O pão ainda estava no forno, enquanto colocávamos a carga no bote. Desci o porto do seu Roque, às margens do Rio Purus com a gasolina. Campeão carregou as sacolas, Ediseu arrumava a carga junto com Cláudio Kashinawa. Cláudio trouxe a esposa e os filhos. A mais velha iria ficar na aldeia 6 de julho, no caminho. Nosso destino era a aldeia Novo Recreio, comunidade onde o Claudio mora.
Mal começamos a decida e já encostamos numa praia para ir no mato e aproveitamos, para tomar café e comer um pouquinho de farofa de carne e mortadela com arroz. Professor Rigio kulina vinha passando de pés e encostou para dar um oi, ofereci farofa. Enquanto comíamos, Claudio falou que na volta conversaríamos mais, não foi um compromisso, era apenas um sinal de educação dos que vivem às margens do rio.
Atracamos na comunidade Moacir, para abastecer um corote. Meu Bichinho, dono do comércio não estava, havíamos cruzado com ele no Purus. Dona Nova nos ofereceu água e nos vendeu a gasolina, por aqui lá está 10 reais o litro. Na volta, buscamos falou Ediceu, enquanto se despedia. Já era quase meio dia quando atracamos na Aldeia Novo Recreio e começamos a subir o Porto.
Fomos recebidos pelo cacique Zé Maria e as lideranças da aldeia Hunikuin. Seguimos direto para o local de reuniões, três bancos ao redor de uma mangueira. Ediseu não parava de olhar pra cima na esperança de comer uma manga. Perguntei sobre a história da comunidade. Cláudio me contou que seu pai Cacique Pancho Comprou o seringal recreio do Chico Tiboso por 30 mil cruzeiros e lá começou a criar sua família.
A chuva nos levou pra dentro da casa do cacique Zé Maria, onde a conversa estava para lá de animada. Quando parou fomos para a casa do Zé Luís, irmão do Zé maria onde iríamos ficar hospedados. Atamos as redes e continuamos a conversa enquanto almoçávamos. Zé Maria e os mais novos pediram licença, pois precisavam continuar com os preparativos para a noite e para o outro dia. Não gosto de ficar parado, resolvi acompanhá-los para conversar mais.
Ja era tardezinha quando alguns jovens da aldeia Nova Morada, que fica Purus abaixo, chegaram para bater bola. Zé perguntou se eu jogava, preferi assistir um pouco do jogo, antes de me pronunciar. A pelada era todos calçados e uniformizados e cada partida era apostada. Preferi apitar o jogo e não arrumar problemas para a minha vida.
A noite o motor de luz roncou e todos da aldeia se reuniram na igreja indígena para a celebração em comemoração ao aniversário do cacique Zé Maria. Música
e uma palavra de ânimo embalaram a noite, pastor Raimundo lia na língua Hunikuin os versículos e levava a palavra de fé. Fui surpreendido, a comunidade preparou um presente para mim e Ediseu, fomos presenteados com cocares que representam símbolos de autoridade indígenas. O meu enfeitado com algumas penas de gavião real utilizadas apenas por caciques.
O bolo foi para o centro do salão e perfumava o ambiente, a barriga roncou com o cheiro do bolo. Zé maria fez uso da palavra para nos agradecer pela visita, assim como alguns parentes que tinha vindo de aldeias vizinhas. Após os parabéns e bolo com suco todos seguiram pra casa. Zé maria avisou os curumins que haviam lhe dito que Papai Noel estava ali por perto e bem cedinho ele iria passar na Aldeia. Mal deitei na rede e já peguei no sono, mesmo preocupado com as carapanãs.
Quando fui no terreiro cedo, os homens mais jovens da aldeia já estavam indo buscar o boi para a festa do dia. Voltei pra rede e esperei o dia amanhecer. Zé Maria chegou animado com fogos em punho avisando que as crianças já estavam pinotando no terreiro. Tomamos café e fui avisar o Papai Noel que já estava na sua hora.
O bom velhinho, junto com seus ajudantes, surgiu ao lado das casas, os olhares desconfiados de uns contrastava com a alegria de outros. Papai Noel não é muito famoso por essas bandas, mas as crianças estavam felizes, assim como os pais que saudavam papai Noel enquanto ele se aproximava. No horizonte, o rio Purus corria forte levando e trazendo as boas energias para aquele local.
Vi papai Noel tentar animar as crianças perguntando se todas tinham se comportado, obedecido os pais e tirado boas notas, mas eles não davam muita moral para quem falava apenas o português. Cacique Zé Maria repetia em Hunikuin o que ele dizia e só assim ele se fazia entendido de verdade e conseguia tirar algumas risadas dos curumins
A fila das crianças rapidamente deu lugar as mãozinhas estendidas ao redor do velhinho esperando uma lembrancinha. Os mais velhos diziam que eram crianças e algumas mulheres e homens também cercaram o Papai Noel. Todos ganharam um pouquinho de carinho uma lembrancinha e os desejos de dias cada vez melhores. Ele se despediu e seguiu seu caminho e por onde se passava na aldeia as crianças felizes brincavam umas com as outras com suas lembrancinhas.
A aldeia estava toda em festa. Na casa do Zé Maria o boi estava sendo destrinchado e distribuído entre as famílias para o churrasco. Hunikuins de outras aldeias e alguns Nawas chegavam para um torneio de futebol. Mulheres preparavam comida e podia se ouvir música em algumas casas animando o ambiente. Comemos um pouquinho na casa do Isaque, um pouquinho na casa do Zé, onde passamos havia fartura, banana, macaxeira, pepino e churrasco.
Foi difícil partir e todos lamentaram nossa saída, mas ficou certo que logo logo vamos voltar. Enquanto subia o Purus a caminho de Santa Rosa, escrevendo essas linhas a chuva fria molhava o corpo, mas a alma aquecida pelos bons dias ao lado de novos amigos nos fazia refletir que diante de tantas dificuldades que estamos passando o espírito do natal de solidariedade e companheirismo que está presente todos os dias na aldeia devia está presente também todos os dias em toda a sociedade. Feliz Natal.
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