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Diário do Acre: Igarapé Vai Se Ver e Rio Branco I

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A banquinha de café da manhã estava abrindo, quando Antônio do Bill chegou na saída do Boa União na estrada da Sobral. Tomamos um pretinho e pegamos uma sacola de pão pra tomar café. Buscamos o Josa em casa e seguimos até a casa do Noca.

Noca tinha ficado de nos encontrar na entrada do ramal, temíamos que a chuva não nos deixasse entrar, mas o tempo estava bom e, antes que ele saísse para nos encontrar no ramal, já estávamos chegando em sua casa. Tomamos um cafezinho com pão na cozinha de madeira, enquanto a esposa do Noca terminava de fazer a farofa para levarmos na viagem.

Fui rapidinho com Josa na casa da Nega mãe do Noca, que nos contou sua ida para a comunidade. Morava no Purus e vivia as dificuldades da vida, mas o Noca conseguiu se organizar e a trouxe pra morar perto dele. Ela fala com orgulho de cada filho e filha e fez questão de mostrar a foto de todos no celular. Pertinho da casa da nega fica a escola da comunidade, um prédio de madeira modesto que parece olhar com inveja para a parada de ônibus toda em ferro feita na sua frente. Lembrando do detalhe, não passa ônibus lá.

Embarcamos a carga em nossa canoa e Antônio do Bill foi pro comando do motor. O Riozinho do Rola estava bem cheio, mas não dava de correr, nossa canoa ia pesada. Entramos no igarapé vai se ver e resolvemos deixar metade do combustível para nossa canoa ir mais leve. Subi no porto de uma casa abandonada com o Noca e escondemos os corotores atrás de uma moita. “Coloca na parte alta gritou Antônio do Bill, vai que o igarapé enche”.

Numa curva fechada, Antônio contou a história de um acidente que sofreu. Eu subia e ele descia quando nós encontramos aqui, fintei para um lado ele para o mesmo, voltei pro outro e ele também, só lembro quando ele me abarrou, tornei com o queixo quebrado e a canoa jogada no seco. Cada um fica com o seu prejuízo foi o acordo. Tem que ter cuidado o vai se ver é enrolado e traiçoeiro.

Com água pela cintura Odailson mexia no motor de água na beira do igarapé, enquanto o filho dele brincava na tábua de lavar roupa! Da casinha de longe sua esposa nos observava, Antônio do bill soltou logo o apelido, “esse aqui é o Maldito”, todos riram. Como estão as coisas por aqui? Perguntei interessado na história, mas o relato foi das dificuldades, nem uma diária tá tendo pra fazer um troco.

Seguimos viagem até chegar no porto do Antônio do Bill, a casa ficava uns 5 min de pés longe do igarapé, a várzea grande empurrou a casinha para o topo de uma terra alta. Quando vimos a casa de longe Antônio lembrou do Raimundinho, que dali já perguntava pela rede. Tomamos uma água gelada um café quentinho e arrochamos na farofa, me escorei pelas tábuas da varanda e foi bem difícil levantar depois.

Na beira do igarapé, Antônio Oliveira e seus filhos estavam medindo castanha e embarcando. Uma canoa de 4 toneladas já estava pela metade. Perguntei quanto estavam pagando e constatei que era quase 10 reais a menos que na COOPERACRE. Os marreteiros ganham muito nessa região que produz muita castanha e tem dificuldades de escoamento, porque os ramais não prestam e o igarapé esta cerrado.

Já era fim de tarde quando continuamos nossa subida. Perguntamos ao Antônio quantas horas ainda ia até o Belém, ele falou três, decidimos não atracar mas seguir direto, pois já iríamos chegar bem tarde por lá. Conforme subíamos o igarapé ia ficando mais fechado, balseiros, espera aí, os furos que não davam mais acesso, o negócio foi se complicando e a cada porto que perguntávamos parece que a distância nunca diminuía.

Com o cair da noite ficava um impasse na canoa. Dormimos no próximo porto ou seguimos viagem? Eu, mesmo sem conhecer nada por ali, não queria parar antes de chegar ao destino final. Antônio do Bill dizia que também era desses que se dizia que ia num canto não parava até chegar. Cada vez que tínhamos que descer da canoa para empurrar ou cortar os balseiros com terçado, me perguntava se realmente era a decisão mais acertada.

