As águas doces da Foz do Rio Amazonas, no Amapá, voltaram a sofrer o fenômeno de “salinização” neste semestre. O Oceano Atlântico avança sobre o rio e isso dificulta o dia a dia de ribeirinhos, que relatam que a água fica imprópria para o consumo e até para realizar atividades básicas como lavar roupas e louças.
O problema afeta principalmente quem mora no conjunto de ilhas na região do Arquipélago do Bailique, distrito a 12 horas de barco de Macapá.
Um estudo do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa) busca entender se a aceleração do fenômeno, que é natural, ocorre em função do desmatamento ambiental e do assoreamento do Rio Araguari, que desagua no Amazonas.
De acordo com moradores da comunidade, há quatro anos eles vêm percebendo a mudança nas águas que banham as ilhas. O fenômeno acontece durante o verão amazônico (ao longo do 2º semestre), e se intensificam a partir do mês de setembro.
Neste ano, desde a segunda quinzena de setembro, o rio já apresenta salinização e, com essa mudança, e as famílias da região, especialmente as mais carentes, sentem os danos do avanço da água do mar. Eles relatam sede e fome por não terem acesso a água potável e não conseguirem tratar o líquido do rio.
Há ainda aqueles que sobrevivem da venda de pescado, que tem ficado escasso com o avanço cada vez mais severo da água salgada.
É o caso de Edina Barbosa dos Santos, que mora na comunidade há mais de 25 anos. Ela sempre utilizou a água do rio para beber, fazer a higiene pessoal e da residência, mas nesse período não consegue mais usá-la. As falhas no fornecimento de energia só pioram o que não está fácil.
“Nós não temos água aqui, nós não temos a luz que nós precisamos. A água que eu preciso eu pego no igarapé. Eu tenho uma boa idade, mas, mesmo assim eu pego [água], mas agora ela não presta nem para a gente beber”, reclamou a moradora.
Como alternativa, a população do Bailique busca em embarcações carregamentos de água nas margens da Ilha do Marajó, no estado do Pará. É assim que boa parte dos moradores tem se virado para continuar tendo acesso ao recurso básico para a existência humana.
Por outro lado, há escassez de combustível, um produto que em todo o país enfrenta frequentes altas no preço. Isso torna inacessível até mesmo essa alternativa pensada pelos ribeirinhos.
“A gente tem que se deslocar da comunidade até por não ter aquele abastecimento suficiente de água mineral. A gente vê que tem pessoas na comunidade com dificuldade de se deslocar, de sair até às margens do rio de água doce na região do Pará”, contou morador Edinei Silva.
Não é só no verão amazônico que fenômenos naturais ganham proporções que dificultam o dia a dia dos ribeirinhos do Bailique.
O arquipélago também sofre com as chamadas “terras caídas”, resultado da força do rio que provoca a erosão de áreas ribeirinhas durante o período chuvoso, que ocorre no primeiro semestre do ano. Desde 2015, o distrito tem decretado situação de emergência devido os imóveis ficarem destruídos pelas erosões. Esses problemas têm gerado, até mesmo, evasão de moradores da região.
Segundo o doutor em geologia marinha Admilson Torres, do Iepa, a salinização ocorre porque nesse período há pouca presença de chuvas, o que diminui o volume do rio e, assim, possibilita que a água salgada do mar invada o continente.
“Esse fenômeno é típico e natural de foz de rios que estão muito próximos do oceano, então acontece. Só que ele é muito mais evidenciado quando os períodos de chuvas são menores. Então você pode ter um avanço das águas do oceano em direção ao interior do continente, nesse caso a foz do Amazonas”, explicou.
Por outro lado, a salinização não era registrada com tanta agressividade no local alguns anos atrás, mesmo no período de poucas chuvas.
Segundo Torres, essa mudança brusca pode estar relacionada à poluição e ao desmatamento ambiental que resultou também no assoreamento da foz do Rio Araguari. O mesmo problema ambiental já contribuiu para a extinção da Pororoca nesse rio. Esse fenômeno também é natural, e atraía esportistas do mundo inteiro para surfar no encontro das duas correntes de água.
“É um processo natural, mas é evidente que a ação humana também interfere. A ocupação desordenada, a derrubada da mata auxiliar também colabora com isso. Além desse processo, nós temos o assoreamento do Rio Araguari. Isso impediu que uma parte da água doce do continente chegasse no oceano e fosse desviada para uma outra área, então ele [o oceano] está percorrendo um canal onde essa água chega no Bailique”, detalhou Torres.
Conforme o Iepa, foi montada uma força-tarefa para estudar os níveis de salinização da água e apontar alternativas para as comunidades que moram nas proximidades da Foz do Rio Amazonas.
Algumas iniciativas levadas para a região buscam amenizar o sofrimento desses ribeirinhos.
Uma campanha mobilizada pela Igreja Católica envia água potável para as famílias em vulnerabilidade social no Arquipélago do Bailique. Para ajudar, basta realizar a doação na igreja da Paróquia do Perpétuo Socorro (Rua Acésio Guedes, nº 549, bairro Perpétuo Socorro, na Zona Leste da capital).
O assunto também é debatido em salas de aula do estado: o estudante Caio Vinícius Lima de Souza montou um projeto sustentável que busca dessalinizar a água somente com uso da energia solar. Uma ideia possível de ser implementada em regiões onde há escassez do produto próprio para o consumo, como é o caso do Bailique.
Caio venceu e foi premiado, aos 16 anos, na Feira Internacional de Ciências e Engenharia (Intel Isef) realizada nos Estados Unidos em 2018. O evento é considerado o maior do mundo para estudantes que ainda não chegaram ao nível superior.
Um outro projeto, de desenvolvimento sustentável, com investimento de R$ 1 milhão, implantou painéis solares na comunidade de Franquinho em 2019. A estrutura fornece energia limpa para espaços de uso comum, como a Estação de Tratamento de Água (ETA), que, além de tratar, passou a atuar na dessalinização da água.
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