após a ação de seu pai.


A polícia diz suspeitar que um grupo de pescadores ilegais vinculado ao narcotráfico esteja por trás das mortes de Dom e Bruno.


Na reserva Chico Mendes, diz Angela, desmatadores também “estão agindo aliados ao narcotráfico”.

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“É uma situação muito difícil para a gente, e quem está no território está sendo dominado, oprimido. Sabemos que pessoas nesses lugares estão sendo ameaçadas”, afirma.


Ela também vê similaridades, ainda que com variações, entre a relação que o governo federal mantém com a Amazônia hoje e a que mantinha nos tempos de seu pai.


Chico Mendes se tornou um ativista durante a ditadura militar, quando o governo encampava na Amazônia os lemas “integrar para não entregar” e “uma terra sem homens para homens sem terra”, estimulando a ocupação da floresta sob o pretexto de garantir a soberania nacional sobre o território.


No entanto, diz Angela, “ao chegarem aqui, os ‘proprietários’ se deparavam com uma floresta viva, cheia de gente, pessoas que vieram principalmente do Nordeste para o cultivo do látex, e começaram a expulsar e matar essas pessoas, que aqui já estavam há 30, 40, 50 anos”.


O governo atual, diz Angela, “é a interface do governo militar da ditadura”.


“Seja através de suas manifestações, seja através dos atos, ele (governo) estimula esse estado de violência. Ele usa um código que as pessoas ouvem e começam enlouquecidamente a fazer coisas”, diz a ativista.


Ela lembra o episódio conhecido como o Dia do Fogo, em 2019, quando fazendeiros no Pará se organizaram para queimar áreas de floresta no mesmo dia para dificultar a fiscalização.


Segundo ela, o grupo se sentiu encorajado por declarações do presidente Jair Bolsonaro críticas a órgãos de fiscalização. “Esse tipo de atitude incentiva e banaliza a violência”, afirma.


A BBC enviou as críticas de Angela à Presidência da República, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.


Proteção a ativistas

Angela afirmou que a morte de Dom e Bruno reforça a urgência da entrada em vigor, no Brasil, do Acordo de Escazú, um tratado internacional que cria proteções para defensores ambientais.


Assinado por 24 países caribenhos e latino-americanos, dos quais 12 já o ratificaram, o tratado busca garantir segurança a quem denuncie crimes ambientais e ampliar a participação social em órgãos de fiscalização, entre outros pontos.


O Brasil assinou o acordo em 2018, mas ainda não o ratificou.


A ratificação do acordo, diz Angela Mendes, pode inclusive ajudar a tornar mais transparentes as investigações do crime contra Dom e Bruno.


Apesar da comoção gerada pela morte da dupla, ela afirma que o caso tende a fortalecer o movimento pela proteção da floresta.


“Enquanto eles vão matando, a gente vai vivendo e levantando mais vozes”, diz.


Angela lembra a frase de um amigo de seu pai. “Ele dizia que aqueles que atiraram no Chico erraram o tiro. Pensaram que tinham matado, mas não mataram, porque as ideias dele estão aí, ele continua sendo falado. E, se ele continua sendo falado, é porque ainda está vivo”.


A morte de Bruno e de Dom — assim como a da freira americana Dorothy Stang, assassinada em 2005 por defender agricultores sem-terra em Anapu (PA) — terá efeito similar, diz ela.


“Hoje a gente tem muito mais Chicos, e com certeza teremos mais Doms, Brunos e Dorothies”, afirma.


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