Já era umas oito da noite quando chegamos num porto onde a canoa do funcionário do marreteiro da castanha estava encostada. Paramos pra conversa e ele disse que não tinha como chegar no centro do Belém, o igarapé estava cheio de galhos e troncos e era impossível passar. Mas ainda dá de ir até o Diploma, que já mora na ponta do Belém. De lá dá de ir de pés. Resolvemos seguir e encarar mais uma hora na canoa guiados pelas lanternas.

Atracamos na casa do diploma já era umas nove horas da noite. Quando encostamos percebi que a luz da casa se apagou. “Acho que não somos bem-vindos”, disse ao nosso amigo Noca e Josa. Tu vai na frente Noca, quando o homem te ver o negócio muda. Cruzando por trás da casa os focos de lanterna chegavam a residência. Quando Noca e Antônio chamaram pelo Diploma as luzes se reacenderam e as portas se abriram.

Na casa a esposa do Diploma e seus filhos se encontravam na sala, barco atracando às nove não é comum, “apaguei as luzes e chamei meu filho pelo rádio” nos disse a senhora. Diploma está pra mata, mais já volta. Cansado da viagem estava sentado na porta da casa quando um foco de lanterna se aproximava. Subi pra dentro, diploma não me conhece e está com uma espingarda. Não vou arriscar ser a próxima caça.

Quando ele chegou foi só alegria, ficou muito feliz de receber o Noca e Antônio do Bill em sua casa e eu e o Josa que ainda não o conhecíamos fomos tratados como os mesmos cuidados dos amigos de anos. Depois do banho ainda ficamos até tarde na cozinha conversando e comendo, e contado a histórias dessa viagem até sua casa. Fomos dormir e combinamos de ir cedo para a o centro do Belém onde fica a casa do seu Luiz Ribeiro, pai do Diploma e referência da comunidade.

Na sala as redes enfileiradas balançavam com cadência enquanto o cansaço virava sono. Pelas janelas abertas a brisa da noite adentrava esfriando o ambiente e perfumando a casa com cheiro úmido da mata. Os sons da floresta rompiam o silêncio da noite e embalavam os sonhos de todos, alguns impossíveis outros tão simples, como apenas a limpeza do igarapé.


Cesário Braga escreve todas às sextas-feiras no ac24horas.com

Diário de um Acreano

Diário do Acre: Comunidade Santo Antônio, Jurupari e Feijó

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A comida mal sentou no bucho e pegamos a estrada: eu, Raylane, Davi e Rosa Maria. Aproveitamos para dar carona para o Antônio, Diná e a filhinha do casal que moram na comunidade Santo Antônio, Rosa, nossa presidenta do sindicato, combinou para dormimos na casa do seu tio Antônio. No quilometro 45 entramos no Ramal da Madeireira, e pegamos um atalho pelo alto dos bodes.

Parece que por lá choveu um pouco e no caminho acabamos atolando numa passagem. Depois de muito empurrar e acelerar em vão, caminhei com Antônio uns 20 minutos até um trator que mexia o ramal. Pedi socorro, o tratorista ficou receoso, era seu terceiro dia de serviço e temia perdê-lo, por sair pra ajudar, mas depois de muita insistência, ele foi e ainda fez o favor de melhorar a passagem.

Chegamos no alto do bode, uma clareira que outrora foi o acampamento da madeira. Nos organizamos para sair, de lá até o Santo Antônio são duas horas de caminhada. Davi pegou parte da carga do Antônio para caminharmos mais rápido, Rosa calçou suas botas sete léguas, e eu e a Raylane, que já estávamos com os pés sujos da lama do atoleiro, resolvemos ir de sandálias mesmo, assim como Davi.

O caminho é dividido em dois pedaços: no primeiro um varadouro que se estende pela mata por uma hora, tempo suficiente para se conversar de tudo, Rosa até contou que um dos seus irmãos viu um o mapinguari no seringal. Duas ladeiras que deixam qualquer um cansado só de olhar. Na subida não dá nem de conversar, no final desse pedaço, chegamos no Boqueirão, casa do Carlos, tio do Antônio. Lá aproveitamos para completar as garrafas com água e, logicamente, tomar um café para despertar.

