Por Silvania Pinheiro
Movidos pela ideia de disseminar uma ação efetiva e contínua pelo reconhecimento e valorização das línguas indígenas no mundo, a Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), com a sigla DILI, já iniciou sua atuação no Acre e busca atrair povos das 16 etnias existentes no estado para assumirem o protagonismo do movimento instituído em 2019 numa Assembleia Geral das Nações Unidas, que levou a UNESCO a proclamar 2019 como o Ano Internacional das Línguas Indígenas.
O acreano professor doutor pela UnB, Joaquim Maná Huni Kuĩ tornou-se o coordenador do Grupo de Trabalho do Acre na Região Norte no Brasil que, em parceria com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Laboratório de Interculturalidades da Universidade Federal do Acre (Labinter), busca garantir o envolvimento direto e autônomo dos povos indígenas acreanos no movimento.
De acordo com a antropóloga, funcionária do Iphan no Acre, Thaísa Yamauie, em cada região do Brasil foi instituído um Grupo de Trabalho que tem indígenas por membros titulares, que elaboraram um Plano de Ação para a Década. As ações serão pensadas, elaboradas e executadas pelos próprios falantes das línguas indígenas. “A língua sintetiza toda cultura dos povos indígenas porque a própria cultura, através de cantos, educação, alimentos passa pela língua, sendo ela mesmo a articuladora de todas as dimensões da cultura”, disse Thaísa.
A Década Internacional das Línguas Indígenas trabalha no sentido de impedir o silenciamento e apagamento das línguas dos povos nativos uma vez que as tentativas, em alguns casos já concretizadas, de extinguir as línguas indígenas, comprometem a existência de diversas etnias. “A verdade é que as línguas indígenas estão morrendo. Há povos no Acre cujas línguas já foram extintas; duas são faladas atualmente apenas por pessoas bem idosas, e outras estão trabalhando esse resgate com o objetivo de manter a tradição cultural de seus ancestrais, e assim reproduzirem conhecimento para as futuras gerações”, comenta a antropóloga.
O professor Doutor em Linguística pela Unb, Joaquim Paulo de Lima Kaxinawá, o Maná Huni Kuĩ, é o coordenador da Década Internacional das Línguas Indígenas no Acre. É dele também a responsabilidade de implantação de uma base estadual comum curricular Huni Kuĩ que atualmente atende cerca de 16 mil Huni kuĩ. Todo esse esforço faz parte de uma luta constante de resgate da língua indígena, que de maneira geral encontra o problema do apagamento, em favor da língua portuguesa, dominante.
Contextualizando essa realidade no Acre, o professor Joaquim explica que há sete povos plenamente falantes de suas línguas no Estado, entre eles os Huni Kuĩ e o Yura, conhecidos como “isolados do Xinane”. Cinco povos estão perdendo a língua, tendo apenas o português como referência, principalmente entre as novas gerações. São eles: Jaminawa Arara, Puyanawa, Yawanawa, Arara e Shanenawa.
Há ainda quatro etnias que são lembrantes de suas línguas, sendo o apagamento algo real entre os povos Nukinis, Nauas, Kũta nawa e Apolima Arara. Mesmo diante deste quadro, há interesse em resgate das suas falas, como já demonstrado por vários deles em reuniões ocorridas recentemente no LaBinter, uma vez que os indígenas mais velhos, como lembrantes, somente não falam sua língua porque não há com quem dialogarem.
A criação de um programa específico para formar professores indígenas que há décadas contou com o apoio de entidades como a Comissão Pró-Índio (CPI), Secretaria de Estado de Educação (SEE), Ufac e outros, tem encontrado dificuldades para avanços das metas no que diz respeito à formação para o magistério nas aldeias no Acre.
De 1983 a 2000, a formação de professores indígenas foi feita pela Comissão Pro- Índio do Acre (CPI), e a partir deste período passou para a SEE. De acordo com Joaquim Mana, vários países se reuniram com o intuito de definir protocolos acerca da educação escolar indígena, sendo o Brasil um dos participantes dessas discussões. Mas, na prática, não se avançou muito por aqui.
“O que quero dizer é que o específico do específico seria os nossos próprios povos trabalharem o conhecimento das nossas práticas culturais, pois este é o momento de mudança para a nova realidade que vivemos uma vez que estamos na fase de construção dos documentos. Observo algumas ações ainda distantes, mas pretendemos, junto com o Iphan e a UFAC nos reunirmos com organizações, instituições e entidades que pretendem contribuir para a execução da Década. Chegou o momento de avaliarmos todas as propostas e sabermos o que faremos a partir de agora”, disse ele.
