Levantei da rede assim que o galo começou a cantar no terreiro. Loy, cuidadosamente, já passava o café na cozinha antes, de ir tirar o leite. Tomei um banho gelado para despertar o corpo, estava mais gelado do que gostaria. Na cozinha, a esposa do Loy fritava uns bodos em banha de porco para completar o café.
Ainda no Cumaru, paramos na casa do Zé, seu Beca, pai dele, que outrora morava ali naquela colocação, estava por lá. Conheci seu Beca anos atrás, quando trabalhei no CTA. Dona Celita me reconheceu quando viu e perguntou como estavam os amigos de anos. Toda a família já estava arrumada para ir na santa. Nos ofereceram café e oferecemos carona no carro. Ir de moto, naquela localidade, na poeira, não é uma viagem agradável.
Adentramos o seringal Icuriã pelo ramal do bom sucesso. Esse ano, devido a pandemia, não ia haver procissão nem celebração, mas os devotos não deixaram de ir pagar suas promessas, fazer novas ou mesmo apenas agradecer pela saúde, ou por estarem vivos nesses dias tão difíceis.
Sem a procissão, todos faziam um caminho mais curto, uma caminhada de uns 15 minutos varando campos e pedaços de mata, diferente dos 5 km da procissão que entra pela colocação do Tota. Mesmo com a pandemia, muitos iam e vinham no caminho do Bom Sucesso. Amigos e amigas se cruzavam e se cumprimentavam felizes naqueles passos de fé.
Depois da escola, uma pequena clareira abrigava um barracão cumprido de telhas de zinco, que terminava em um pequeno palanque a frente do santuário. Em um púlpito no centro do palanque, ao lado de uma mesa com a imagem da Santa Raimunda, encontrava-se o Padre conversando. Aproximei-me e cumprimentei todos. Era o Juninho, Junião e Jura, amigos de muito tempo que ajudam nos cuidados desse dia.
Entrei no santuário, um pequeno cômodo redondo, na porta, o túmulo da santa Raimunda estava coberto de cera e muitas velas acesas mostravam o tamanho da devoção. Dentro havia uma imagem de mais de metro e meio, coberta de ofertas. Um senhor de idade que estava ao meu lado tirou a camisa e colocou aos pés da santa e retornou seu caminho sem camisa. Havia muitas ofertas: dinheiro, roupas, cabelos e diversas outras coisas que eram deixadas pelos devotos.
Conta a história que Santa Raimunda era esposa de um seringueiro. Ela, com 09 meses de grávida, morreu enquanto seu marido cortava na mata. Ao chegar, foram tentar tirar Raimunda para enterrar e nem muitos homens deram conta de levantá-la, sendo enterrada ali mesmo. Do seu túmulo, exalava um delicioso perfume e muitos disseram que ela era Santa e começaram a pedir por ela e ela atendeu.
Conversando com Juninho perguntei por um milagre. Disse ele que uma família de peruanos trouxe uma criança cega que presenteou a Santa com um lindo colar. No caminho de volta, já teve seu milagre e, a medida que andava a visão foi sendo restaurada. Anos depois, essa mesma menina, agora mulher, retornou à Santa e vendo um lindo colar, nas ofertas, que acreditou ser o seu, pegou de volta. No caminho de volta, foi perdendo a visão e permanece cega até hoje.
Fiz o caminho de volta pensando nas histórias que ouvi, nas centenas de brasileiros e peruanos devotos que buscavam, na Santa, a esperança de dias melhores. Próximo ao carro, enquanto comia uma farofa, antes de partir, pedi a santa meu milagre e, se Deus permitir, ano que vem volto lá.
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