A segunda parte se dividi entre dois campos e uns pedaços de mata. A caminhada no campo castiga pelo sol na moleira. O caminho ficava mais úmido conforme nos aproximávamos do Santo Antônio, enquanto eu reclamava da distância Antônio disse que não conseguia contar as vezes que teve que ir de pés desde a entrada, que agora pode ser chamado de ramal, até sua casa, eu marquei e só de ramal são 20 quilômetros.

Uma igrejinha no alto da terra marca a chegada no centro da comunidade, no pé da terra próximo ao rio Jurupari uma escolinha bem jeitosa. Seu Antônio dava milho para as galinhas, quando chegamos. Mal cumprimentamos e já fomos nos abancando na varandinha da entrada da casa, o cansaço era notório.

Maria, filha mais nova do seu Antônio, já foi passar um café, nos disse que nem nos esperava mais por causa da chuva. Aproveitei para conhecer um pouco mais o seu Antônio, cearense que chegou no Acre com 8 meses de vida e que já está com 66 anos. Infelizmente, nunca conseguiu voltar por lá. Seu pai veio cortar seringa e trouxe a família.

Seu Antônio já morou na margem do Rio Purus, em frente a comunidade Morada Nova e fronteira perto do novo recreio, aquela de Santa Rosa que fui no Natal passado. Contei que conhecia o rio, as aldeias e tinha alguns amigos por lá, ele me disse como se dava bem com os “txais”. Mas tinha se mudado para onde está hoje para ficar com os pais, que moraram com ele até o último dia de cada um.

Seu Antônio contou com tristeza que morava só ele e a Maria [filha], pois a sua esposa quando a filha ainda era pequena. Os pais faleceram depois. A tristeza nos olhos era disfarçada pela disposição das palavras, chamou pra subir, mas, antes falou da sorte do genro que mais cedo pegou um porquinho no roçado e gabou seus cachorros que acuaram ele.

O sol se pôs e a escuridão tomou de conta, descemos para tomar banho. A luz da casa se destacava na noite, as placas solares garantiam alguns bicos de luz e a TV ligada a noite toda. Chegamos no final do jornal nacional, os filhos do seu Antônio que moram perto foram chegando e rapidinho todos estavam sentados na sala para assistir Pantanal.

No intervalo Maria nos chamou para jantar, servido no chão da cozinha de um assoalho limpíssimo. Porquinho, galinha caipira, farofa de ovo, arroz e feijão de praia, tudo muito gosto. Estávamos cansados, voltamos pra sala pra terminar de assistir Pantanal e assim que acabou já fomos se ajeitando pra deitar. Seu Antônio cedeu o quarto do filho, que está trabalhando na madeireira, para eu e a Raylane dormirmos, duas redes e algumas cobertas. Nem percebi quando peguei no sono.

Umas 4 horas os galos começaram a cantar e eu já acordei, Raylane continuou na rede. Fui à varandinha da cozinha olhar as galinhas, seu Antônio levantou e veio me dar bom dia. Colocou uma água para o café no fogo e foi passar um rádio para os irmãos que moram ali ao redor.

O café ainda estava na mesa quando José Gonçaulo chegou, pensa num cabra animado e cheio de vida, Hilda reclamou não termos passado por lá e lhe contamos sobre o atrapalho do atoleiro. Dali a pouco, a sala foi se enchendo de primos e primas, tios e tias da Rosa que dava conta da saúde da sua mãe para cada um. Fiquei feliz de reencontrar alguns que conheci na luta do sindicato, convite para ir à casa de cada um não faltou.

A banana verde frita que foi servida no café era beliscada por um e por outro com um pretinho quente, enquanto a roda aumentava e uns falavam de caçadas, política e o ramal que nunca saia. A conversa esticou e nossa hora foi chegando. Seu Antônio pediu para esperarmos o almoço, mas, o nosso tempo estava corrido e ainda tinha mais 2 horas de caminhada pela frente.

Antes de nos despedirmos, com o compromisso de voltar, Maria encheu um vaso com farofa de seringueiro para matar a fome no caminho. As duas horas voltando já pareceram mais curtas e as ladeiras menores. A cada passo que dávamos saindo da floresta e voltando para cidade aumentava minha reflexão sobre o que é importante na vida, tantos dias que passo fora de casa, pensei comigo mesmo, como é bom poder reunir a família a noite em casa mesmo, nem que seja só pra assistir à novela.

