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Bar focado no público LGBTQIA+ no Acre acolhe gays, héteros e trans em comunhão

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Um lugar onde os garçons se vestem e se comportam como se identificam na sociedade, onde héteros assistem ao futebol no telão ladeados de gays, trans, bissexuais e lésbicas sem discriminação. As palavras de ordem que gerem o estabelecimento são duas: liberdade e segurança. São com elas que o Recanto Food e Beer, localizado na Avenida Ceará, busca fazer integrar um grupo seleto e amplo na capital acreana.


Foto: Sérgio Vale/ac24horas

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O projeto inicial previa um espaço mais recatado, mas transformou-se num ambiente grandioso e acabou caindo no gosto de um público maior do que o proprietário imaginava. Há cerca de três meses, o advogado Gabriel Santos, 26 anos, divide seu tempo com o escritório de advocacia e as mesas de bar. A ideia principal da empresa permaneceu, que era a de criar um espaço único e seguro ao público LGBTQIA+.


“Justamente para fugir de confusão. Quando eu pensei em criar o Recanto, em 2020, queria um bar que agradasse tanto a mim quanto aos meus amigos. Tinha que ser confortável e que fizesse as pessoas se sentirem tranquilas, em paz e em segurança”, explica. E foi com foco nesse formato que nasceu o que figura atualmente como o único bar especificamente voltado a esse segmento em Rio Branco.


Foto: Sérgio Vale/ac24horas

À princípio, Santos cogitava abrir um bar universitário, só que chegou à uma conclusão: iria limitar o conceito do negócio, já que seria voltado somente a esse público, e ele próprio já não é mais universitário há cinco anos. “Vi que tem um monte de gente mais velha que frequenta os bares e que não seria tão viável”. Então surgiu a ideia de um bar aberto à diversidade, acessível e seguro. “Aí pensamos nesse conceito, num bar voltado ao público LGBT, que estava carente aqui em Rio Branco, e que também acolheria os universitários, que é o nosso público maior”.


Ocorre que o empreendimento caiu no gosto de todos os grupos de clientes. É massiva a presença de amigos comemorando aniversário, casais, pais e filhos. “Não imaginei que o bar fosse atingir todos os públicos, mas o intuito foi esse. A gente focou nisso, mas mesmo assim achei que seria bem mais limitado do que é hoje, totalmente diverso”, diz o empresário, destacando que ao ver pessoas de todas as idades no local, escutando música, tomando uma cerveja tem a certeza de que o negócio deu certo.


Dificuldades

Assim como todo empreendedor, o advogado também encarou desafios tortuosos para conseguir tirar o projeto do Recanto do papel. Abrir o estabelecimento foi uma verdadeira saga para Gabriel, que nunca havia tido contato com o mundo empresarial antes. “Outro dia li uma frase que diz que empreender é resolver problemas. E de fato, é muito problema, desde burocráticos, até os mais simples. Na prática, a gente vê que a teoria é muito mais complexa, o empreendedor no Brasil sofre muito com intervenção do estado e das burocracias”.


Foto: Sérgio Vale/ac24horas

Tanta dificuldade, para Santos, acaba atrapalhando quem também deseja empreender e gerar riquezas ao estado e ao país. “O segundo desafio foi a gente se adaptar à realidade da pandemia da Covid-19. Tive a ideia do bar em setembro de 2020 e era para ser algo mais parecido um clube do que exatamente um bar, só que tivemos que adiar”. Ele reorganizou a empresa para tentar abrir em fevereiro de 2021, mas a pandemia ainda estava com força e resolveu abrir um delivery.


Pontapé inicial

O sistema de entrega de pizzas funcionou de maio até julho, quando o Recanto ficou com 30% do espaço voltado somente para pizzaria. “Em agosto deste ano o foco era apenas pizza, só que no final do mesmo mês a gente se sentiu confortável em abrir para o público, tendo em vista os altos índices de vacinação e a redução dos casos”. O Recanto Food e Beer foi o primeiro espaço a exigir carteira de vacinação para entrada de pessoas no estado. “E provavelmente vamos ser os primeiros a exigir as duas doses da vacina”, afirma o proprietário.


