A principal cadeia produtiva no estado do Acre vem sofrendo medidas que atingem tanto os produtores quanto o consumidor final. Ainda assim, vem traçando estratégias para manter de pé uma indústria que sustenta milhares de empregos e uma das maiores receitas relacionadas a impostos na região. A indústria da carne gera anualmente um aporte de 1,8 bilhão ao estado e mesmo assim vem enfrentando entraves junto aos poderes legislativo e executivo.
Há décadas a pecuária vem se apresentando como parte fundamental da economia local, pois gira toda a cadeia produtiva e de quebra acrescenta na geração de emprego e renda. O Acre possui atualmente três indústrias com serviço de inspeção federal, podendo levar a carne para outros estados da federação ou exportar para outros países. Além disso, conta com outras 25 indústrias chamadas de matadouros, que apresentam inspeção estadual.
O presidente do Sindicato das Indústrias de Frigoríficos e Matadouros do Estado do Acre (Sindicarnes), Murilo Leite, explica que o estado abate em torno de 35 mil animais (bovinos) a cada mês, entre machos e fêmeas. “Desse total, aproximadamente 70% vai para fora do estado e 30% é comercializado no mercado local. É uma indústria de muita importância, já que no estado temos poucas indústrias. Essa é uma das cadeias produtivas mais importantes da nossa economia”, relata.
A indústria da carne emprega diretamente cerca de 2 mil pessoas só no segmento das industrias, sem contar os empregos indiretos. A indústria, como setor produtivo, tem recebido investimento em tecnologia, abatido boi mais precocemente e evoluído nos processos de industrialização. Leite destaca que no Frigo Nosso, de sua propriedade, por exemplo, vende tanto a carne com osso, como também faz o papel industrial de desossar e vender peças de carne embaladas a vácuo.
“O Acre, como o Brasil em geral, tem uma grande participação no mercado mundial da carne. A vantagem da nossa carne é que ele não é de um boi confinado, mas um boi verde, criado 100% a pasto”, esclarece o presidente do Sindicarnes. Segundo ele, esse é principal diferencial do Acre em relação aos demais estados brasileiros, que tem um boi confinado. “Nosso boi aqui é 100% criado a pasto. O que confina tem que dar ração, então isso reflete na qualidade da carne, do sabor. O Acre tem uma carne de muita qualidade”, afirma.
Apesar dos avanços do produtor no melhoramento genético dos animais e dos pastos, Leite revela que nos últimos anos essa indústria tem sofrido. Alguns pecuaristas ainda tem optado por não fazer a castração do animal. “Houve certo aumento no número de bois não castrados, o que não dá aquela gordura que o consumir gosta. Ultimamente o que tem nos atrapalhado na indústria é a questão do acabamento, por isso temos conversado com alguns pecuaristas e mostrado que eles precisam produzir uma carcaça com bom acabamento de gordura, que é isso que vende a carne”, assegura, dizendo que esse é um gargalo para o setor, mas que vários produtores já entenderam o problema e estão procurando melhorar.
Entre os avanços dessa indústria local, está a inserção do Sindicarnes na Federação das Indústrias do Estado do Acre (Fieac). Com isso, o setor ganhou apoio representativo das indústrias perante uma interlocução com os órgãos governamentais, apoio jurídico e também chance de contraponto. “Ultimamente o sindicato tem debatido com o governo as últimas medidas que entendemos que vem contra a indústria, como redução da base de cálculo para saída de boi gordo para outro estado”.
Murilo ressalta que a assinatura de regulamentação reduzindo a base de cálculo para saída de bezerros causa preocupação e o problema foi apresentado para o estado. “Quando você tira um bezerro do estado, vai gerar emprego em outro estado. Todas as indústrias estão operando com capacidade ociosa, redução de abate e isso pode ser um grande problema daqui a dois anos, porque esse bezerro sai praticamente sem pagar nada, não contribui com geração de emprego, não deixa imposto no estado, então vemos com muita preocupação essas medidas”.