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Diário de um Acreano

Diário do Acre: PAE Remanso e Capixaba

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Marcamos de nos encontrar cedinho no sindicato, para tomar café e seguir viagem. Nossa comitiva era grande, eu Raylane e Danilo nos somamos a Leidiani, Chagas, Darla e Luiz. Depois de um pão de milho com ovo, já pegamos a BR e entramos no ramal do São Luiz.

Era a primeira vez que todos íamos no Remanso, mesmo que alguns já tivessem amigos por lá. O combinado era que o marido da Francisca, uma companheira que estava ajudando no sindicato, mas que agora estava dando aula na comunidade, nos encontraria no porto da Subaía e nos conduziria pela comunidade.

Chegamos na Subaía, no final do ramal, já às margens do rio Acre. Uma meia hora depois do combinado e nada do Francisco, deduzimos que ele esperou um pouco e já voltou pra trás. Não costumo dar viagem perdida, então fomos na escola e pedimos passagem aos barqueiros, seu Bibil nos levou até o porto do Edvan na outra margem uns 15 minutinhos acima.

Subimos o porto e encontramos dona Helena, mãe do Edvan, cuidando das galinha no terreiro. Ela nos disse que o Edvan estava numa broca, perguntamos o caminho para a casa da Leia, onde fica a escola e ela nos indicou uma trilha, no meio do pasto, pode seguir reto toda a vida, que vai bater lá. Só é um pouco longe. Nos despedimos e começamos nossa caminhada.

No pasto as vacas, muitas de bezerro, nos olhavam desconfiadas, peguei logo um pedaço de pau, a desconfiança era mútua e só quem já pegou carreira de vaca no campo sabe que não é uma boa experiência. Terminou o campo e entramos num lindo bananal, a sombra já era um alento ainda era cedo, mas o sol já estava castigando.

Dona Monique nos recebeu na varanda de casa, nos viu ofegante e já ofereceu uma água, chagas aproveitou pra falar do sindicato e dona Munique pra reclamar do luz pra todos que ainda não chegou por lá. Elogie o bananal e dona Monique nos ofereceu umas bananas, sem esquecer de reclamar do ramal.

No caminho, encontramos Cigano que estava ajeitando um roçado perto do campo. Um cachorro bom de tatu todo serelepe passou cheirando todo mundo. Cigano é cunhado da Monique e também falou da luz que já cruzou o rio e chegou na casa dele, mas que não veio até a comunidade toda. Seguimos nossa pernada. O sol estava quente e o caminho era longo.

Dava de ouvir longe as crianças na salinha de aula, montada na terra da dona Maria Pacheco, de uma família tradicional na comunidade. – “Queria que essa escola levasse o nome do meu pai”, me disse enquanto servia uma água gelada. Infelizmente não é uma escola, mas apenas uma sala anexa da escola da beira do rio e não podia ser feita a justa homenagem. Quando dissemos que íamos até a Leia e queríamos almoçar por lá, ela disse pra apertarmos o passo.

Deixamos o campo e o ramal se fechou em mata. De longe ouvíamos um motor roncando, já com mais cuidado pois podia ser uma derrubada avançamos. Quando nos aproximamos mais, deu de distinguir que eram roçadeira, alguns homens ajeitavam um pedaço de Capoeria pra plantar legumes.

César, esposo da dona Maria, comandava os trabalhos e por lá encontramos o Edvan, eles estavam reabastecendo os motores e pararam para tomarmos um café, água e comer umas rosquinhas. Quando chegamos, virou uma roda de conversa. E histórias não faltavam.

Edvan me contou de um cara, que na política passada fez ele matar uma vaca pra fazer um churrasco e disse que quando ganhasse voltava pra pagar a vaca. Um gaiato já abarcou de lá, o tombo só não foi maior por que comemos o churrasco. Piá nem saiu da capoeira, quando ouviu a história, porque todo mundo já falou do tombo que ele levou em duas bolas de arrame do mesmo cara.