Outro desafio notado com a abertura oficial do bar ao público foi conseguir conscientizar os clientes para que possam se comportar obedecendo às regras sanitárias impostas pelo novo coronavírus. “Tudo é muito desafiador, principalmente para quem não tem muita experiência na área gastronômica, de bar. Sou advogado, nunca fui empresário”, comenta.

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Foto: Sérgio Vale/ac24horas

Antes do Recanto, a capital do Acre já possuiu outros bares semelhantes, com foco na diversidade de gêneros. Hoje, como bar voltado ao público LGBTQIA+, o Recanto é a única referência em atuação. Gabriel apresenta uma peculiaridade que é a de “mostrar a cara” na representação do bar.


“Isso é muito raro de acontecer, porque geralmente o dono não quer aparecer, fica mais nos bastidores. Todo mundo sabe que sou dono do Recanto e se sente à vontade para falar comigo. Os clientes me dão dicas, falam sobre o som, sobre a luz. E somos muito abertos a críticas, tanto positivas quanto negativas. A galera elogia muito, dizendo que é um ambiente novo, que a cidade estava precisando. Essa é a frase que eu mais ouço, acompanhada sobre como o ambiente é agradável. Aqui as pessoas esbarram umas nas outras já pedindo desculpas”, destaca.


Diferencial

Além do proprietário, os clientes e colaboradores se unem quanto ao orgulho de ter ajudado a “construir” o Recanto. Gabriel diz que o feedback que recebe do público que frequenta o local é abundantemente positivo. “Falam muito que aqui é um lugar em que as pessoas ficam à vontade e se sentem em casa. As pessoas dizem: isso aqui é uma extensão da minha casa”.


Foto: Sérgio Vale/ac24horas

As atrações também são um diferencial do espaço, que busca agradar todos os gostos e faz jus ao termo diversidade. “Sempre falei que abrir um bar LGBT lotado é desafiador, porque na cabeça das pessoas, a sigla é uma só, mas não, é um grupo muito mais amplo. São gays, lésbicas, travestis, héteros, bissexuais, uma série de pessoas com gostos completamente diferentes. Então agradar o público inteiro era um desafio desde o início”, relata o dono.


O bar toca rock, forró, funk, pop, faz festa temática e apresenta samba, com público dividido em todas as noites. Para Gabriel, algumas pessoas ainda têm a ideia de que por se tratar de um bar LBGT, só vai tocar artistas como Lady Gaga e Pabllo Vittar. “Mas não é assim, o próprio público LGBT é eclético, gosta de tudo, então tento trazer aqui um pouco de tudo e aquilo que eu gosto. Tenho prazer em ouvir e presenciar”.



O movimento é intenso e faz com que o bar tenha uma equipe de trabalhadores que varia bastante de quarta-feira a domingo.Às quartas e quintas há menos clientes, mas a partir de sexta-feira aumenta consideravelmente a quantidade de pessoas. “Nossa equipe, em dia de pico, chega a 40 pessoas para atender todo mundo bem”. Alguns colaboradores chegam ao local antes da abertura, outros durante e ainda um grupo no pós-festa, como o pessoal da limpeza, sem contar os colaboradores indiretos para manutenção do espaço.


Um ou outro desavisado que não entende o conceito do bar já chegou a causar constrangimento no amiente. “Já houve um caso em que um homem perguntou sobre as bandeiras que ficam expostas e falamos que eram sobre orientações sexuais. Ele se levantou e foi embora com raiva. Mas no geral quem vem sabe o público que vai encontrar, e são todos muito tranquilos. Desde que abrimos ao público, nunca tivemos nenhuma ocorrência de briga”. .


Emprego a jovens e comunidade LGBT

Gabriel garante que o Recanto não vende cerveja, mas serviço e bem-estar. Para ele, o principal diferencial do bar é que a maioria dos colaboradores é feita de pessoas muito jovens, muitos deles tendo a primeira experiência com o trabalho remunerado. “Tem deles que estão aprendendo a carregar bandeja agora, trabalham para complementar a renda, para ajudar na universidade, então sempre falo que aqui é uma experiência para o futuro, um trabalho de passagem, e não para trabalhar para sempre”.


