A banquinha de café da manhã estava abrindo, quando Antônio do Bill chegou na saída do Boa União na estrada da Sobral. Tomamos um pretinho e pegamos uma sacola de pão pra tomar café. Buscamos o Josa em casa e seguimos até a casa do Noca.
Noca tinha ficado de nos encontrar na entrada do ramal, temíamos que a chuva não nos deixasse entrar, mas o tempo estava bom e, antes que ele saísse para nos encontrar no ramal, já estávamos chegando em sua casa. Tomamos um cafezinho com pão na cozinha de madeira, enquanto a esposa do Noca terminava de fazer a farofa para levarmos na viagem.
Fui rapidinho com Josa na casa da Nega mãe do Noca, que nos contou sua ida para a comunidade. Morava no Purus e vivia as dificuldades da vida, mas o Noca conseguiu se organizar e a trouxe pra morar perto dele. Ela fala com orgulho de cada filho e filha e fez questão de mostrar a foto de todos no celular. Pertinho da casa da nega fica a escola da comunidade, um prédio de madeira modesto que parece olhar com inveja para a parada de ônibus toda em ferro feita na sua frente. Lembrando do detalhe, não passa ônibus lá.
Embarcamos a carga em nossa canoa e Antônio do Bill foi pro comando do motor. O Riozinho do Rola estava bem cheio, mas não dava de correr, nossa canoa ia pesada. Entramos no igarapé vai se ver e resolvemos deixar metade do combustível para nossa canoa ir mais leve. Subi no porto de uma casa abandonada com o Noca e escondemos os corotores atrás de uma moita. “Coloca na parte alta gritou Antônio do Bill, vai que o igarapé enche”.
Numa curva fechada, Antônio contou a história de um acidente que sofreu. Eu subia e ele descia quando nós encontramos aqui, fintei para um lado ele para o mesmo, voltei pro outro e ele também, só lembro quando ele me abarrou, tornei com o queixo quebrado e a canoa jogada no seco. Cada um fica com o seu prejuízo foi o acordo. Tem que ter cuidado o vai se ver é enrolado e traiçoeiro.
Com água pela cintura Odailson mexia no motor de água na beira do igarapé, enquanto o filho dele brincava na tábua de lavar roupa! Da casinha de longe sua esposa nos observava, Antônio do bill soltou logo o apelido, “esse aqui é o Maldito”, todos riram. Como estão as coisas por aqui? Perguntei interessado na história, mas o relato foi das dificuldades, nem uma diária tá tendo pra fazer um troco.
Seguimos viagem até chegar no porto do Antônio do Bill, a casa ficava uns 5 min de pés longe do igarapé, a várzea grande empurrou a casinha para o topo de uma terra alta. Quando vimos a casa de longe Antônio lembrou do Raimundinho, que dali já perguntava pela rede. Tomamos uma água gelada um café quentinho e arrochamos na farofa, me escorei pelas tábuas da varanda e foi bem difícil levantar depois.
Na beira do igarapé, Antônio Oliveira e seus filhos estavam medindo castanha e embarcando. Uma canoa de 4 toneladas já estava pela metade. Perguntei quanto estavam pagando e constatei que era quase 10 reais a menos que na COOPERACRE. Os marreteiros ganham muito nessa região que produz muita castanha e tem dificuldades de escoamento, porque os ramais não prestam e o igarapé esta cerrado.
Já era fim de tarde quando continuamos nossa subida. Perguntamos ao Antônio quantas horas ainda ia até o Belém, ele falou três, decidimos não atracar mas seguir direto, pois já iríamos chegar bem tarde por lá. Conforme subíamos o igarapé ia ficando mais fechado, balseiros, espera aí, os furos que não davam mais acesso, o negócio foi se complicando e a cada porto que perguntávamos parece que a distância nunca diminuía.
Com o cair da noite ficava um impasse na canoa. Dormimos no próximo porto ou seguimos viagem? Eu, mesmo sem conhecer nada por ali, não queria parar antes de chegar ao destino final. Antônio do Bill dizia que também era desses que se dizia que ia num canto não parava até chegar. Cada vez que tínhamos que descer da canoa para empurrar ou cortar os balseiros com terçado, me perguntava se realmente era a decisão mais acertada.
Já era umas oito da noite quando chegamos num porto onde a canoa do funcionário do marreteiro da castanha estava encostada. Paramos pra conversa e ele disse que não tinha como chegar no centro do Belém, o igarapé estava cheio de galhos e troncos e era impossível passar. Mas ainda dá de ir até o Diploma, que já mora na ponta do Belém. De lá dá de ir de pés. Resolvemos seguir e encarar mais uma hora na canoa guiados pelas lanternas.
Atracamos na casa do diploma já era umas nove horas da noite. Quando encostamos percebi que a luz da casa se apagou. “Acho que não somos bem-vindos”, disse ao nosso amigo Noca e Josa. Tu vai na frente Noca, quando o homem te ver o negócio muda. Cruzando por trás da casa os focos de lanterna chegavam a residência. Quando Noca e Antônio chamaram pelo Diploma as luzes se reacenderam e as portas se abriram.
Na casa a esposa do Diploma e seus filhos se encontravam na sala, barco atracando às nove não é comum, “apaguei as luzes e chamei meu filho pelo rádio” nos disse a senhora. Diploma está pra mata, mais já volta. Cansado da viagem estava sentado na porta da casa quando um foco de lanterna se aproximava. Subi pra dentro, diploma não me conhece e está com uma espingarda. Não vou arriscar ser a próxima caça.
Quando ele chegou foi só alegria, ficou muito feliz de receber o Noca e Antônio do Bill em sua casa e eu e o Josa que ainda não o conhecíamos fomos tratados como os mesmos cuidados dos amigos de anos. Depois do banho ainda ficamos até tarde na cozinha conversando e comendo, e contado a histórias dessa viagem até sua casa. Fomos dormir e combinamos de ir cedo para a o centro do Belém onde fica a casa do seu Luiz Ribeiro, pai do Diploma e referência da comunidade.
Na sala as redes enfileiradas balançavam com cadência enquanto o cansaço virava sono. Pelas janelas abertas a brisa da noite adentrava esfriando o ambiente e perfumando a casa com cheiro úmido da mata. Os sons da floresta rompiam o silêncio da noite e embalavam os sonhos de todos, alguns impossíveis outros tão simples, como apenas a limpeza do igarapé.
Cesário Braga escreve todas às sextas-feiras no ac24horas.com
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