A 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou nesta terça-feira (7) a decisão do ministro Nunes Marques, que com uma canetada salvou o deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR) da cassação imposta pela Justiça Eleitoral.
Os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votaram para revogar a decisão do colega. André Mendonça e o próprio Nunes Marques ficaram derrotados. Os dois defendiam a manutenção do mandato do deputado.
O resultado do julgamento impõe uma derrota e amplia o isolamento do ministro Nunes Marques no STF. Como mostrou o UOL, o ministro tem acumulado críticas internas devido a votos, decisões e pedidos de vista em julgamentos de interesse do Planalto.
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Francischini é apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) e foi o primeiro parlamentar punido por fake news no TSE. Em 2021, a Corte cassou o mandato do deputado por fazer uma live durante o primeiro turno de 2018 acusando suposta fraude nas urnas.
Por 6 votos a 1, os ministros do TSE entenderam que ele cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Em voto, Mendonça afirmou que acompanharia Nunes Marques para dar “segurança jurídica” e disse que as declarações de Francischini não tiveram o condão de influenciar nas eleições de 2018 a ponto de justificar a pena de perda de mandato.
“Entendo que nesse caso é adequado preservar a vontade democrática desses eleitores, e não se aplicar de maneira tão contundente, tão forte, uma pena que implique a perda de um mandato que foi objeto de escolha dos eleitores”, disse.
Fachin foi o primeiro ministro a divergir e disse que existência de um debate “livre e robusto de ideias” não dá salvo conduto para ninguém “falar ou escrever afirmações notoriamente e sabidamente falsas que só visam tumultuar o processo eleitoral”. O ministro foi acompanhado por Ricardo Lewandowski.
Assim, às vezes é necessário repetir óbvio. Não existe direito fundamental em atacar a democracia a pretexto de se exercer qualquer liberdade. A lealdade à constituição é devido a todos, sobretudo aos agentes políticos, que só podem agir respeitando-a. Não se pode confundir o livre debate público de ideias e a livre disputa eleitoral com a autorização para disseminar desinformação, preconceitos e ataques à democracia”Edson Fachin, ministro do STF e presidente do TSE
Último a votar, Gilmar Mendes desempatou o placar e disse que o discurso de ataques sistemáticos às urnas não pode ser enquadrado como “tolerável” em um Estado Democrático de Direito que tem o voto direto e secreto como cláusula pétrea. “Especialmente por um pretendente a cargo político com larga votação para a disputa de deputado estadual. Tal conduta ostenta gravidade ímpar”, disse.
Como mostrou o UOL, a decisão de Nunes Marques que salvou Francischini ampliou a percepção interna no Supremo de alinhamento entre o ministro e o Planalto.
Embora não seja um fenômeno restrito ao ministro na história do STF, a relação entre Nunes Marques e o Planalto ganhou destaque com as declarações e elogios públicos de Bolsonaro aos votos do magistrado. O presidente já disse que o ministro é um dos seus “10%” dentro do Supremo.
A decisão desagradou uma ala da Corte que defendia uma discussão do plenário sobre o caso.
Um movimento para isso foi dado no fim de semana, com a ministra Cármen Lúcia enviando diretamente ao plenário virtual uma ação movida por um suplente do Paraná que questionava a decisão de Nunes Marques. Pedro Paulo Bazana (PSD) assumiu o cargo com a cassação de Francischini.
O caso foi pautado imediatamente pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, para esta terça (7) no plenário virtual.
Nunes Marques então levou sua liminar para referendo na 2ª Turma na véspera da sessão virtual. A manobra teve o condão de esvaziar a discussão do plenário, suspensa na madrugada de hoje por André Mendonça, que pediu vista.
Em justificativa, Mendonça disse que como Nunes Marques já havia levado a decisão para referendo na turma, havia o risco do STF produzir dois entendimentos distintos para o mesmo caso. Assim como Nunes Marques, Mendonça também compõe a 2ª Turma.
