O empresário Sidnei Piva, à frente do grupo Itapemirim que controla a ITA, empresa aérea cuja operação foi suspensa recentemente, é acusado de ter usado o CPF de um trabalhador rural do Acre para abrir uma empresa. A informação é da Folha de São Paulo, onde retrata uma série de disputas judiciais e acusações ao empresário.
Segundo o presidente da associação de credores, Paulo Marcos Adame, o que mais lhe assustou foi esse caso envolvendo o Acre. “O que mais assustou foi ele ter aberto uma empresa com o CPF de um trabalhador rural do Acre. Entendi que estávamos lidando com uma pessoa com grande capacidade de enganar os outros”, disse.
Piva tem uma trajetória marcada por acusações de contratos não cumpridos e processos judiciais. A própria relação com os ex-controladores da Itapemirim, companhia conhecida pelo transporte rodoviário e que se aventurou na aviação em junho deste ano, é tumultuada e ainda não está pacificada na Justiça.
O início da relação entre Sidnei Piva e as empresas do grupo Itapemirim data de meados de 2016, poucos meses depois da apresentação do plano de recuperação judicial pelos então controladores da família Cola, em março daquele ano.
Com a alegação de possuir direitos de créditos tributários a receber da ordem de R$ 5 bilhões à época, que só poderiam ser utilizados por meio da compra de uma empresa com dívidas bilionárias em balanço, Piva acertou a transferência das empresas do grupo, mediante determinadas cláusulas contratuais.
Cláusulas essas que nunca foram cumpridas, afirma Olavo Chinaglia, do escritório Chinaglia Oliveira Advogados, que representa a família Cola no processo de recuperação judicial.
“A família Cola informa que foi vítima do empresário Sidnei Piva, que inadimpliu cláusulas contratuais no momento da venda das empresas, e que vem alertando ao Judiciário em suas instâncias, a Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] e demais entes públicos sobre a inviabilidade econômica-operacional da subsidiária aérea do grupo, bem como os desvios de recursos para pagamento de credores que impulsionou a criação da referida empresa, o que infelizmente não foi dada a atenção devida e, consequentemente, deixou milhares de viajantes desassistidos”, diz nota assinada por Camilo Cola Filho e Andrea Cola, herdeiros do fundador da empresa, Camilo Cola, falecido em maio deste ano.
Segundo Chinaglia, pelo que ficou acordado na ocasião do contrato de compra e venda, alguns ativos imobiliários da família seriam excluídos do acordo de transferência, bem como determinadas empresas do grupo –caso da Viação Caiçara, ainda lucrativa mesmo quando da proposta de recuperação judicial.
Em meados de 2017, no entanto, Piva teria conseguido transferir todos os ativos do conglomerado, sem o cumprimento das condições previamente estabelecidas. O advogado aponta suspeitas levantadas na época relativas a suborno pago por Piva ao então juiz responsável pelo caso na 13ª Vara Cível Empresarial de Recuperação Judicial e Falência de Vitória (ES), Paulino José Lourenço.
Chinaglia diz que a família Cola não busca mais retomar o controle do negócio por temer que Piva tenha dilapidado o patrimônio das empresas do grupo e desviado recursos devidos aos credores para investir na ITA. A essa altura, crê que esteja em situação ainda mais delicada do que quando foi apresentada a recuperação judicial.
Em nota divulgada nesta quarta (22), após acusações de credores, o Grupo Itapemirim afirmou que a recuperação judicial, que abrange apenas o modal rodoviário, encontra-se em dia e contempla mais de 3.000 credores. “O Grupo Itapemirim repudia qualquer tipo de alegação de retirada ou desvio de valores da recuperação judicial”, afirmou.
O que os Colas querem é uma indenização pelo alegado descumprimento dos acordos feitos pelo empresário até aqui, em valor ainda a ser definido em processo de arbitragem, assim como qualquer afastamento de responsabilização que possa tentar ser vinculada em relação aos atos tomados por Piva à frente da empresa.