A partir de um pensamento lógico acerca da necessidade de resgate da língua indígena pelos próprios donos do conhecimento das tradições e práticas culturais de seus povos, Joaquim Mana Huni Kuĩ questiona qual o destino das ações de resgate das línguas que ocorrem há trinta anos. E, agora, com a Década, como será? O que as instituições e organizações farão para atender as reivindicações das entidades dos nossos povos? O que há de concreto? Como ficarão os planejamentos de cada povo em dez anos?”, indaga o líder Huni Kuĩ.
Desde que iniciou seus estudos, Joaquim observou que a aplicação do ensino da língua portuguesa como oficial estava prejudicando a língua original de seu povo. Foi quando iniciou a pós-graduação em Linguística que tomou a decisão de retomar o conhecimento da fala/linguagem dos Huni Kuĩ, e a partir daí trabalhou para inserir o ensinamento da educação escolar de seu povo através de práticas e teorias. Atualmente, a proposta curricular Huni Kuĩ está sendo seguida por 300 professores em cinco regiões do Acre, alcançando cento e quatro (104) comunidades, em doze territórios.
No Acre já ocorreram dois encontros das instituições e ativistas envolvidos nos GT´s da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032). O professor Joaquim Paulo de Lima Kaxinawá, pós-doutorado no Laboratório de Interculturalidades do Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Identidade da UFAC (LaBinter) iniciou um diagnóstico sociolinguístico no Estado, e está, com alguns colegas pesquisadores do Laboratório, definindo algumas prioridades para a realização do Plano de Trabalho para a Década entre as etnias locais.
O Iphan frisa a importância do envolvimento imediato e integral dos povos indígenas no movimento, além da busca por parceiros que apoiem as iniciativas através de ações concretas como a realização de uma reunião com pelo menos dois representantes de cada povo das regionais do Vale do Acre, Purus e Juruá.
“A princípio a ideia era irmos até as aldeias, mas devido a pandemia do Covid-19 a Funai determinou a proibição de entrada nas aldeias para evitar possíveis contaminações do coronavírus”, disse a funcionária do Iphan.
A preocupação do Iphan é que para terem efetivamente o apoio deste órgão, na Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032, os povos indígenas acreanos precisam aderir ao Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), instrumento necessário para que uma língua materna torne-se oficialmente reconhecida, o que somente acontece após a realização de um diagnóstico sócio-linguístico de cada grupo étnico.
“Por isso a nossa preocupação em acelerar a divulgação da necessidade de fazer o inventário, pois só podem receber apoio os povos que são inventariados. Temos atualmente somente os Huni Kuĩ, que solicitaram o inventário para o Hãtxai kuĩ, obra linguística pioneira sobre a língua dos Huni Kuĩ.”
Os Nukini também solicitaram o inventário do IPHAN, segundo informa a Profa. Maria Inês de Almeida, coordenadora do Laboratório de Intercuturalidade do PPGLI/UFAC.
O Iphan tem atuado na defesa da história, arte e patrimônio de diversas culturas brasileiras, oferecendo apoio para as iniciativas de resgate do conhecimento tradicional. No Brasil, há projetos vistos como interessantes pela instituição e que, de acordo com o ponto de vista dos antropólogos e sociólogos são emergenciais.
Como um dos incentivos de apoio ao fortalecimento das línguas indígenas do Acre, os envolvidos no movimento da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) necessitam de parcerias, sendo que a primeira foi concretizada através de uma emenda parlamentar no valor de R$ 100 mil de autoria do deputado federal Léo de Brito.
Os recursos, destinados para o Iphan através permitirão a reedição bilíngue e publicação do Dicionário Hãtxai kuĩ (cuja edição monolíngue em hãtxa kuin foi feita no LaBinter/Ufac) e do livro didático na língua Shanenawa, que serão lançados em 2022. Os autores destes materiais de suma importância para a vida de suas línguas são, respectivamente, os pesquisadores Joaquim Paulo de Lima (Mana Huni Kui) e Eldo Carlos Shanenawa.
A professora Maria Inês de Almeida é a criadora e coordenadora do Laboratório de Interculturalidade (LaBinter), do Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Identidade, da Universidade Federal do Acre. A docente, que é aposentada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) trabalha com os educadores indígenas do Acre há vários anos, e atualmente atua como professora visitante nos cursos de Mestrado e Doutorado em Letras: Linguagem e Identidade da UFAC, ministrando disciplinas (como a “Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas”, por exemplo) e orientando pesquisas.
Inês desenvolve projetos voltados para a melhoria da educação escolar entre os povos nativos acreanos, apoiando diretamente pesquisadores e educadores socioambientais indígenas, como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e do CNPq (do Ministério da Ciência e Tecnologia).
O LaBinter está apoiando o planejamento da Década Internacional da Línguas Indígenas através da produção, edição e publicação de livros didáticos em línguas indígenas, como as publicações Hãtxa Kena Xarabu, Katxa nawa, Pakarĩ e da Base Estadual Curricular Comum Huni Kuĩ; organizadas pelo pesquisador Joaquim Paulo de Lima, a partir de sucessivas reuniões com professores Huni Kuin.