Antes de ser suspenso, o julgamento da mesma decisão de Nunes Marques no plenário contava com 3 votos para derrubar a liminar. Cármen Lúcia, Edson Fachin e Alexandre de Moraes afirmaram que o caso era “excepcional” e permitia a revisão da decisão do colega.
O plenário julgava um mandado de segurança, um tipo de ação apresentada para questionar atos de autoridades públicas. Normalmente, este tipo de processo contra uma decisão de ministro do STF é rejeitado, mas, no caso da decisão de Nunes Marques, a ministra Cármen Lúcia defendeu que a ação poderia excepcionalmente rever a liminar do colega.
“Pelo procedimento adotado no caso agora examinado, instaurou-se por iniciativa do Ministro Relator processamento de feito afrontoso à legislação processual civil e ao Regimento Interno do STF, paralelamente ao processamento de arguição de descumprimento de preceito fundamental”, disse a ministra.
Em voto, Alexandre de Moraes afirmou que a decisão de Nunes Marques “encontra óbices processuais insuperáveis e contraria pacífica jurisprudência” do Supremo, e por isso precisava ser revisada.
Em entrevista ao SBT, veiculada hoje, Bolsonaro acusou o TSE de “perseguição” por ter condenado Francischini à perda do mandato, no ano passado. O presidente afirmou que a decisão foi tomada “completamente sem qualquer justificativa, qualquer embasamento”, e disse concordar com o deputado.
No dia do primeiro turno das eleições 2018, a dez minutos do fim do horário de votação, Francischini fez uma transmissão ao vivo e afirmou que “fizeram algum cambalacho pro Jair Bolsonaro não ganhar essa eleição no primeiro turno”, algo que o próprio presidente já sustentou em várias ocasiões.
Para Bolsonaro, o deputado se limitou a emitir uma opinião. “E digo mais: a opinião dele é exatamente igual à minha. Igual à minha, tá?”, disse Bolsonaro ao SBT. Na entrevista, ele disse ter recebido vários vídeos e relatos de que as urnas estariam fraudadas.
“Porque vários vídeos chegavam para mim, chegou para ele também, de pessoas que iam votar e, quando apertavam o número 1, já dava por encerrada a votação e aparecia a foto do candidato 13, o Haddad, ali do lado”, completou o presidente.
A decisão que cassou Francischini é vista no TSE como um modelo a ser seguido pelo tribunal ao lidar com candidatos que disparem fake news contra o processo eleitoral neste ano. O entendimento da Corte Eleitoral, que puniu pela primeira vez um deputado por atacar as urnas, foi publicamente elogiado por Alexandre de Moraes, que comandará o tribunal no próximo semestre.
No entendimento do ministro, a decisão abria caminho para enquadrar os casos como “abuso de meios de comunicação” e levar à cassação de candidaturas.
“Notícias fraudulentas divulgadas por redes sociais e que influenciem o eleitor acarretarão a cassação do registro daquele que a veiculou. O nosso leading case é um deputado estadual do Paraná”, disse Moraes.
Na sexta (3), um dia depois da decisão de Nunes Marques derrubar o entendimento do TSE, Moraes voltou a defender a medida e contrariou o colega ao dizer que é possível, sim, equiparar as redes sociais aos meios de comunicação. Essa tese foi a base da condenação de Francischini na Corte Eleitoral e questionada por Nunes Marques em sua decisão no Supremo.
“[Nas eleições], para fins eleitorais, as plataformas, todos os meios das redes, serão considerados meios de comunicação para fins de abuso de poder econômico e abuso de poder político. Quem abusar por meio dessas plataformas, a sua responsabilidade será analisada pela Justiça Eleitoral da mesma forma que o abuso de poder político e abuso de poder econômico é pela mídia tradicional. Não podemos fazer a política judiciária do avestruz e fingir que nada a acontece”, disse Moraes.
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