Perguntamos quanto tempo de caminhada ainda tinha até a Leia e ouvimos mais uma vez que ainda faltava uma hora, mais essa hora nunca passava. Depois de uma meia hora andando encontramos a casa do Tião Pacheco, que nos disse que ainda faltava uma hora e nos mostrou um ramal que virou varadouro e passava atrás da casa dele.

Na saída do varadouro, a esperança de encontrar a casa da Francisca e a escolinha na casa da Leia já ia se esvaindo, nos questionávamos se já não havíamos passado, pois cruzamos algumas mangas do ramal. Cansados vimos uma casa ao longe e de lá uma mulher deu com a mão, era Francisca finalmente chegamos.

Já fui me jogando no assoalho da casa, estava exausto, Francisco estava por lá e questionamos se ele tinha ido nos esperar. Avisou que tinha ido e esperou muito num porto abaixo de onde embarcamos e tinha vindo por um outro caminho mais curto quase uma hora. Passa por uma picada na mata e por isso não nós topamos.

Após o almoço na casa da Francisca, fomos na casa da Dona Leia e seu José Maia. Conheci a escolinha, um quadro e umas cadeiras embaixo da casa sem paredes, uma tristeza a dificuldade das crianças para estudar.

Leidiane estava animada para reencontrar dona Girlene, que estudou com ela na escola da floresta. Chegando lá, foi só alegria. Dona Girlene já saiu pra cozinha pra fazer uns bodós e passar um café, enquanto seu marido Chapelão nos ofereceu umas laranjas. Parecia uma reunião de ex-alunos. A pergunta era sempre como está fulana e ciclana?

Para voltarmos mais rápido, pegamos a varação indicada pelo Francisco, um caminho mais curto que passava pela casa do seu Ribamar. Ele nem esperou chegarmos e já mandou o menino buscar água. Montado encontramos Joaquim e sua esposa. A conversa foi curta já estava anoitecendo e o cansaço era grande. Perguntei a distância que ainda faltava. A mulher do Joaquim disse que ainda tinha uma hora de cachorro apanhando.

Quase sem fôlego chegando no Porto, já estávamos preparados para remar, quando ouvi um motor zuando, gritei e pedi passagem, ele gritou de lá dizendo que ia da., Romualdo era o nome do barqueiro. De volta ao Porto da Subaía, a alegria era imensa, foram 5 horas de pernada pra conta, os pés cheios de bolhas e a bagagem repleta de novos amigos e sonhos.

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Diário de um Acreano

Diário do Acre: Tupá, Rio Branco e Xapuri

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Juntamos as coisas e pegamos a estrada cedo, Raylane, minha esposa, seguia entusiasmada pois marcamos de visitar seu tio conhecido como Caroncha e sua tia Dona Girlene conhecida como Tique, me contou que quando criança passava as férias na casa deles na estrada velha em Epitaciolândia. Mas, desde que eles se mudaram para o Tupá ela não tinha ido por lá. A mãe da Raylane, dona Luzia também nos acompanhou nessa jornada, assim como o Danilo que fez os retratos.

Após esperar por quase uma hora para atravessar a balsa, seguimos pelo ramal até a comunidade Rio Branco, paramos na casa do Raimundão para pegar mais informações de como chegar no Tupá. As coisas estavam animadas por lá, eles já estavam organizando o terreiro para o dia seguinte. Raimundão completou 77 anos no último dia 14 e estava organizando uma festinha para receber os companheiros. Cadeiras estavam empilhadas no terreiro e uma novilha estava sendo retalhada por alguns amigos que estavam ajudando.

Fiz questão de perguntar quem seria o churrasqueiro para fazer logo amizade. Ser amigo do churrasqueiro é a coisa mais sábia a se fazer antes do fogo ser aceso. Após pegar as informações de como seguir nos despedimos e aproveitamos para dar carona para uma companheira que também ajudava no feitio da comida.

Na entrada do ramal encontramos o Ismar, um dos primos da Raylane que todos chamam de “Bebo”, ele nos conduziu até a casa da dona Girlene, tia da Raylane. Foi só alegria eles já estavam esperando, porém, Carocha estava brocando, Raylane queria ir até lá, mas seu primo Ismael lhe advertiu da distância. Dona Luzia já foi logo se abancando e começaram a organização da janta, Tique avisou que Caroncha tinha caçado no dia anterior, vamos cozinhar no leite de castanha foi a decisão das duas que já começaram a descascar as castanhas e esquentar as panelas.

