Já utilizei este espaço para lembrar que o início da década de noventa do século passado, quando começaram a criar as expectativas em torno da Rodovia Transoceânica, também chamada Estrada do Pacífico, o sonho era que a estrada ligaria os estados fronteiriços brasileiros com o Oriente, o que significaria um lucro de 100 dólares por tonelada de grãos, devido à economia de 9 mil quilômetros na rota brasileira ao oriente. Por outro lado, o sonho era intensificar o comércio fronteiriço com o Peru, em contrapartida, o país vizinho poderia exportar ao Brasil produtos minerais, sobretudo fertilizantes e gás, lembram?
A proposta do artigo de hoje: atualizar as nossas expectativas em relação ao comércio com o nosso vizinho, o Peru. Para tanto, vamos utilizar como base o oportuno e lúcido artigo escrito pelo reporte especial Daniel Rittner, publicado no Valor Econômico, do dia 16/02/2022, intitulado: “Efeito Odebrecht’ trava novo acordo Brasil-Peru: Trauma do escândalo de corrupção deixa o tratado em suspenso (https://valor.globo.com/brasil/coluna/efeito-odebrecht-trava-novo-acordo-brasil-peru.ghtml).
O comércio bilateral com o Peru dos últimos 5 anos, consta no gráfico abaixo. Apesar do crescimento no último ano, um comércio de pouco mais de US$ 3 bilhões é muito pouco para as potencialidades que se apresentam entre os dois países. Enquanto isso, em 2021, exportamos US$ 11,9 bilhões para a Argentina, US$ 7 bilhões para o Chile, US$ 5,6 bilhões para o México e US$ 3,3 bilhões para a Colômbia.
A participação do Acre nesse mercado é muito insignificante. Conforme demostrado no gráfico abaixo, nossa melhor participação no saldo das exportações com o país vizinho, ocorreu em 2018, com pouco mais de 2,14% dos US$ 341 mil auferidos.
Rittner em seu artigo cita que, ainda no governo Dilma, Brasil e Peru firmaram um tratado de ampliação do livre comércio, em abril de 2016. Prossegue dizendo que longe de ter elementos ideológicos ou partidários, o acordo foi posteriormente defendido com vigor pelos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro – o que, de resto, só evidencia sua relevância para o fortalecimento das relações econômicas entre os dois países.
Relata o articulista que o Congresso Nacional já aprovou o tratado e ele está à espera de promulgação. Porém, afirma que de nada adianta, no entanto, a assinatura presidencial neste momento, pois, para ter validade, o acordo precisa de aval também do Legislativo peruano. Acontece que, quase seis anos depois de firmado, ele praticamente não caminhou do lado de lá da fronteira.
Rittner destaca que esse acordo de ampliação econômico-comercial abrange três grandes áreas: facilitação de investimentos, compras governamentais e serviços. Para ele, o novo acordo traz um grau de liberalização que atualiza o antigo tratado de livre-comércio Brasil-Peru, de 2005, para o que existe de mais moderno hoje em matéria de abertura. Deixa de ser algo defasado e passa a ter normas que estimulam bons negócios.
O articulista esclarece que a América do Sul se transformou em uma região quase 100% isenta da cobrança de tarifas de importação para os produtos brasileiros. Esse fenômeno se deve a uma rede de acordos costurados desde a década de 1990, que foi eliminando aos poucos as alíquotas existentes para a entrada de bens “made in Brazil” nos países vizinhos. Mas esclarece que não basta mais tarifa zero para um relacionamento econômico e comercial de peso. “Ele depende do intercâmbio em serviços, de liberdade para investir, menos restrições para a participação em contratações públicas do outro país. Requer derrubada das barreiras técnicas, solução rápida de disputas, tratamento “nacional” a empresas de fora”.
Brasil está atrasado nas relações com os parceiros sul-americanos
Rittner desta o quanto as empresas brasileiras estão perdendo pelo atraso do Brasil nas relações bilaterais com os países sul-americanos. Por exemplo, cita que o tratado com o Chile, que veio depois do Peru, entrou em vigência somente há três semanas, destacando os benefícios do acordo com os chilenos, “só o mercado de licitações do Estado, por exemplo, gira por ano em torno de US$ 11 bilhões”. Destaca o quanto estamos perdendo nas nossas relações com o Peru, pois, segundo ele, o mercado peruano de licitações do Estado chega a US$ 13 bilhões.
Seguindo em seu artigo, Rittner, observa que nenhum país estrangeiro foi tão contaminado politicamente pelo propinoduto da Odebrecht. Com várias obras no Peru, inclusive com parte da rodovia interoceânica, a empresa irrigou os bolsos da elite local e encurralou quatro ex-presidentes. Apesar de já ter regularizada a sua situação no país, ainda assim, a Odebrecht continua tendo imagem extremamente negativa. Qualquer associação com a empreiteira ganha ares de toxicidade. E, conforme o articulista, foi isso o que envenenou o tratado de 2016. Autoridades em Lima já deixaram claro para Brasília que essas são as verdadeiras razões da paralisia na análise do acordo de 2016.
Inclusive, cita o autor, que a declaração conjunta feita pelos presidentes Bolsonaro e Pedro Castillo, após encontro que tiveram no dia 3 em Porto Velho, incluiu menções a esse impasse. Advoga que talvez seja preciso negociar um anexo ao acordo já fechado, uma declaração adicional de princípios, tal como a União Europeia exige do Mercosul em questões ambientais.
O Acre está perdendo muito com esse impasse. O artigo de Daniel Rittner é muito lúcido e ajuda no entendimento do porquê do nosso mercado com o país vizinho ainda patinar.
Orlando Sabino escrever às quintas-feiras no ac24horas
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