O sol ainda dormia, quando levantamos para seguir viagem. Pelado, que nos hospedou na Pedra Pintada, no alto Rio Juruá, passou um café que tomamos com bolacha e beiju. Bolacha não é café disse pelado. Se não for uma farofa ou carne, pra mim não é café e mandou a filha dele esquentar uma carne seca de veado na brasa do fogão a lenha. Enquanto a carne ficava pronta, nos despedimos e começamos a baixar o Juruá, rumo a entrada do Tejo.
Aldemir pediu pra encostar na casa do Adaildo, na Comunidade Piranha, ainda nas margens do Juruá. Ele não estava, sua esposa Sandra nos disse que ele estava em uma derrubada perto da vilinha da comunidade Pau-Brasil. Ele foi ajudar a abrir o caminho para a energia, disse Sandra, esperançosa de que a luz possa chegar em sua casa. Nos despedimos rápido, Sandra estava pegada plantando o roçado, não é bom incomodar.
Ao longe, uma senhora deu com a mão, Bumba imediatamente fez a volta. Nas margens do rio ninguém nega um chamado. A senhora pediu passagem para o filho dela até a comunidade matrinchã. Rapidamente, ele já subiu e nos disse que ia atrás de fazer umas diárias limpando campo. Os dias estão difíceis, emprego não existe e até umas diárias estão raras por aqui.
Deixamos o Juruá para começar a subir o Tejo, a fome já era grande. Aldemir sugeriu pararmos no Pedão, um amigo que fiz na última viagem ao Tejo. Subimos e dona Chica se ofereceu para cozinhar umas matrinchãs que Pedão tinha trazido há pouco. Já era tarde e, pra não incomodar, bastava esquentar a conserva e arrumar um pouco de farinha. Um pouquinho do feijão do almoço completou a refeição.
Enquanto comíamos, Chica preparava um café quente e Pedão enrolava um piuba. A conversa estava animada e chegou até os tempos de meninos, quando os celulares e televisão não tinha vez. Marconde, filho do pedão, se gabou de como jogava peteca e lembrou de uma vez que o Pedão com raiva jogou todas no rio. As crianças, deitadas no chão da cozinha, assistiam atentas a conversa. Parei e percebi como o tempo passa ligeiro.
O Tejo ainda não está muito seco, os bancos de arreia e a pausada são obstáculos permanentes. Pequenas corredeiras de pedras, chamadas por aqui de cachoeiras, são constantes e deixam a viagem ainda mais bonita, assim como os paredões de floresta que margeiam boa parte do rio. A cada porto que passamos, o aceno dos moradores nos faz sentirmos em casa e mostram a hospitalidade da beira dos rios acreanos.
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Já era noite quando encontramos Francilda, no barco com os filhos, subindo para a casa da mãe. Desconfiamos que não ia na mãe, estava subindo para assistir a novela num vizinho que tem placa solar. Nos ofereceu dormida e desceu conosco para casa. No céu, os relâmpagos clareavam as matas anunciando chuva grossa. Subimos um instantinho o porto e já descemos pra tomar banho nas águas quentes do Tejo.
A galinha foi logo pra panela e a conversa na cozinha coberta de palha tava animada. Cafú, esposo da Francilda nos falou das caçadas, não deixou de comentar o jogo do Brasil e, com felicidade, nos convidou para seu aniversário, um forró no dia 29. Já havia convidado o nosso amigo Ordonis e a Sol que confirmaram que iriam. Aldemir já disse que ia também.
A lamparina no centro da cozinha iluminava as panelas cheias. Sebastiana, irmã da Francilda, chegou na casa com seus meninos e não faltou assunto. O sereno começou a cair e esfriou a casinha de madeira. Eles ainda estavam na cozinha conversando, quando deitei na rede e fiquei só ouvindo. Ainda ouvi quando Francilda falou pro Cafú antes de dormir: – na próxima vez que o Cesário vier aqui, já vamos estar na casa nova”. Agradeci a Deus por tudo.
Cesário Braga escreve todas às sextas-feiras no ac24horas.com
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