A cozinha já era o centro de tudo quando Raylane me chamou para ir na Mirian, ela é casada com Deilson primo dela que já conheci em Rio Branco. Deilson não estava em casa, esse mês vai passar quase todo trabalhando em uma derrubada. Miriam nos recebeu com às panelas no fogo, estava nos esperando para almoçar, para não fazer a desfeita tomamos um delicioso caldo.

Vitoria acordou e se tonou o centro das atenções, tão lindinha e carinhosa se dá bem com todo mundo. Raylane tratou de colocar toda a conversa em dia, enquanto conversávamos, Danilo, Ismael e Suziane vieram para o terreiro com uma bola que a Raylane trouxe de presente. Com pouco tempo eu já estava lá, brincando de peru. Mas, não me empolguei muito para não suar e não deixar demonstrar a pouca habilidade que ainda tenho.

Suzete veio chamar os meninos e cobrar a lenha para o fogão que o Ismael ficou de levar. Aproveitamos para ir juntos sem esquecer de convidar a Miriam para ir jantar conosco. Chegando na casa dos tios da Raylane, Caroncha já tinha voltado da broca. Enquanto todos estavam conversando na cozinha chamei o Caroncha para visitar o Orismar, um amigo meu que mora no Tupá, Oris não estava em casa, encontrei só o filho dele que nos disse que ele tinha voltado na cidade por que a esposa não estava bem.

No caminho de volta, Caroncha pediu para parar na casa da Francisca, ela estava na área enrolando um piúba e conversando, nos achegamos. Na roda havia um senhor falador chamado Manoel, dentre as várias histórias que me contou, falou da sua experiência em afastar onças e cobras de perto das moradias com suas mandingas, perplexo eu perguntei varia vezes como faria a proeza, rindo ele me disse que bastava enterrar as fezes das onças, perplexo permaneci ante a mangofa do Manel que guarda segredo a sete chaves.

A noite estrelada tomava o céu quando retornamos, no fogão a lenha fervia o leite de castanha que dava gosto à comida. Dona Luzia e Tique discutiam o feitio de um bolo de arroz para o café e já lamentavam nossa curta permanência por lá. Fomos no terreiro acender um carvão para assar uma carne. Após nos fartarmos combinamos de tomar café juntos na casa da Miriam no dia seguinte, o cardápio já estava combinado, bolo de arroz e pão caseiro.

Acordamos com as galinhas e a tranquilidade de cada momento fazia tudo mais feliz. O cheiro do pão já perfumava a casa da miriam quando saímos do quarto. Vitoria era a pura felicidade. Todos chegaram e eu estava ansioso para provar o famoso bolo de arroz assado na palha da bananeira. Tudo era simples e bonito. Na saída vitória chorosa não queria nos deixar sair, Raylane também não queria ir, estar entre as pessoas que amamos é sempre especial e a despedida nunca é fácil.

O dia era de festa na casa do Raimundão na comunidade Rio Branco, dentro da RESEX Chico Mendes, quando chegamos a maior parte dos convidados ainda não estavam por lá, em uma roda companheiros de muitos anos relembravam com Raimundão as histórias do tempo dos empates, Júlio Barbosa fez questão de contar uma vez que estavam disputando o sindicato de trabalhadores rurais e que ele, Pedro Teles e alguns companheiros, passaram mais de um mês andando nas comunidades de Xapuri, conversando e organizando os trabalhadores. Os tempos eram difíceis e onde chegavam já iam tratando de arrumar um trabalho para fazer umas diárias e comprar o rancho da viagem.

Dali a pouco Carrilho apareceu com um violão, surgiu uma sanfona, triangulo e zabumba e um grupo improvisado de forro começou a dar o tom na festa. Já era meio dia quando o Raimundão pegou o microfone e convidou um coral da igreja para cantar, foi cantoria, Pai Nosso e Ave Maria para abençoar todos os presentes. Ele ainda abriu o microfone para alguns trazerem felicitações e o aniversario quase vira um comício.
Já ia dar duas horas quando liberaram a comida, eu estava com fome e preocupado com o retorno, os que vieram da cidade passaram mais de duas horas esperando para atravessar na balsa. Comemos e fomos nos despedindo, a festa ainda ia longe para quem morava na comunidade, mas, nós tínhamos que ganhar terreno, ainda tínhamos muitos lugares para conhecer, muitas pessoas para visitar. Raylane com saudade dos seus tios e primos já me perguntava que dia vamos voltar.

