Os trabalhadores já subiam e desciam o porto com mercadorias, quando embarcamos nas canoas para subir o Juruá, Gena comandava o timão do barco onde fomos eu e o Arenilton. O barco da Ângela foi conduzido pelo Roney esposo dela. Nos pés era possível perceber que apenas eu não conhecia bem o segredo do rio, portos e barrancos! Era o único que não calçava um par de sandálias de dedo.
O rio já dava sinais de cheia, mas ainda era possível ver lindas praias de areia branca. Atracamos na comunidade bananalzinho e, de pronto, subimos na casa da dona Lucinha. O filho dela estudava na varanda sob a supervisão do professor Adão!
Dona Lucinha nos ofereceu água e café, pediu que não reparássemos na água. O poço da comunidade, além de dar água com gosto de ferrugem, estava com um problema na bomba. Bebemos a água do rio mesmo. Professor Adão não perdeu a oportunidade de pedir ajuda a Ângela. Ele mora a 600 metros dos postes, mas a casa dele ainda não tem luz elétrica. Olhou pro meu boné e disse “quando esse homem voltar, eu tenho certeza que a luz chega”
Algumas casas adiante paramos para conversar com seu Raimundo e dona Jocimar que, ao avistarem o Gena, já pediram pra subir e foram tratar de um auxílio doença para seu Raimundo, diagnosticado com hanseníase. Pra passar o calor, fomos tomar uma VIP (morango, coco queimado e leite), na casa ao lado.
Larguei as botas no barco e subimos no porto do Carlito, já na comunidade natal. Ele estava pegado com o feitio de uma cadeira. Marceneiro de profissão, Carlito pitava um cigarro de fumo forte, no canto da boca, enquanto dava forma a madeira. Se gabou de algumas pescarias, enquanto falava das dificuldades do dia a dia. Na saída, levamos um cacho de banana maçã, já pensando no almoço.
Era mais de meio dia, quando chegamos na comunidade Vitória. Encontramos seu Sabazinho tecendo uma malhadeira na varanda. Esquentamos conserva e completamos com arroz e farinha, sem esquecer das bananas. Sabazinho, entre muitas histórias, nos contou de quando namorava a esposa dele, nos anos 70. O pai dela sempre os observando. O mais longe que ia era pegar na mão. Hoje em dia tá tudo mudado.
Arinilton não se fez de rogado e contou uma história pro Sabá. Diz que um Véi, daqueles bem Véi, procurava remédio para levantar. Um gaiato lhe recomendou pão! Mais que depressa o Véi foi a padaria e pediu um saco de pão. A atendente surpresa perguntou quantas pessoas moravam na casa do Véi, para ele querer tanto pão. O senhor respondeu “eu e minha velha”. A atendente falou: – mas vai ficar duro! Então o vei disse, pois me vê dois. Seu sabá não parou de rir até irmos embora.
Na Califórnia fomos na casa do seu Candiri, fundador da comunidade. Há 14 anos, o rio levou a antiga casa e todos foram pra Porto Walter. Ele permaneceu com seus filhos por ali e começou tudo outra vez. Soldado da borracha, ostenta com orgulho um quadrinho do tempo da seringa e de casamento.
Num porto bem alto, na comunidade reforma, conheci seu Bebé. Ele passou um café forte, enquanto me falava da carestia, sem deixar de agradecer a Deus por tudo. Sempre em frente, no estirão do Buenos Aires, topamos seu Amadeu. Ele e o filho dele recolhiam uma manga. Paramos pra ver o que tinha na canoa. Eram 6 maparás. Gena pediu dormida, desconfio que já foi pensando no cozido de peixe que teria na janta.
Enquanto dona Maria preparava o cozido, Arinilton e seu Amadeu disputavam quem contava o melhor causo. A disputa só parou quando o caldo já estava nos pratos. O peixe estava delicioso. Enquanto armávamos as redes, Amadeu contou uma de cruviana. As luzes se apagaram e o rangido das redes balançando nos fez adormecer na cozinha coberta de palha.
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