O CENSO 2022 ignora totalmente a identidade de gênero e orientação sexual em seus questionários. A pesquisa investigará cerca de 78 milhões de domicílios particulares permanentes do País. É a fonte oficial de dados mais confiável para ver o retrato do Brasil a cada 10 anos e pensar soluções para os problemas estruturais a partir das realidades, no entanto a face LGBTQIA+ está sendo novamente ignorada, invisibilizada, esquecida, maculada, eliminada, ceifada, como sempre acontece na tradicional família brasileira: binária, cisnomativa, branca. Considero esse esquecimento da identificação de identidade e orientação um dos mais graves erros metodológicos da pesquisa.
Não, não se trata apena de um erro metodológico, tampouco de uma escolha ou vontade de identificar ou não uma pessoa LGBTQIA+. O que acontece no Brasil é uma total desordem das estruturas de comando; não, não é uma desordem como a gente costuma pensar, é apenas outro jeito de moldar o mundo em que vivemos: onde já se viu um país escolher a bala ao invés do livro? Quem pudera prever que o maior programa de combate à miséria, fome e pobreza extrema do país viraria cinzas? Como pensar em desenvolvimento sustentável quando as autoridades aquiescem o paradigma da escandalosa depredação do bioma brasileiro, um dos mais ricos em biodiversidade da terra inteira? Como imaginar um futuro melhor num país que não investe em ciência e, o pior, não acredita no poder humano da criação? Estaremos todos de olhos vendados ou o quê?
O questionário do IBGE investiga a situação socioeconômica da família, do domicílio em termos de saneamento básico, por exemplo. Lá, fala sobre família, você sabe o que é uma família? Formada por um homem e uma mulher, não é mesmo? Para que servirá um censo que não revela a característica mais importante da pessoa que é a sua identidade, razão da sua existência? Para onde vai um País que não revela a face real de seus povos? Qual será a reação de uma pessoa trans quando perguntada sobre o seu sexo, logo após ter falado seu nome, o nome pelo qual é reconhecida uma mulher trans, por exemplo? Porque o nome dela já consta em documento de identidade e CPF, não é mesmo? O que dirá uma pessoa agênero ou gênero fluído sobre ela mesma, se depois perderá a sua própria característica no conjunto dos números? O que é uma pessoa para essa pesquisa do IBGE? O resultado servirá para formular políticas públicas para quem? Provavelmente tudo será como antes, mas e o futuro? sim, será daquele jeito de sempre: excludente.
Se você é uma pessoa LGBTQIA+ não responda ao censo porque ele não foi feito para você e tampouco servirá para atender as suas lutas mais urgentes: a da existência. Não responda ao censo se você tem amizade e respeito por qualquer pessoa LGBTQIA+ porque se você responder apagará essa pessoa do mapa do Brasil. As pessoas LGBTQIA+ não podem ser negligenciadas. Para que servirá um Censo populacional se não revela a verdade sobre a constituição da população brasileira? Se ocultarão aqueles que sempre foram invisíveis? Para mim, essa pesquisa não serve. Eu repudio.
Antonia Tavares é economista, especialista sênior em planejamento público e autora do livro “Loucas e bruxas, bruxas e loucas: contos e poeminhas, editora 3 Serpentes