Alvo de denúncia junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), no final de 2017, Lourenço se declarou suspeito e pediu o afastamento do caso. Ato contínuo, algumas semanas depois Piva e sua sócia no controle do grupo, Camila de Souza Valdivia, chegaram a ser afastados.
Em julho de 2018, no entanto, após o processo ser transferido para a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, liminar contestada pela defesa da família Cola reconduziu a dupla à gestão da empresa. “A Justiça foi omissa ao longo desses anos, e permitiu que Sidnei desviasse dinheiro das empresas do grupo de todas as formas”, acusa Chinaglia.
Já em relação ao juiz Lourenço, de Vitória, as acusações junto ao CNJ resultaram na maior pena prevista pela magistratura, que é a aposentadoria compulsória.
A defesa do juiz alega que a sentença se baseou em presunções, sem apresentação de provas, e que as acusações começaram após Lourenço ordenar a inclusão da Viação Caiçara no grupo de empresas a serem transferidas para o controle de Piva, o que teria desagradado os ex-controladores.
Além do imbróglio no caso da família Cola, Piva também é alvo de cobranças por parte de um grupo de credores, com quem a Viação Itapemirim tem uma dívida em aberto de R$ 90 milhões. Em nota em que respondeu ao questionamento sobre a dívida junto aos credores no sábado, (18) o grupo Itapemirim afirmou que negocia acordo com os credores e que aguarda decisão da Justiça sobre o valor, uma vez que a dívida é em moeda estrangeira.
Antes dos últimos acontecimentos, a Itapemirim ou outras empresas de Piva foram rés em processos. Em 2015, o empresário e a sócia Camila Valdivia assinaram um contrato, por meio da empresa Gitan Incorporações, para assumir a Fábrica Grampos Aço, de Guarulhos.
Eles se comprometeram a pagar os passivos trabalhistas e impostos. Em troca, os antigos proprietários passariam 100% das ações para a Gitan. O acordo não foi cumprido e os ex-donos acumularam dívidas trabalhistas decorrentes de demissões. Conseguiram a reintegração de posse na Justiça no ano passado.
Em outro caso, ainda sem sentença, Piva e Valdivia assinaram transferência das cotas sociais, de R$ 13 milhões, da Matrizaria e Estamparia Morillo, uma empresa familiar de Guarulhos. A contrapartida era que os sócios retirantes não seriam atingidos pelas dívidas da sociedade. O pacto também não teria sido cumprido e os ex-sócios entraram na Justiça.
Em um compilado de mais 60 páginas, elaborado por ex-funcionários do Grupo Itapemirim, que hoje integram uma associação de credores com mais de 200 ex-empregados da companhia, há uma série de casos semelhantes.
O dossiê da associação cita o caso de diferentes CPFs, em que a mãe de Sidnei aparece com três nomes diferentes e datas de nascimento distintas em cada uma das inscrições do empresário. “Seu modus operandi é fazer confusão jurídica e gastar muito dinheiro com advogados para protelar os casos.”
O grupo lançou operação no setor aéreo em meio à pandemia, quando viagens foram suspensas e algumas empresas do setor sucumbiram. A Anac autorizou a concessão em maio de 2020, em uma reunião online extraordinária para o caso.
A ITA começou a voar em junho deste ano. Diante do cenário de recuperação judicial, o grupo Itapemirim alegou que o braço aéreo contava com fundos de US$ 500 milhões (R$ 2,8 bilhões) que repassariam a verba à medida que as metas fossem cumpridas. Piva nunca revelou quais seriam os fundos.
A empresa teve a operação temporariamente suspensa há cerca de uma semana. Pretende voltar a operar em fevereiro, mas ainda não deu detalhes sobre como seria a operação.
O Ministério da Justiça, por meio da Senacon (Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor) analisa o caso e pode abrir um processo administrativo. O Procon de São Paulo poderá multar a empresa em R$ 11 milhões.
A ITA informou em resposta ao Procon-SP que a suspensão afetou mais 133 mil passageiros considerando viagens de ida e volta no período de 17 de dezembro a 17 de fevereiro e que planeja voltar a operar nesta data.