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Diário de um Acreano

Diário do Acre: KM 59, em Brasiléia

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Pertinho da cidade, entramos em um pequeno ramal ladeado de floresta onde nossa companheira Francisca, presidente do STTR de Brasiléia, reside. Eu, Raylane, Danilo e Marcelo fomos convidados para conhecer uma parte da família da Francisca que mora nos ramais do KM59, sem sombra de dúvidas o local com maior contingente populacional da zona rural de Brasiléia.

Rasgamos a BR e entramos no ramal do 59. Alguns quilômetros adiante pegamos uma manga para chegar na casa do seu Raimundo Fogo. Ele estava ajeitando uma arquibancada quando chegamos. Estava organizando um campeonato e a tarde os times iam se achegar por ali. Largou o boca de lobo e nos chamou para entrar. Fogo é pai da Francisca e morador antigo da comunidade, tão antigo que por vezes o ramal do café onde mora é chamado de ramal do fogo.

Perguntei logo de onde veio o fogo. Me contou que seu vô, um cearense que trouxe a família para o Acre, era ruivo e o apelido foi sendo passado de pai pra filho, por isso fogo. Enquanto conversávamos uma gata manhosa se abancava no colo do fogo, ele saiu um instantinho e ela veio pra cima de mim, folgada que só ela.

Perguntei se Raimundo ainda batia uma pelada, ele me disse que agora mais assistia do que jogava, mas continuava amando o esporte, tanto é que cuida com muito zelo do campo. Aliás, aproveitou pra contar que pelo menos uns quatro políticos diferentes de Brasiléia já tinha prometido arrumar o campo, caso eleito fossem.

Um deles prometeu até a iluminação, e disse que como tinha certeza que ia ganhar, seu fogo já podia até cortar as madeiras. Lógico que perguntei se ele cortou. Me disse que na hora que saiu o resultado e o dito cujo se elegeu já foi serrando animado uma aguana bonita para os postes das luminárias. Olhei pro campo antes de rir e perguntei pela aguana. Só se ele vier amanhã, por que até hoje não voltou.

Seu foguinho tinha muitas histórias, mas o tempo era curto, fomos nos despedindo, mas antes de sair ele deixou uma história e uma lição, quando alguém pede uma ajuda e você tem como é melhor ajudar. Falou de um comerciante que tinha uma das lojas mais surtida de Brasiléia e de um dia que uma mulher levou uma folha com um pedido, assinada pelo delegado comprovando que a mulher precisava. Ele arrogante mandou a mulher parar de pedir e ir trabalhar, ela olhou pra ele e jogou uma praga. As últimas vezes que ele soube do comerciante foi por peões que lhe disseram que ele estava bêbado dormindo nas cadeiras, depois de tudo perder.

Passamos rapidinho na casa do galego, filho da Francisca, e deixamos avisados que voltaríamos para almoçar. Ainda topei a Raquel Dourado por lá, uma amiga minha dos tempos do CTA e do Comitê Chico Mendes que está morando no México. Ela andava pela comunidade com outras pesquisadoras fazendo um estudo em parceria com uma universidade alemã.

Na casa da Sulamita, conhecida como princesa a distância foi necessária, ela não estava se sentindo bem não sabia se era uma gripe ou se o corona tinha lhe encontrado em casa. Mas nos disse já está bem melhor, a parte mais difícil já passei, achei que dessa vez eu ia, nos disse enquanto proseávamos na sala. Ofereceu um café numa garrafinha azul, que fez questão de dizer para Francisca que era do seu falecido marido. Essa é aquela garrafinha que ele levava pra cima e pra baixo.

Reparei na blusa da Santa Raimunda que ela vestia. E perguntei se era devota, respondeu que sim, Francisca lembrou que a procissão estava chegando, ano passado lhe encontrei por lá falei pra Francisca, a história da viagem já contei até aqui na coluna, não sei se esse ano vou conseguir ir.