Recentemente foi aprovado o Confaz que podem sair até 500 mil cabeças de gado, sendo que nascem por ano no Acre por volta de 700 mil cabeças. “São abatidos anualmente aqui no Acre cerca de 400 mil animais. Se nascem de 700 a 750 mil, e o estado tem necessidade de abate de 400 mil, sobra 300 mil. Se sai 500, está anunciado que daqui a dois anos vai ter fechamento de empresas e desemprego, porque a conta não fecha”.
O Sindicarnes é novo, atuando há aproximadamente 2 anos, e nasceu pela necessidade de se organizar um grupo para fortalecer e defender os interesses da categoria, bem como auxiliar na interlocução com os órgãos governamentais. “Nessa redução nós não fomos atendidos, mas para as outras conquistas e várias outras, o sindicato proporcionou uma orientação jurídica, técnica, apoio, vem atuando com muito sucesso na representatividade das empresas”.
A exportação é vista como de fundamental importância para o estado do Acre, que já está com pedido de habilitação para a China. “Quando se fala em exportação, temos um leque muito grande, mas hoje muito se fala no ‘Boi China’, país que melhor está remunerando e tem uma demanda muito forte”, salienta Leite. No entanto, trata-se de um processo lento e burocrático. Já em relação ao Peru, o Acre está com toda parte burocrática entregue ao Ministério da Agricultura aprovada e concluída.
“Estamos só aguardando a visita da Senasa, que virá às nossas instalações, para poder nos habilitar. A pandemia suspendeu essa visita e muito em breve, até meados desse ano de 2022, já vamos poder exportar carne do Acre para o Peru e estamos muito otimistas com nossa habilitação pra China”, destaca o empresário.
A Frigo Nosso, por exemplo, atende todos os pecuaristas que os procuram e abate cerca de 400 animais por dia, que é sua capacidade. “Isso dá em torno de 10 mil animais por mês. Fizemos um levantamento dos últimos cinco anos e vimos que, apesar de o Idaf mostrar aumento do rebanho bovino, o que tem acontecido é uma diminuição do abate do gado”. Ao mesmo tempo em que o rebanho aumentou, o Sindicarnes informa que o abate vem diminuindo. “Ninguém consegue entender se foi essa saída indiscriminada de bois que teve no passado”.
O mesmo frigorífico abatia 120 mil animais e no ano passado abateu 88 mil. “O sindicato fez um levantamento junto às empresas sindicalizadas e vimos que a ociosidade está em torno de 50%. Todo mundo está abatendo entre 50 e 40 % da capacidade. Então essas medidas impostas pelo estado nos preocupa muito e temos alertado as autoridades, pois precisamos manter o emprego no Acre”.
Leite explica que a carne é uma Commodities (com preços determinados pela oferta e procura internacional da mercadoria) e no Brasil seu preço de mercado subiu porque o país é um grande exportador de proteína animal. “Falta matéria-prima e o preço sobe. Quando uma parte dessa produção é destinada para exportação, automaticamente o preço vai para outros estados brasileiros. Acompanha-se o preço proporcional da arroba, que subiu, então a carne subiu muito. Essas medidas de redução de alíquota para saída do animal, cria-se uma concorrência desleal”.
Dessa forma, mais na frente, pode provocar novos aumentos de preços, pois está diretamente ligada ao mercado nacional de preços. “Nós precisamos que o governo olhe para nosso setor e veja a importância dele na balança comercial do estado, veja o que deixamos de arrecadação de ICMS de energia, do combustível, do curtume que gera muitos empregos. Nós precisamos que o governo incentive mais, pois o Acre precisa de industrias e o nosso é um dos segmentos mais importantes da nossa economia. Precisamos ser reconhecidos por isso, pois somos um setor que arrecada R$ 30 milhões anuais de ICMS só na indústria da carne”, finaliza.
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