Sobre as populações indígenas do estado, a professora informa que no Acre habitam povos de 16 etnias, sendo a situação linguística bastante diversificada. Há os grupos monolíngues, que não falam nenhuma palavra em português; os bilíngues; e os que são trilíngues, que falam português, espanhol e a língua materna, que nem sempre é uma língua indígena.
Há, ainda, o caso dos índios isolados, de recente contato, da região do rio Envira, igarapé Xinane, que não falam nada ainda da língua portuguesa. “Por isso a criação do Grupo de Trabalho e a importância primordial do GT representar todas as etnias do estado, visando o fortalecimento de suas línguas. O LaBinter e o Iphan apoiam o Grupo de Trabalho, mas os indígenas são os encarregados de desenvolver o planejamento necessário”, disse Inês.
Joaquim Maná (o doutor Joaquim Paulo de Lima Kaxinawá) é destacado pela professora Inês como o representante do Acre no Grupo de Trabalho da Região Norte na Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032). É dele também a coordenação da implantação da Base Estadual Comum Curricular Huni Kuĩ – BECCH. “O professor doutor Joaquim é a pessoa com maior legitimidade e propriedade para estar à frente deste importante movimento no Estado. Ele dedicou sua vida a estudar sua língua indígena, e tem trabalhado na valorização da cultura Huni Kuĩ”, comentou.
Entre os objetivos da Década Internacional das Línguas Indígenas está o de atender uma das maiores necessidades do mundo hoje, que é valorizar os habitantes das florestas. Para a professora Inês, a floresta, com sua gente, é a grande riqueza da Amazônia. “A riqueza verdadeira está na cultura. No Acre é a mesma coisa. E falamos aqui não da riqueza que vai para o bolso de alguém, mas a do bem comum. E como as línguas indígenas entram nisso? Porque é através da língua que é possível ter acesso à natureza. Quando uma língua morre, morre um universo com ela”, disse ela.
Na opinião dos organizadores do movimento da UNESCO no Acre, sem o conhecimento, valorização e fortalecimento das línguas indígenas não será possível manter os saberes e valores da floresta uma vez que somente é possível conhecer as riquezas naturais do Acre através dessas línguas.
Tidas como as guardiãs das riquezas da floresta, as línguas indígenas são responsáveis pela transmissão de saberes ancestrais até os dias atuais pensando não somente o passado, mas também o presente e o futuro com vistas a repassar conhecimentos culturais às próximas gerações. “É através da manutenção da língua que a medicina da floresta pode existir. Seria impossível conhecer as relações entre os animais e os homens, as plantas e os animais, sem as línguas indígenas. Para os índios, as plantas e os animais são sujeitos, e a manutenção da língua própria é necessária para manter essa relação”.
Nesse contexto, chamamos atenção para o direito à terra, sendo o território o ambiente fundamental para manutenção da cultura e, esta, por manter a floresta rica e viva. “O índio não existe sem a terra, e sem a terra não há como criar e manter um ambiente de vivência e saberes, nem há como repassar a cultura para as novas gerações. A língua está entre os saberes ameaçados por esta realidade de perda de território, e morrendo as línguas nativas indígenas ficarão somente as oficiais”.
O grandioso trabalho realizado pelo professor Doutor Joaquim Huni Kuĩ e os demais ativistas envolvidos na valorização, preservação e resgate das línguas indígenas no Acre vive ameaças constantes de não avançar rumo à meta de execução e seu alcance integral devido a falta de apoio para impressão de material didático como livros e apostilas.
Uma vez que a Ufac e outros órgãos envolvidos nas ações de educação somente têm recursos para trabalhar na elaboração de projetos, há a necessidade de apoio financeiro para impressão dos materiais. “A SEE já informou que não há recursos para impressões dos materiais didáticos uma vez que o Ministério da Educação não disponibiliza mais esse apoio, e chegamos em 2022, na Década Internacional das Línguas Indígenas com os mesmos problemas”, afirma Joaquim Mana Huni Kuĩ.
O Acre tem atualmente 201 escolas indígenas, alcançando cerca de seis mil alunos. São 600 professores cujo objetivo é alcançar o universo de 27 mil habitantes indígenas acreanos. “A escola é um convite para pensarmos as possibilidades de fortalecimento da cultura, do território, da língua e da segurança alimentar dos nossos povos. Por isso é preciso refletir aonde estão essas pessoas que nos representam. Temos escolas no Acre que estão há 20 anos sem reforma, estão caindo aos pedaços. Cada gestão age de maneira diferente, e tudo, principalmente após a pandemia, só piora. Mesmo tendo cachorro, continuamos caçando com gato”, concluiu ele.
A Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esportes (SEE) foi procurada para falar sobre as ações acerca da educação escolar indígena no Acre, mas não houve manifestação.
LINK DO LABINTER DA UFAC:
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