Moisés estava para o roçado juntando um feijão pra bater, mas sua esposa Maria nos recebeu de portas abertas. Já íamos saindo quando ele chegou. Danilo questionou o que tinha acontecido com cachorro que carregava uma ferida aberta nas costas, foi uma pico de jaca, tô tratando, mas quando ela pega é difícil, ele tá é bom, vocês tinham que ver a um mês atrás.

Moisés é um companheiro do sindicato e tem compreensão das dificuldades da comunidade e a importância da produção. Me falou da sua plantação de café e da venda no ano passado, vendi cedo e me ferrei, ele mais que triplicou no final do ano passado. Esse ano o bicho vai ficar no paiol até dar preço, os atravessadores sempre se aproveitam dos produtores, lamentei dizendo que é assim em todo o lugar.

A hora já avançava e a barriga começava a roncar, quando encostamos na casa do João do Siríaco. Ele nos ofereceu um chazinho e já foi perguntando do ramal. Nas chuvas é a lama e no verão a poeira e buracos, até nos desanima produzir, me disse meio triste. Me contou dos tempos bons e da produção do café, que segundo me disse, lhe deu tudo que tem, até as vaquinhas no campo foram frutos do café. Ele quer voltar a produzir, mas do jeito que vai tá difícil, lhe falei de esperança e ele sorrindo me disse enquanto estamos vivos seguimos com ela.

A galinha caipira ainda estava na pressão quando chegamos na casa do Galego e da Nilda. Chiquinho, um amigo da RESEX Chico Mendes de Assis Brasil, estava por lá. Ele também estava ajudando na pesquisa desses alemães. Chamamos para almoçar, mas ele já tinha filado a boia na casa do João Siríaco, pouco antes de chegarmos lá.

Galego era só gaiatice, ficava provocando todos em qualquer assunto que se discutia. Também contou suas histórias, mas nem tudo é pra publicar. Nilda avisou que a galinha estava pronta, Marcelo foi o primeiro a chegar na cozinha. Já pedi a farinha e servi um pirão, caipira mesmo só é boa com um pirão escaldado. Nem esperamos a comida sentar no bucho e já continuamos nossas visitas.

Lá na frente encostamos na casa da caboca, irmã da Francisca, ela nos ofereceu uns dindins, nesse calor não tem nada melhor. Enquanto conversávamos a filhinha dela passeava com cachorro na bicicleta, não tinha como não observar a cachorrinha a passear. Manezinho chegou ele tinha ido buscar uns alevinos, mas terminou dando viagem perdida. Nós chamou pra ficar por lá e dormir. Francisca avisou que ia pra sua mãe, hoje é o aniversário da Richely vai ter forró por lá.

Fechamos o dia na casa da dona Marilza mãe da Francisca, chegando lá ela tava pegada fazendo um marral (ou Majal como se escreve na Bolívia), para o aniversário de uma nora. Enquanto conversarmos ela ofereceu uma paquinha, Raylane que ama paca já se animou toda e serviu-se da iguaria. Tatiane, neta da dona Marilza, que mora com ela, brincava com periquito Rico enquanto conversarmos.

Estava curioso com Marral e perguntei a receita, que divido aqui com vocês. Pra esse tanto que ela fez foram 4 quilos de arroz, um pacote de macarrão tipo espaguete, 2 quilos de carne moída e 6 bananas cumpridas fritas, alho e cebola a gosto e óleo para fritar. Numa panela grande coloca o óleo a cebola e o alho, junta com macarrão quebrado mais ou menos em três pedaços. Quando ele ficar vermelho joga o arroz, frita mais um pouquinho e coloca água, quando o arroz tiver no ponto, mistura a carne já cozida e a banana frita. Eu provei e estava uma delícia. Francisca me disse que ela gosta do de carne seca, eu já tinha comido o de frango, mas esse estava uma maravilha.

Passamos rapidinho na casa do Delmo ,irmão da Francisca, cuja esposa estava aniversariando. Levamos o Marral e fui deixar as felicitações. Fomos convidados para ficar no forró, mas pedimos licença para pegar trecho e deixamos a Francisca como nossa representante na festa. O sol já se punha quando trocamos o chão de terra batida pelo asfalto. A noite tomava espaço, enquanto percorríamos serenamente a BR, gratos pelo dia e pelas novas amizades.

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