Foto: Sérgio Vale/ac24horas

A maioria dos funcionários é inexperiente e se encontra no primeiro emprego. “Recebemos gente aqui que nunca trabalhou na vida e a gente abre as portas, ensina, mostra como se faz. O que sempre falamos para eles é que tem que ter disposição para trabalhar. Tem que ter hospitalidade, porque a nossa regra é ser hospitaleiro. Não saber a técnica do trabalho, a pessoa pode aprender, mas se não sabe ser educado, você não aprende com mais de 20 anos. O resto a gente consegue”, salienta o empresário.


O advogado tenta como empreendedor dar o máximo de autonomia para que seus colaboradores consigam produzir mais. “Se a pessoa se sente mais livre, consequentemente, na minha visão, você vai produzir muito mais do que se você tiver um padrão rígido, com a faca no pescoço toda hora. Aqui, a gente respeita a individualidade de cada um, que se veste do jeito que quiser, tem o cabelo do jeito que quiser. “Tem o avental para identificar quem está trabalhando, mas sobre vestimenta, comportamento, é livre, até porque se a gente quer virar um espaço que respeita a diversidade e individualidade, precisamos ser os primeiros a respeitar isso na nossa equipe. Se a nossa equipe não puder se expressar na maneira de se vestir, de falar, como vamos vender isso para os clientes?”, questiona.


Foto: Sérgio Vale/ac24horas

Angel é uma transsexual de 20 anos e integra a equipe do Recanto. Como pessoa trans, ela entende que não há muita oportunidade de emprego na sociedade, mas desde que entrou no bar, foi muito bem recebida e respeitada. “Fui recebida de braços abertos e aqui me sinto segura. É uma oportunidade de um milhão. Eu não vou ter outra oportunidade dessa lá fora, aqui é tipo uma família, aqui acolhe todo mundo e recebemos todos os públicos”, conta.


Ela destaca o fato de poder se vestir do jeito que se porta na sociedade normalmente, sem restrições ou imposições. “Aqui sei que não vou ser discriminada pelo que eu sou. Alguns clientes me veem como um exemplo. Quando me veem na entrada, atendendo, ficam felizes por me ver aqui. É bem melhor do que eu estar fazendo prostituição, me vendendo”, afirma.


Os funcionários têm liberdade para trabalhar dançando, brincando, podem, inclusive, sentar à mesa e conversar com amigos. “A gente quer os nossos garçons, que a nossa equipe esteja integrada com os clientes. Tem cliente que diz que o garçom parece um amigo que está bebendo junto, que não deixa faltar bebida na mesa. É engraçada a percepção que o público tem da nossa equipe. Servindo, dançando, cantando, pulando. E todo mundo sabe o limite, é algo muito natural”, diz Gabriel.


Expectativas

O dono do Recanto afirma estar aprendendo ainda a empreender e que é muito difícil a tarefa, que sofre mutações diariamente. “Quando imaginei o Recanto, era algo totalmente diferente do que é hoje. Nosso plano de negócios inicial não tinha nada a ver com o que o bar é hoje. E ele foi se transformando até chegar a esse ponto, de se adaptar à realidade do momento e a demanda que o público tem sem perder nossa própria identidade”.


O empresário acredita que o local vai conseguir se adaptar no período pós-pandemia, na nova demanda de pessoas que vai começar a sair de casa. “Queremos atender o público jovem que vai atingir a maioridade agora, que nunca havia frequentado um pub antes. Vamos ter que estar abertos a toda essa gama de pessoas que vai buscar viver novamente e acho que a nossa tarefa está aí, oferecendo um serviço de excelência, sendo o mais hospitaleiro possível e o resto a gente vai conseguindo”.


O objetivo é tocar a música do momento, ter a decoração que está em alta, mas sempre mantendo os princípios bem claros, de que é um ambiente seguro, acolhedor e diverso. “Independente da época, de quem estiver tocando, ou do público que estiver frequentando, sempre vai ter gente no Recanto. Meu objetivo é criar um negócio a longo prazo, não de 2 ou 3 anos, queremos que as novas gerações possam vir, um público totalmente novo”. Segundo Santos, o que move a empresa é também ter a missão de fazer a primeira acolhida aos jovens que estão iniciando a vida social. “Daqui uns anos os pais estarão trazendo os filhos, todo mundo se confraternizando”, conclui.


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